Venício Lima - da Inglaterra – Correio do Brasil
Ao contrário da Inglaterra, onde a denúncia sobre o News of the World se tornou pública pela ação de um veículo da grande mídia (The Guardian), aqui a primeira reação – salvo uma rede de TV (Record) e uma revista semanal (Carta Capital) – foi ignorar o envolvimento da mídia no escândalo Carlinhos Cachoeira.
A Inglaterra do século 17 constitui a referência moderna obrigatória para o entendimento da liberdade de expressão republicana centrada na vita activa e no autogoverno. A terra de John Milton e Tom Paine tem sido um dos palcos fundamentais do debate entre republicanos e liberais em torno da ideia de liberdade, ao mesmo tempo em que lá se constituíram modelos importantes de prestação do serviço público de radiodifusão (BBC), de regulamentação (OfCom) e de autorregulamentação (PCC) das atividades da mídia.
Por tudo isso, as revelações tornadas públicas originalmente pelo tradicional The Guardian, no início de 2011, de práticas “jornalísticas” criminosas desenvolvidas rotineiramente pelo tabloide News of the World, do grupo News Corporation, desencadearam reações imediatas por parte do governo britânico, de instituições privadas e de cidadãos.
Uma investigação já foi concluída na Comissão de Cultura, Mídia e Esporte da Câmara dos Comuns e seu relatório divulgado no último dia 30 de abril; pelo menos outras três ainda estão em andamento no âmbito da polícia (Weeting, Eldeven e Tutela); várias ações civis impetradas por cidadãos que se consideram vítimas de invasão de privacidade também estão tramitando. E o inquérito mais importante de todos, mandado instalar pelo primeiro-ministro com o objetivo de esclarecer “o papel da mídia e da polícia no escândalo de escutas telefônicas ilegais” (Inquérito Levison), em julho de 2011, prossegue interrogando, entre outros, jornalistas e empresários.
Uma das consequências mais concretas das denúncias até agora foi o anúncio da agência autorreguladora (PCC), em fevereiro passado, de que estava sendo descontinuada para dar lugar a outra, com poderes de interferência mais eficazes.
E no Brasil?
Nas últimas semanas os brasileiros estão tomando conhecimento de atividades criminosas entre grupos empresariais privados, políticos profissionais no exercício do mandato, setores da polícia e do Judiciário, além da aparente cumplicidade de importantes órgãos da mídia tradicional. A se confirmar, estaríamos diante de um gravíssimo desvirtuamento profissional e ético do papel da imprensa, colocada a serviço de interesses políticos e empresarias privados e criminosos.
Escutas telefônicas apontam para uma relação que vai muito além daquela admissível entre o jornalista e sua fonte. Há indícios não só de um comando da fonte criminosa sobre a pauta jornalística, mas, sobretudo, de uma cumplicidade em relação a objetivos empresariais e políticos.
Lá e cá
Ao contrário da Inglaterra, onde a denúncia sobre o News of the World se tornou pública pela ação de um veículo da grande mídia (The Guardian), aqui a primeira reação – salvo uma rede de TV (Record) e uma revista semanal (Carta Capital) de menor circulação – foi ignorar o envolvimento da mídia no escândalo. Num segundo momento, a solidariedade explícita e ameaçadora dos principais grupos privados de mídia com o grupo sob suspeita.
Uma CPMI foi instalada no Congresso Nacional, mas até agora não há indicação clara sobre a disposição de investigar o envolvimento de grupos de mídia com as ações criminosas.
No Brasil não há órgão de regulação ou de autorregulação da mídia, portanto, ações específicas nessas áreas não existem nem existirão.
Já o governo brasileiro tem revelado total inapetência para assumir o papel de protagonista em relação à regulação democrática do setor de mídia. Nem mesmo os princípios e normas da Constituição de 1988 foram regulamentados, e portanto, na sua maioria, não são cumpridos. Há décadas se anuncia um projeto de marco regulatório para o setor de comunicações que, até agora, não se materializou.
Ao contrário da Inglaterra, no Brasil não há compromisso histórico com a liberdade de expressão. Nosso liberalismo nunca foi democrático e prevalece uma interdição branca até mesmo do debate público das questões ligadas à regulação do setor de mídia. Recentemente, a bandeira da liberdade de expressão foi indevidamente apropriada pelos mesmos grupos que apoiaram o golpe de 1964, responsável pela censura oficial que vitimou, inclusive, seus próprios apoiadores por mais de duas décadas.
Aparentemente, todavia, temos algo em comum com a Inglaterra: graves desvios no comportamento de jornalistas e de seus patrões. Mas ainda não temos no Brasil nem os instrumentos institucionais, nem a vontade e a força políticas para enfrentar o poder desmesurado da grande mídia.
* Venício Lima é professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011.
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2 comentários:
A Agência Brasil, do governo federal, publicou uma reportagem, assinada por Luciana Lima, com uma baita informação errada relacionada à revista VEJA. Escreve Luciana:
“Brasília - O requerimento para resgatar informações prestadas pelo jornalista Policarpo Júnior, diretor da sucursal da revista Veja, em Brasília, à Comissão Parlamentar (CPI) dos Bingos, em 2006, causou discussão entre os parlamentares da CPMI do Cachoeira. O requerimento foi apresentado pelo senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL)…”
Policarpo Júnior nunca depôs na CPI dos Bingos!!! Essa é uma das mentiras que o JEG espalha por aí. Conforme demonstro no post abaixo, ele foi convidado a falar na Comissão de Ética da Câmara em fevereiro de 2005. Não estou aqui a inferir que a Agência Brasil e Luciana agiram de má fé. Até acho que não! Talvez tenham se contaminado, sem querer, por uma súcia criminosa, disfarçada de jornalismo, que sai por aí afirmando o que lhe dá na telha. Collor jamais poderia, pois, ter requisitado o que nunca existiu. No post das 16h37, digo qual é o conteúdo do requerimento do senador e o que pretendia com aquilo.
Experiência positiva
Tenho uma experiência positiva com a Agência Brasil, comandada por Nelson Breve, no que diz a reconhecimento de erro. E fevereiro, a empresa reconheceu que errou ao dar curso, sem a devida apuração, a uma informação falsa sobre os mortos, que nunca existiram, na desocupação da área conhecida como Pinheirinho, no interior de São Paulo. Apontei o problema aqui, e se fez o certo. Só que demorou um pouco: o erro foi cometido no dia 23 de janeiro e só foi corrigido no dia 6 de fevereiro.
Espero que, desta vez, a correção seja mais rápida. E que fique o alerta, de braços dados com Santo Agostinho, que deveria valer para o governo como um todo — ou para todos os governos:
“Prefiro os que me criticam porque me corrigem aos que me adulam porque me corrompem”.
O JEG não pode ser fonte da Agência Brasil. A Agência Brasil é que tem de ser um exemplo de correção, deixando a mentira e a fofoca para os que são pagos para mentir e fofocar. Prezo o seu papel institucional. Ela não pode ser vir ao governo ou a partidos. Tem de servir ao Brasil. Se e quando a correção for feita, noticio aqui.
Por Reinaldo Azevedo
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