segunda-feira, 25 de junho de 2012

Deterioração de relações turco-sírias representa perigo para região



Deutsche Welle

O atual clima político entre Ancara e Damasco é tenso. Abate do avião de caça turco – supostamente em espaço aéreo sírio – constitui novo golpe para as relações bilaterais, apesar do longo histórico de proximidade.

No início de 2011, o primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdoğan, ainda falava na "fraternidade turco-síria", mas esses tempos se foram. Há mais de um ano, grupos do governo e da oposição lutam na Síria. Ancara quis mediar o conflito, mas foi ignorada por Damasco. A seguir, ambos os países retiraram suas respectivas representações diplomáticas.

Durante muito tempo, porém, os destinos dessas duas nações estiveram intimamente ligados. A Síria foi parte do Império Otomano durante séculos. Os turcos dominavam toda a região, inclusive partes do Norte da África. Na Primeira Guerra Mundial, o império se esfacelou, e os árabes na Síria não estavam mais submetidos ao domínio turco.

Fo ponto de vista histórico, há, portanto, diversas conexões, aponta o especialista em Oriente Médio Peter Philipp. Contudo, ele não vê aí uma influência duradoura. "Não acredito que a política quotidiana hoje seja influenciada por esse passado", diz.

Tensão e distensão

Desde então, as tensões entre os dois vizinhos têm se manifestado de forma intermitente. Durante a Guerra Fria, a Turquia estava associada à facção das potências ocidentais. A Síria, por sua vez, mantinha boas relações com a União Soviética. Até hoje, a única base da Marinha russa no Mar Mediterrâneo se localiza no porto da cidade síria de Tartus.

A década de 1990 foi marcada por um incidente de cunho político: a Síria concedeu asilo político a Abdullah Öcalan, líder do Partido Trabalhista do Curdistão (PKK). Ancara ameaçou com guerra. Por fim, Öcalan teve que abandonar o país hospedeiro, sendo preso na Turquia.

Depois disso, as relações bilaterais melhoraram. A fronteira foi aberta, foram suspensas as exigências mútuas para concessão de vistos, e as restrições comerciais na fronteira comum, totalmente abolidas.

Interesses econômicos

Naturalmente, a Turquia – que registrou um desenvolvimento econômico significativo nas últimas décadas – tem grande interesse na ampliação de seus canais comerciais, comenta o especialista Philipp.

"A Turquia mantém contatos comerciais bastante estreitos com a maioria dos países do Oriente Médio. E a Síria, enquanto vizinha, também é um mercado interessante." Acima de tudo, a Síria serve como país de trânsito das mercadorias turcas para os demais locais no Oriente Médio.

Entretanto, apesar da melhoria de relações, algumas questões permaneceram em aberto. Há quase um século, os dois Estados disputam a província costeira de Hatey, concedida à Turquia após as turbulências da Primeira Guerra Mundial. Outra fonte de tensão são os curdos sem pátria, reprimidos tanto num país quanto no outro.

"Irmão" perdido

Diante de outros Estados da região, contudo, Ancara adotou durante longo tempo uma política fortemente norteada pela neutralidade e o diálogo – por exemplo, ao mediar o conflito entre Israel e a Síria.

"Durante muito tempo isso teve efeito positivo sobre as relações bilaterais entre Ancara e Damasco", resume Philipp. Já a política externa dos sírios era bem diferente, sempre marcada por muita reticência no tocante a grandes ações diplomáticas, explica o perito em assuntos do Oriente Médio.

A ruptura entre os dois Estados deu-se somente em 2011, quando o governo turco precisou decidir se seguiria apoiando o presidente Bashar al-Assad, seu "irmão" de longa data, ou se apoiaria a oposição, a qual o líder sírio mandava esmagar com violência.

A Turquia abandonou o curso de neutralidade e assumiu uma posição unívoca e, desde então, apoia o movimento de oposição ao regime. O país exige a renúncia de Assad, fornece às forças oposicionistas abrigo na região fronteiriça e aceitou mais de 30 mil refugiados sírios.

"Assim, hoje é impossível ver a Turquia como a amigável vizinha da Síria", comenta Philipp. Muito embora o atual cenário já viesse se anunciando de forma cada vez mais clara nos últimos anos.

Consequências imprevisíveis

Semih Idiz, analista de política externa do jornal liberal turco Milliyet, acredita que o posicionamento atual de Ancara difere do que era há apenas poucos anos. "Ao tomar partido em graves conflitos na região, a Turquia perdeu seu papel anterior." E suas relações com Israel, Irã e Iraque também pioraram, observou Idiz em entrevista à Deutsche Welle.

Na última sexta-feira (22/06), foi abatido diante da costa síria um avião de caça F-4 Phantom, da Aeronáutica turca, que caiu no mar. Não há qualquer pista do piloto. Damasco assegura "não ter se tratado de uma ofensiva", e que não há qualquer hostilidade em relação à Turquia. Até o momento, a reação de Ancara tem sido de reserva.

O especialista em Oriente Médio Philipp considera antes improvável que o país venha a atacar a Síria por meios militares. Nem mesmo em nome da defesa própria os turcos desejariam se envolver ainda mais nesse conflito. A fronteira turco-síria tem 900 quilômetros de extensão, e uma guerra poderia desestabilizar amplas regiões da Turquia, avalia Philipp.

Entretanto não é impossível um país como a Turquia ser arrastado para uma confrontação, mesmo sem desejá-la, ressalva. Ambos os governos possuem tropas poderosas; Ancara é membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan); e a Síria tem um pacto de assistência mútua com o Iraque. Portanto, um incidente envolvendo lealdades e alianças poderia trazer consequências imprevisíveis para ambos os países.

Autoria: Klaus Jansen (av) - Revisão: Luisa Frey

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