Marcolino Moco – À Mesa do Café
A retirada em cena da Dr.ª Suzana: vitória de alguém, palhaçada, ou “a espingarda de Carnelutti”?
(Glosa ao editorial do Jornal de Angola de 19 de Maio)
À memória do Dr. João Vieira Lopes, um insigne filho de Angola que parte mas nos deixa um legado: como construir uma vasta e diversa Pátria, chegando para todos
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De facto vou aqui glosar o epigrafado editorial com o título “Uma vitória histórica”, que constitui mais uma “recaída” na “grave doença” padecida por este importante meio de comunicação pública, de que parecia deslindar-se suavemente nos últimos tempos; essa, a de inserir panfletos sectário-partidários nas suas páginas mais nobres.
Esse tipo de editoriais num jornal público e em vésperas de eleições é uma emenda tão “pior que o soneto”, como o foi aquela montagem tão deselegante, a de se apresentar na TPA (quiçá na Rádio Nacional que eu não podia ouvir ao mesmo tempo) a posição do partido no poder, logo a seguir à divulgação do acórdão do Tribunal Supremo (TS). É mesmo assim tão difícil separar as instituições do Estado do partido governante, nem que seja num plano meramente formal? Ufa!
A retirada da Dr.ª Suzana de Presidente da CNE por decisão acertada do TS, em recurso apresentado pela UNITA e PRS, da decisão anterior do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ), é de facto uma grande vitória de Angola, na sua luta pacífica pela construção de uma sociedade aberta. É esta a única forma de se garantir o estabelecimento de uma sociedade justa e, ipso facto, de paz sustentável. Não é vitória exclusiva dos que estão assinalados nas entrelinhas de tal editorial.
O que diríamos, se estivéssemos aqui a usar do mesmo eterno linguajar maniqueísta, é que esta foi uma estrondosa derrota daqueles que abusando da suposta e generalizada ignorância da Ciência Jurídica na sociedade angolana, se fazem esquecidos de que, no terreno mais profundo, o Direito formal não tem sentido sem o correspectivo Direito material e vice-versa. Daí que nos venham dizer que quando o CSMJ decidiu em primeira instância esteve certo (Santo Deus!) quando consabidamente, por pressão politica descarada e irresistível, tomou uma decisão que preocupou, quando não envergonhou toda a Nação, especialmente a sua classe jurídica. Assim como nos têm forçado a aceitar que um cidadão Presidente da República, exercendo os mais extensos poderes estaduais, em quantidade e em qualidade, há mais de três décadas, nunca foi “presidente” nenhum, porque ainda não chegou a tomar posse, tendo desta feita ainda pela frente a reserva de mais uns bons 15 anos de governação, a Bem desta grande Nação de Kimpa Vita, Njinga, Luegi, Ekuikui, Mandume e tantos outros.
Mas, não usando desse maniqueísmo primário e passadista, diremos que esta é uma vitória de todos; inclusive da própria Dr.ª Susana, que não deverá ter motivos para se sentir animicamente desamparada, por ter sido envolvida num equívoco que, em algum sentido, quiçá, deve ser agora perdoado, em nome da harmonização de mais um país africano, em vésperas de eleições.
É evidente que se deve fazer justiça à UNITA e ao PRS, realçando a sua atitude em usar um instrumento pacífico, mesmo em prejuízo, de algum modo, dos seus interesses como partidos políticos em vésperas de eleições. Na verdade, as duas organizações políticas tiveram, desta vez, de desviar muitas das suas energias para esta acção de travagem da promoção da banalização e vulgarização do Direito e das instituições, que se tem acentuado, paradoxalmente de forma mais ostensiva, desde que se calaram as armas, há justamente uma década.
Atribuir esta vitória aos que o “editorial” deixa nas suas entrelinhas, contra aqueles que não se intimidaram perante ameaças veladas e despropositadas afirmações de arrogância de quem quer impor a sua vontade sem limites, só porque tem o poder nas mãos, seria aceitar que afinal se tratou de mais uma brincadeira de mau gosto, de meia dúzia de “palhaços” que querem continuar a fazer de Angola um palco dessas suas brincadeiras para intensificar a referida banalização e vulgarização do Direito e das instituições. Tudo tem limiteS. “Não vale tudo”; ainda há dias o disse o Presidente José Eduardo dos Santos no Luena e o ouvimos com todo o respeito.
Esta vitória de todos deveria ser imediatamente seguida de uma reflexão séria sobre o que o desprezo do Direito e das instituições pode acarretar para o futuro de um país, para ser revista a despicienda forma como, em 2010, foram alterados os elementos historicamente ponderados de distribuição e limitação dos poderes na Constituição histórica de Angola. Mais do que em qualquer outra parte do Mundo, o respeito pelas instituições e por normas jurídicas enquadradas pela moral e a ética política seria fundamental para a consolidação do moderno Estado-Nação em África. Já quase esquecidos e avaliados de forma enviesada os casos da Tunísia, Egipto e Líbia, acenam para nós exuberantes, “vivos, vividos e vívidos” os casos do Mali e da irmã Guiné-Bissau.
E esta vitória me é particularmente tão saborosa quanto a aproveito para reforçar uma lição que não me canso de repetir aos meus alunos universitários ou aos meus jovens colegas já licenciados – auditores do Instituto Nacional dos Estudos Judiciários (INEJ) – muitos deles por vezes bastante cépticos em relação à eficácia do Direito (sobretudo do Direito Constitucional em África). É a lição de Carnelutti, que referindo-se ao Direito Internacional, que muitos acreditavam não servir para nada, dizia ele que se tratava de “uma espingarda descarregada”, mas de que ninguém deixará de se desviar, se lhe for apontada.
Luanda, aos 20 de Maio de 2012
Marcolino Moco
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