domingo, 6 de maio de 2012

O BOSQUE EM FLOR



Rui Peralta

Geopolítica do neocolonialismo na Africa Ocidental (2)

         Estando explanadas as bases da teoria geopolítica, passemos agora uma breve e resumida explanação geral do panorama africano.
                  
Dificuldades da economia africana

         Cinco décadas de políticas de desenvolvimento, aplicadas no que era chamado terceiro Mundo (África, Ásia e América Latina) o balanço é contrastante e contraditório. Distinguem-se, hoje, dois grupos neste conjunto histórico. Um grupo constituído pela Ásia e América Latina, onde as políticas de desenvolvimento produziram resultados satisfatórios (na América Latina) e muito bons, ao nível das taxas de crescimento (Ásia). O outro grupo, constituído por África, golpeado pelas crises políticas, sociais e económicas, onde as políticas de desenvolvimento foram menos satisfatórias e parecendo incapaz de responder a muitos dos desafios que enfrenta.

         Independentemente das nuances ideológicas ao nível do discurso, os objectivos das políticas de desenvolvimento iniciadas na América Latina durante a II Guerra Mundial, na Asia no período pós guerra e em Africa de 1960 em diante, eram os mesmos. Projectos nacionalistas, aceleradores da industrialização, que tinham como objectivo a modernização das economias e mais altos padrões de vida. Esta partilha de objectivos é consequência da situação comum em que as economias destas regiões se encontravam no período imediato ao final da Segunda Guerra Mundial: A Ásia, excepto o Japão, África (excepto a Africa do Sul) e grande parte da América Latina, exceptuando o Chile, a Argentina, o Brasil e o Uruguai, careciam em 1945 de projectos de industrialização, sendo a única excepçäo os sectores extractivos. De resto eram economias maioritariamente rurais e sociedades regidas por oligarquias de latifúndios ou regimes militares (América Latina), monarquias sob protectorado (Oriente islâmico, China, etc.,) ou coloniais (África, India e Sudeste asiático).

         Para industrializar havia que construir um mercado interno protegido da concorrência. Para isso existiam os recursos naturais, explorados ou por explorar, que deviam permitir a produção de energia, aço, ferro, materiais de construção, produtos químicos e farmacêuticos e outros. Existia um mercado interno que importava produtos manufacturados de consumo corrente. Até aí tudo muito bem. Só que as necessidades de capital que os planos de modernização implicavam só poderiam ser cobertas com as exportações e nenhuma das estratégias africanas (excepto a África do Sul) levou em conta esse factor. Nenhuma delas teve o objectivo de penetrar nos mercados mundiais para obter as vantagens comparativas. A prioridade foi o mercado interno e as exportações constituíam um meio de financiar as importações. Como resultante nunca se obteve a acumulação necessária (que em muitos casos só seria possível em áreas economicamente integradas, inter-estados) aos projectos de modernização e os que foram conseguidos (geralmente com recursos financeiros provenientes dos países do bloco soviético ou da China Popular) revelaram-se irrealistas, ou foram mal utilizados, pois no final as políticas de desenvolvimento acabavam por não ser politicas integradas não se fazendo sentir os seus benefícios na componente social.

         Quando se iniciou o processo das independências africanas, a burguesia africana ou não existia, ou estava em fase embrionária e ao fim de todos estes anos ela é incipiente. Os projectos de desenvolvimento constituíram a força motriz que direccionava os jovens estados independentes. Na ausência de burguesia, os estados africanos apostavam em processos de modernização que reproduziam, no entanto, as relações sociais e de produção do capitalismo: regime salarial, gestão empresarial, modelos de educação que perpetuavam as relações hierárquicas, conceito de cidadania nacional e de estado-nação e democracia politica. Todos os países da região optaram pelas fórmulas de líder fundador da pátria, partido único em função da características nacionais específicas ou para evitar a fragmentação do estado, farsas eleitorais ou sistemas eleitorais fechados, etc. Simultaneamente a ausência de burguesia criava um processo automatizado de substituição, assumindo o estado o papel da burguesia, gerando assim uma elite com origem administrativa, ou na melhor das hipóteses, de tecnocratas formados nas ex-metrópoles coloniais, geralmente filhos dos funcionários administrativos e burocráticos.      

As consequências do colonialismo

         A divisão internacional de trabalho (DIT) que origina as desigualdades entre centros industrializados e periferias não industrializadas, ou menos industrializadas, remonta á revolução industrial no início do século XIX, na Europa. A DIT implica que as periferias participem no comércio mundial através dos seus recursos naturais e não da produtividade de trabalho. Foi uma regra que valeu tanto para África como para a Ásia e a zona periférica mais atrasada da América Latina, até ao final da II Guerra Mundial, sem diferenciação. É neste quadro que se desenrola a Conferencia de Berlim de 1885 e que imerge o pensamento geopolítico europeu. Conquistada África havia que valorizá-la. Que recursos dispõe o continente africano, como um todo e que recursos dispõem as suas diversas regiões? A lógica inerente á Conferencia de Berlim serviu para responder a esta questão.

         Tornam-se assim diferenciados os três modelos de colonização aplicados em África: a economia de trato, que insere o pequeno camponês no mercado mundial, reduzindo ao mínimo os custos de trabalho; a economia de reservas na Africa Meridional, organizada em torno da exploração mineira, utilizando uma mão-de-obra de baixo custa, de reserva, obtida a partir da migração forçada; e a economia de pilhagem praticada pelas empresas concessionárias que impunham um décimo dos produtos da colheita, nas zonas em que as condições sociais não permitiam a economia de trato e as condições naturais não permitiam a economia de reserva.

