sexta-feira, 18 de maio de 2012

POBREZA ESTRUTURAL




Fernanda Câncio – Diário de Notícias, opinião

Dia sim dia sim, ouvimos um membro do Governo perorar sobre as reformas estruturais que o mesmo estará a levar a cabo. Já era talvez altura, uma vez que estamos quase a celebrar-lhe o primeiro aniversário, de tentar perceber de que fala o Executivo quando fala de reformas estruturais.

Comecemos pelo princípio: o Governo encolhido. Era o mais pequeno de sempre, não era? Era. Também é o primeiro de sempre a ter ministros "à solta" para tomar conta de dossiês tão fundamentais e delicados como o das privatizações, ministros cujo salário ninguém conhece e que podem até, com a bênção do PM, integrar conselhos de administração de empresas privadas, eximindo-se a todas as incompatibilidades, obrigações de transparência e de sindicância que se exigem a membros formais do Governo. Inovador, sem dúvida. Talvez a palavra mais adequada seja escandaloso, porém.

Depois, a famosa lei do arrendamento, que vinha de uma vez por todas acabar com o estrangulamento do mercado de aluguer, facilitando os despejos por incumprimento e atualizando rendas antigas. Passados meses sobre a apresentação da dita, continua sem se perceber em que é que altera o existente. Qualquer situação em que não haja acordo entre proprietário e inquilino vai para os tribunais, como antes; e aparentemente os aumentos das rendas, além de limitados pelos proventos dos inquilinos e respetiva idade, só podem ocorrer ao fim de um período alargado. Ou seja: como antes, o Estado continua a impor aos senhorios com alugueres anteriores a 1990 regras que são na prática uma expropriação soft e os obrigam a fazer de segurança social. Onde está a reforma?

O licenciamento zero, então. Do qual o ministro Álvaro adora falar. Incrível, então não é que é uma medida do Governo que tanto execra? A lei que o criou é de abril de 2011. Mas espera, temos a grande reforma na educação: acabar com a avaliação dos professores, essa medida tão socialista, de "Estado gordo" (liberal é não avaliar, claro) e reintroduzir os saudosos exames de 4.ª classe, com os quais todo o mundo civilizado acabou. E desmantelar o programa Novas Oportunidades (NO) antes mesmo de estar pronta a avaliação que deveria concluir se presta ou não, enquanto, à cautela, se retira o País do estudo da OCDE que avalia a aquisição de competências por adultos (estranho, não é? Se afinal se tem a certeza de que o NO não serviu para nada, deveria haver todo o interesse em deixar a OCDE concluir isso mesmo. A não ser que...).

Empobrecimento. Ora bem: aqui temos a grande reforma estrutural, a da redução dos salários, do consumo e do ânimo. Conseguimos já uma belíssima recessão e um fabuloso nível de desemprego, que, aliados à sempre crescentemente admirável (Passos, por lapso, chamou-lhe insuportável) carga fiscal, constituem a soberba obra deste Executivo. Tão soberba que só a modéstia pode explicar que PSD e CDS não tenham baseado a campanha na promessa dela.

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