terça-feira, 29 de maio de 2012

Guiné-Bissau: O DUELO MACKY- EDUARDO DOS SANTOS




Babacar Justin Ndiaye* – Sud Quotidien

AnálisePor trás das manobras diplomáticas e do baile dos contingentes militares, a Guiné-Bissau torna-se, cada dia mais, um campo de colisão inevitável entre os interesses nevrálgicos do Senegal de um lado e os desígnios estratégicos de Angola, do outro lado. O duplo protagonismo da Comunidade dos Estados de Desenvolvimento da África Ocidental (CEDEAO) e da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), desembocara inevitavelmente num choque frontal entre Dakar e Luanda. Duas capitais cujas intenções relativamente à Guiné-Bissau ultrapassam os planos de saídas de crise oficialmente tornados públicos e as resoluções publicamente votadas.

Os preparativos da batalha diplomática falam por si. Os ganhos para o Senegal, na cimeira da CEDEAO, tido em Dakar, o dia 3 de Maio, foram contrabalançados pelos ganhos obtidos pela posição Angolana e os paises da CPLP, perante o Conselho de Segurança das Nações Unidas, que votou, no 18 de Maio a resolução 2048. Mesmo assim, o Senegal ganhou a primeira parte da disputa através do plano de saída de crise da CEDEAO, que crucificou as autoridades derrubadas pelo Golpe de Estado do dia 12 de Abril, excluindo assim a restauração do poder legitimo.

Face a esse cenário de disputa, instaurou-se uma corrida contra o tempo. Um novo Primeiro-Ministro de Transição apoiado pelos Chefes de Estado da África Ocidental, foi designado na pessoa de Rui Duarte de BARROS, ex-Ministro das Finanças do antigo presidente Kumba YALLA, derrubado num golpe e Estado em Setembro 2003. O novo Chefe do Governo tem por Ministro dos Negócios Estrangeiros, o pro-francófono Faustino EMBALI (refugiado em Dakar, depois do assassinato de Nino Vieira). E como cereja em cima do suculento bolo servido a Macky SALL, (um contingente militar senegalês constituído por unidade de engenharia militar, uma importante equipa médica e de Oficiais de contra-inteligência), serão enviados para Bissau, sob a bandeira das forças africanas da CEDEAO.

Sem se dar conta e na maior das calmas, Macky Sall reedita, sorrateiramente a Operação Gabu. As tropas senegalesas chegaram em Bissau sem combater, nem ser combatido. Estrategicamente, o Movimento das Forças Democráticas da Casamance (MFDC) vão ser cercadas - feitas sandwich- por oficias de segurança em actividades no território da Guiné-Bissau e por tropas de elite senegalesas em operações permanentes na região de Ziguinchor.

Se os frequentes golpes na Guiné-Bissau são vistos a justo titulo como inércia da Comunidade Internacional, este do General António Indjai, representa indubitavelmente um valor acrescentado para a segurança da Casamanca.

Dai se explica o jogo individual do Senegal bem encapotado no processo colectivo de saída da crise da CEDEAO. Dito de outra forma, uma preocupação e intenção aparentemente dissimulada do Senegal, mas com a coalescência do resto da restante comunidade. Posição contrária é firmemente assumida contra os golpistas do Mali.

A subtil legitimação do Golpe, assim como a habilidosa aceitação do empossamento dos novos órgãos de transição, colocarão Eduardo Dos Santos, numa má postura? Seguramente que, a resposta é não. Apoiado na CPLP, onde o seu pais assume a Presidência em exercício, Angola contra atacou, provocando no dia 7 Maio, seja quatro dias depois, uma reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas, no decurso da qual, o Representante Especial do Secretario Geral das Nações Unidas para Consolidação da Paz na Bissau (UNOGBIS), o Rwandês Joseph Mutaboba apresentou um relatório sucinto dos acontecimentos.

O peso dos países lusófonos contou muito - nomeadamente o do Brasil -, os membros do Conselho de Segurança (entre os quais figura o Togo, portanto ligado pelas decisões da CEDEAO) votaram unanimemente, a famosa resolução 2048 que diz o seguinte: «O Conselho de Segurança solicita aos Estados membros da ONU no sentido de tomarem todas as medidas necessárias para impedir a entrada e passagem nos seus territórios dos cinco responsáveis do Comando Militar, entre os quais o Chefe de Estado Maior, António Indjai e o seu adjunto o General Mamadu Nkrumah Ture»

