sexta-feira, 25 de maio de 2012

NÓS E O LOBO




Fernanda Câncio – Diário de Notícias, opinião

Parece piada. O ministro que tutela a Comunicação Social acusado de ameaçar um jornal com um boicote governativo e uma jornalista com revelação de dados da sua vida privada. O partido que arrepelou os cabelos e esganiçou a voz na denúncia de uma coisa a que deu o nome de "asfixia democrática", que vituperou incansavelmente o Governo anterior por "tentativas de condicionamento da comunicação social", que alberga nas suas hostes um Paulo Rangel, capaz de no Parlamento Europeu sustentar que Portugal deixara de ser um Estado de Direito porque um colunista de um jornal privado alegara ser vítima de censura, a vetar a audição do ministro no Parlamento. E os jornalistas portugueses, que em 2006 se uniram num manifesto estrepitoso contra a aprovação do atual Estatuto do Jornalista, reputando-o de "o maior atentado à liberdade de expressão desde o 25 de abril", mudos e quedos - à exceção do Conselho de Redação do Público e do Sindicato.

Tem mesmo graça, se formos capazes de rir com a tristeza. E sendo tão triste esta tristeza nem sequer nos pode surpreender: afinal, enquanto nos últimos anos vimos as palavras "pressão" e "censura" usadas para tudo e mais alguma coisa na relação do Governo nacional com os media, na Madeira as ameaças e boicotes a jornalistas por parte do partido no poder adquiriram a naturalidade dos fenómenos meteorológicos. Como explicar isto? Como perceber que o entrincheiramento demente de uma parte da sociedade portuguesa e o alheamento da restante impeçam a decência de ver e dizer o óbvio? Extirpados de considerações de fação, os princípios são simples. À luz deles, parece totalmente impossível não dizer que um deputado que empocha gravadores no decorrer de uma entrevista filmada tem de se demitir e que o seu partido não pode querer justificar tal disparate e mantê-lo no Parlamento. Sob pena de amanhã, perante a denúncia de um atentado à liberdade de imprensa de muito maior calibre, ter esse handicap a pesar-lhe. Sob pena de podermos ter um Ricardo Rodrigues a interrogar um Miguel Relvas na Comissão de Comunicação (da qual o primeiro é suplente).

É, é muito simples. Ameaças respeitantes à vida privada são uma pulhice inominável, venham de onde vierem. Um ministro acusado dessa conduta criminosa (coação, ameaça de devassa da vida privada) por um jornal ou lhe coloca de imediato um processo por difamação ou está ferido de morte na sua honra. Um regulador não aceita que o ministro escolha o dia e a hora da sua audição de modo a ser ouvido antes da editora a quem terá transmitido as ameaças. A direção de um jornal - o mesmo que apelidou uma decisão de tribunal de "censura prévia" - não oculta do País factos gravíssimos que virá a admitir, pós-denúncia do Conselho de Redação, serem verdadeiros. Perante tanta impossibilidade tornada banal, porém, é só previsível que Relvas entenda poder dizer que "acusações baseadas na vida privada são inaceitáveis em democracia". Em democracia; tem toda a razão.

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