         Os resultados deste modo de inserção no mercado mundial revelaram-se calamitosos para o continente africano. A política de valorização colonial é a responsável pelas debilidades actuais. Atrasou em mais de cem anos a revolução agrícola, pois o baixo custo de trabalho, que se reproduzia na auto-suficiencia da agricultura tradicional africana) e a riqueza produtiva dos solos agrícolas permitia a obtenção de grandes lucros sem implicar grandes investimentos em máquinas, equipamentos e fertilizantes. Por outro lado a forma como foi realizada a valorização dos recursos naturais inibiu a formação da burguesia local e do seu desenvolvimento (só recentemente assistimos ao reforço desta burguesia, produto necessário da geopolítica neocolonial).

         As debilidades do movimento de libertação nacional em África e a dos estados africanos remontam a este período da valorização colonialista. As críticas á África independente, às suas elites corruptas, às dificuldades económicas do continente, ao seu atraso e a outros factores que tornaram-se temas rentáveis aos que os exploram, são completamente vazios de sentido se não levarem em conta que estas características foram forjadas no período consequente á Conferencia de Berlim até á década de 60 do passado século.

A pressão neocolonial e a predisposição das elites africanas

         Não é pois nenhum fenómeno estranho a perpetuação do neocolonialismo até aos dias de hoje, que confinam as vésperas de uma nova Conferencia de Berlim em preparação pelos blocos neocolonialista e seus conglomerados de agentes locais. As debilidades das elites africanas são as debilidades próprias do capitalismo periférico. A África subsariana está vinculada directamente á UE e aos USA por uma série de acordos delineados pelos Acordos de Lomé, que perpetuaram a DIT em África.

         É claro que o comportamento das classes dirigentes africanas, subordinadas às estratégias neocolonialistas, são a causa último do fracasso das políticas de desenvolvimento. A geopolítica neocolonial de 1945 a 1990 desenvolve-se no sentido do estabelecimentos de agenciamentos, com o fim estratégico de controlar o Heartland, estabelecendo os espaços de influencia necessários ao estabelecimento de meios logísticos regulares ao rimland e ao Novo Mundo, como também assegurando a eventualidade da implosão do Heartland (como de facto aconteceu) reformulando a geoestratégia e a subsequente redefinição de fronteiras e penetração económica.

         No horizonte perfila-se uma nova etapa de polarização capitalista global. É uma época caracterizada pela deslocação do centro, em que a potência imperialista dominante, USA, perde gradualmente o controlo da situação, enquanto as velhas potências coloniais mergulham numa prolongada crise económica e social em virtude das necessidades dos novos índices de produtividade provocados pela revolução científica e tecnológica e consequente necessidade de dispensa do factor trabalho. Enquanto estas questões não forem resolvidas (sendo a deslocação do centro financeiro dependente da resolução das novas fontes de reprodução de capital) o continente africano vai ser vítima dos novos jogos das indefinidas elites metropolitanas.

         Desinvestimento, regressão industrial e ausência de condições para a revolução agrícola, vão marcar o próximo período. A erosão das conquistas das independências nos sectores da educação (já visível na estagnação do sector publico e assalto dos capitais privados ao sector de educação, criando uma nova camada de papagaio bem falantes e técnicos mentecaptos, ao invés do reforço da inovadora e eloquente intelectualidade africana), inexistência dos sectores públicos de saúde, entrega completa á rapina das parcerias público/privadas (em que o sector publico nacional financia o sector privado) a ausência de políticas sociais de habitação e de políticas urbanistas sustentáveis, preteridas pela rapina dos selvagens e ambiciosos interesses privados imobiliários, será uma lista extensa de sofrimento para os povos africanos.

         Os processos de ajustamento em curso, no continente, são para inglês ver. Por muito que os governos africanos brandam bem alto as taxas de crescimento económico e as benesses do renascimento africano, tudo isso são virtualizações que desmoronam-se com as simples brisas. Tal como são ilusórios os equilíbrios preconizados das finanças públicas e balança externa. Todo este processo cria condições desfavoráveis às apropriadas respostas populares, alimentando explosões incontroláveis que atomizam os países, dividindo-os em regiões étnicas e á perda de legitimidade das instituições. E esta é já uma tragédia presente, em alguns casos com mais de uma década.

         No próximo artigo iremos analisar as particularidades da Africa Ocidental e a importância desta para os interesses neocoloniais e como estes a estabelecem na geopolítica neocolonial.
          
Fontes

Samir Amin; Os desafios da mundialização; Edições Dinossauro, 2000
Samir Amin; Trois experiences de developpement en Afrique; PUF, 1965
Samir Amin; Le devellopement du capitalisme en Côte d’Ivoire; ed Minuit, 1967
Yves Benot; Ideologies des Independances africaines; Maspero, 1969
Helge Bergesen e Torleif Haugland; The Puzzle of Petro-States: A comparative study of Azerbaijan and Angola; Fridtjof Nansen Institut, 2000
Christian Dietrich; Have African based diamond monopolies been effective? ; Central Africa Minerals and Arms Research Bulletin, June 2001
Terry Lynn Karl; The paradox of plenty: Oil booms and Petro-States; University of California Press, 1997
Amilcar Cabral; Le pouvoir des armes; Maspero, 1970

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