Proposto por Portugal, a resolução 2048 vai ao encontro das decisões da CEDEAO sobre a Guiné-Bissau e, em termos firmes: Os 15 Estados membros do Conselho ordenam o Comando Militar a deixar o poder a fim de permitir o regresso à ordem constitucional». Sempre dirigido por Portugal e Angola, o Conselho de Segurança preconiza o envio duma força híbrida ONU-OU sob o modelo daquela enviada para o Darfou. Aqui está uma prova da habilidade diplomática que permitirá a Angola manter a sua missão militar (Missang) na Guiné-Bissau sob a bandeira da CPLP e com o aval da ONU. Assim as tropas Angolanas, perto da Casamanca não será já através de um acordo bilateral, assinada entre Bissau e Luanda ; mas por uma decisão sob os auspícios das Nações Unidas, ou seja multilateral. Manobras subtis, como só bem sabem fazer os diplomatas.

Mesmo se o Secretario Geral da ONU, Ban Ki-Moon, descarta de momento, o envio duma tal forca, o alerta está lançado e serve de aviso para o Senegal. O Representante de Portugal nsO NU, o Embaixador Filipe Morais Cabral, fez uma leitura exaustiva da resolução 2048 : “Essa resolução monstra a imperiosa necessidade de uma coordenação eficaz entre as diferentes organizações internacionais implicadas na resolução dos problemas da Guiné-Bissau A nossa posição é invariável. A solução para a crise passa pelo restabelecimento das instituições democraticamente eleitas e o regresso à ordem constitucional ». Isso demonstra que Lisboa quer o regresso dos seus protegidos Raimundo Pereira e Carlos Gomes Júnior, homens de confiança de Angola.

Na verdade, a vontade de Angola de fortalecer a sua posição na Guiné-Bissau permanece intacta tanto militarmente como economicamente. Luanda comprou um hotel em Bissau para alojar os seus oficiais da MISSANG, esperando a refecção e a construção de novas casernas. No meio do mês de Abril, o Ministro da Defesa, o General Van Dunem viajou para Bissau. No capítulo politico, os angolanos exploraram bem as falhas e fissuras no bloco pouco compacto da CEDEAO, e desencadearam uma operação de charme para obterem o apoio do Presidente Alfa Conde da Guiné Conakry que, recebeu calorosamente, no dia 16 de Maio, o Secretario de Estado dos Negócios Estrangeiros, Rui Manguerra, portador de uma mensagem pessoal de Eduardo Dos Santos.

Ofensiva bem alvejada e positivamente conseguida, quando se sabe que, Conakry e Praia foram intransigentes no que toca ao regresso à ordem constitucional, sinónimo do regresso ao poder de Raimundo Pereira e de Carlos Gomes Jr.

Efectivamente, na cimeira de Abidjan do dia 26 de Abril, o huis clos dos Chefes dos Estados foi marcado pela clivagem, onde o Presidente Alfa Conde e Jorge Carlos Fonseca, excluíram quaisquer tipos de concessões ou compreensões vis-a-vis aos autores do golpe de Estado e dos civis que estavam a apoiar os golpistas que fizeram interromper o curso do processo eleitoral, entre as duas voltas das eleições presidenciais. Vitima duma recém tentativa de golpe de Estado, o Presidente Conde manteve-se firme na sua posição mesmo se não esteve presente na reunião de Dakar, sendo ele próprio o facilitador da CEDEAO na crise da Guiné. Militante da Federação dos Estudantes da África Negra em Franca, o Chefe de Estado da Guiné-Conakry, mostra abertamente as suas afinidades ideológicas com o MPLA no poder em Angola. Numa palavra, isso quer dizer que Angola tem mais do que um cavalo de Tróia na CEDEAO.

O duelo Macky-Dos Santos será duro na Guiné-Bissau (fronteira da Casamance), onde Macky Sall joga o destino unitário do seu país; e, Eduardo dos Santos, por seu turno, tenta confortar os interesses duma potencia da África Austral (Angola) com objectivos expansionista na zona. O confronto está à vista, mas será que os protagonistas têm armas iguais nesse confronto? Ao Senegal não faltam vantagens (proximidade e motivações), mas melhor ganharia a seguir prospectivamente esse pais tão perto, mas muito complicado, mobilizando equipas de «seguimento»... e de trabalho sobre esse seu vizinho que se dedica à anarquia politico-militar como principio. Do lado dos Negócios Estrangeiros, capacidades não faltam, tais como, Sua Exa Omar Benkhtab Sokhna, o inamovível Embaixador do Senegal em Bissau durante os anos 90. E, a este titulo obreiro da vertente diplomática da operação Gabu decidido pelo presidente Abdou Diouf. As suas notas e testemunhos podem inspirar e orientar as melhores decisões do Governo.

