segunda-feira, 4 de junho de 2012

O ARCEBISPO ENGASGOU-SE




Paulo Ferreira – Jornal de Notícias, opinião

O arcebispo de Braga D. Jorge Ortiga confessou que quase se engasgou quando, anteontem, na mesma altura em que misturava um copo de leite com um troço de pão durante o pequeno-almoço, soube pelos jornais que o antigo presidente do BCP Jardim Gonçalves recebe uma reforma mensal de 175 mil euros. Há de ter dito: cruzes-credo!

A confissão foi feita durante a inauguração de uma creche. Não fosse o diabo tecê-las, Marco António Costa, secretário de Estado da Segurança Social, apressou-se a lembrar aos presentes que a verba "não é paga pelo Estado, mas por um banco". Mesmo assim, D. Jorge Ortiga não deixa de se espantar com a choruda maquia, com certeza por ter presente que o salário mínimo em Portugal é de 485 euros.

O arcebispo de Braga vai ter de optar: ou lê os jornais depois do pequeno-almoço, ou corre sérios riscos de se engasgar todos os dias, coisa pouco recomendável para a saúde de D. Jorge Ortiga. Por exemplo: quando os jornais nos dizem que a presidente do FMI, Christine Lagarde, ganha 380 mil euros e respetivas alcavalas e não paga um cêntimo de impostos (cruzes-credo!), ficamos engasgados. Por exemplo: quando o Tribunal de Contas conclui que a colocação de portagens nas ex-Scut foi mais benéfica para as concessionárias do que para o Estado (cruzes-credo!), ficamos engasgadíssimos.

Se leu ontem os jornais ao pequeno-almoço, D. Jorge Ortiga ter-se-á certamente engasgado novamente, ao verificar que o teimoso ministro das Finanças reconheceu que o desemprego em Portugal chegará, no próximo ano, aos 16% (mais de um terço afeta os jovens), cruzes-credo! Pior do que isso: a principal chaga social do nosso país tem raízes cada vez mais profundas, na exata medida em que o chamado desemprego estrutural mais do que duplicou nas últimas duas décadas. Com isto é que temos todos de ficar engasgados. Muito engasgados.

O que é isto do desemprego estrutural? É uma espécie de cancro que apenas se combate com terapêutica da dura. E, mesmo assim, nada garante que o bicho morra de vez. Quer dizer: mesmo que a economia cresça a bom ritmo, mesmo que a economia esteja no seu máximo potencial de crescimento, não terá capacidade para absorver este tipo de desemprego. Reformas estruturais profundas no mercado laboral podem ajudar a diminuir esta tragédia.

Sobra uma questão: como chegamos aqui? Durante anos e anos, não andámos a gastar milhares de milhões de euros em formação profissional, programas sociais de desenvolvimento, ações e mais ações de fomento ao emprego? O resultado da incompetência, da falta de estratégia na aplicação dos fundos comunitários, na escolha dos setores a apoiar, do protecionismo, do corporativismo e do medo em mexer nos sacrossantos direitos adquiridos (cruzes-credo!) deu nisto. Não se sentem engasgados como D. Jorge Ortiga?


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