segunda-feira, 4 de junho de 2012

Relvasgate: CAVACO SILVA FICA CALADO PERANTE O ESCÂNDALO




João Lemos Esteves – Expresso, opinião, em Blogues

1. Não se trata de embirração ou má fé: trata-se apenas de uma constatação. Cavaco Silva, mais uma vez, anda desaparecido quando o país discute uma matéria de extrema sensibilidade como é o caso do Relvasgate. O episódio das escutas mancha a democracia portuguesa: é uma vergonha a todos os títulos, a todos os níveis, sob todos os prismas de análise. Impõe uma actuação veemente, acutilante e decisiva dos órgãos de soberania na defesa da constitucionalidade e da moralidade da República Portuguesa. Passos Coelho, chefe do Governo, já sabemos que se revelou um medricas em toda a linha, preferindo o caminho mais fácil de se colocar ao lado do seu amigo Miguel Relvas, mesmo sabendo das tropelias gritantes que cometeu. São opções: Passos Coelho sabe perfeitamente - como homem razoável e inteligente que deve ser - que Miguel Relvas será sempre um cadáver ambulante no Governo. Sabe que Miguel Relvas é capaz de tudo - e tudo lhe é permitido pelos seus pares políticos. Até brincar com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos apenas para aumentar a sua força negocial política e a pressão que exerce sobre os jornalistas - no fundo, em linguagem corrente, para chantagear adversários políticos e ameaçar jornalistas.

2. Mas se Passos Coelho optou por ser medricas face a Miguel Relvas e à Ongoing, Cavaco Silva deveria ter tido uma palavra muito crítica, censória, sobre a actuação do Ministro-adjunto e dos Assuntos Parlamentares. É que Cavaco Silva jurou defender a Constituição da República Portuguesa, o que inclui - em grande linha - os direitos e as liberdades dos portugueses. Contra tudo e contra todos: mesmo contra camaradas de partido que insistem em encarar o Estado como uma "quinta privada" da qual podem dispor livremente. Impunemente. Cavaco Silva deveria ter apelado à reposição do bom senso e das práticas leais e correctas dos titulares de órgãos de soberania - especialmente do Governo - em tempos muito conturbados e complexos para Portugal. Cavaco Silva, na sua qualidade de mais alto magistrado da Nação, deveria ter-se revelado solidário e pedir desculpa, em nome de Portugal, aos que viram a sua vida privada devassada por figuras sinistras e insignificantes como Jorge Silva Carvalho e Miguel Relvas. Pois...porém, Cavaco Silva remeteu-se ao silêncio. Mais uma vez.

3. Dir-se-á que Cavaco Silva não se intromete em matérias que tenham que ver com escutas ilegais a cidadãos portugueses. Ora, é precisamente o contrário: Cavaco Silva é especialista na matéria. Recorde-se que foi Cavaco Silva que inventou a história das escutas a Belém, em que, supostamente, um assessor de José Sócrates (Rui Paulo Figueiredo) era um enorme coscuvilheiro que ouvia discretamente as conversas de Cavaco e outras figuras políticas. Era, no fundo, o espião secreto de Sócrates. Na altura, muitos do PSD ficaram indignados: um tipo que ouve conversas em cerimónias e jantares oficiais do Estado! Ui! Que tragédia! É o fim de Portugal! Agora, perante o escândalo de escutas, com recolha e armazenamento ilegal de dados pessoais de cidadãos portugueses, Cavaco Silva considera que é uma questão menor, que não merece o seu reparo público. O PSD, afinal, já não é tão sensível a escutas ilegais: comunica aos portugueses que se "considera tranquila" e apoia o Ministro. É até penoso ver uma pessoa inteligente e sensata como Jorge Moreira da Silva a prestar-se a esta papel lastimoso de defender o indefensável (Miguel Relvas) ...

4. Referi, há pouco, que o escândalo que envolve Miguel Relvas merecia um reparo de Cavaco. Devo confessar que julgo que um simples reparo não é suficiente. Miguel Relvas, ao brincar com dados pessoais dos portugueses, perdeu toda a sua (já pouca) credibilidade. Relvas violou princípios estruturantes da República Portuguesa: um Presidente da República forte teria de se impor face ao Primeiro-Ministro e exigir a demissão, rápida, de Miguel Relvas. Olhar para Miguel Relvas é olhar diariamente para os falhanços e os vícios da democracia portuguesa.

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