Quanto a Angola – mesmo diplomaticamente pressionado e militarmente em retirada - ela não vai deixar as coisas irem por água-abaixo. Angola dispõem em Bissau de laços e redes locais capazes de ajudar a rasgar (sabotar) o mapa de saída de crise da CEDEAO. Uma margem de manobra herdada não apenas duma colonização em comum, mais também de uma camaradagem baseada numa osmose politica entre os quadros do MPLA e do PAIGC. Recorde-se que os dirigentes do nacionalismo angolano tais como Lúcio Lara, Luis de Almeida e o escritor Mário de Andrade davam aulas ou animavam regularmente seminários na Escola dos Quadros do PAIGC baseado na época na Guiné-Conakry. Por outro lado, até ao derrube do Presidente Luís Cabral, em Novembro 1980, o angolano Mário de Andrade, era Ministro da Cultura na Guiné-Bissau. Junta-se a todos esses factos uma fraternidade de armas concretizada pelo engajamento em solo Angolano de uma unidade militar da Guiné-Bissau (ao lado dos cubanos) durante a guerra entre MPLA contra UNITA e o FNLA.

Em outros termos, o Presidente Macky Sall tem pela frente um adversário consistente e coriáceo, na pessoa de José Eduardo dos Santos. Está no poder desde 1979, (substituindo Agostinho Neto), o mestre de Angola é o mais enigmático Chefe de Estado do continente africano. Rico com os seus barris de petróleo, mestre na arte do poker geopolítico e dotado de reflexos bismarquianos, Dos Santos, derrubou o diabo de Savimbi. Fora das fronteiras de Angola, ele acabou com a guerra entre Sasson Nguesso e Pascal Lissouba em Brazzaville, salvou a cadeira do poder de Kabila-pai em Kinshasa e livrou a RDC, de uma eminente colonização ruandesa em 1998. Em 2008, Angola estendeu a sua influência até à Costa do Marfim apoiando Laurent GBAGBO onde a Sociedade de Estado dos Petróleos, SONANGOL detinha 22% das acções da principal refinaria de Abidjan.

Entretantto, sufocado pela a sua memória, o líder do MPLA nunca esqueceu do apoio sem reservas do Presidente Senghor ao Chefe da UNITA, Jonas Savimbi. Mesmo com o fecho do Escritório da UNITA em Dakar, e um encontro na Ilha do Sal (Cabo Verde) com Abdou Diouf, em 1981, Eduardo Dos Santos nunca visitou o Senegal em 33 anos de poder. Isso é prova bastante do barómetro da sua posição.

Isso quer dizer que a vigilância deve impor-se a partir de agora em torno da Casamanca. Porque é um jogo de crianças para os serviços secretos angolanos bem organizado pelo General Fernando Garcia Miala - de instigar o PAIGC à insurreição politica, preludio de uma guerra civil que seria uma beneficio para o MFDC, proporcionando o reforço do seu separatismo armado. Um outro país em sintonia com Dos Santos é Portugal que nunca perdoou ao Senegal de ter aliciado/rebocado a sua ex-colónia para integrar a companhia aérea Air Afrique (agora extinta) e a zona do Franco CFA, através a sua adesão à UEMOA. Durante a intervenção dos Djambar's (forças especiais senegalesas) em Bissau, as movimentações de cariz militar de Lisboa foram excessivamente incómodos, a tal ponto que o Ministro senegalês dos Negócios Estrangeiros na altura, Jacques Baudim, fez convocar o Embaixador de Portugal a Dakar.

Curiosamente, no momento em que se está a desenhar o duelo Macky-Dos Santos o Governo, a classe politica senegalesa e os cidadãos debatem em torno de jurisdições a criar a fim de limpar as cavalariças d'Augias. Enfim, difícil de listar as prioridades numa densa floresta de prioridades…

PS: Os três países africanos membros do Conselho de Seguranca daa ONU (África do Sul, Marrocos e Togo) votaram em favor da resolução inspirada por Angola e proposta por Portugal, que vai em contracorrente às decisões da CEDEAO. Dificuldades à vista para Alioune Badara CISSE.

Tradução: Babacar Justin NDIAYE

*Publié le 25/05/2012 (Sud Quotidien 25/05/2012)| 01H37 GMT par Babacar Justin NDIAYE

Em DITADURA DO CONSENSO, de António Aly Silva, jornalista guineeense

- Revisão de texto Página Global

Sem comentários:

Mais lidas da semana