Baptista-Bastos – Diário de Notícias, opinião
E de repente, este vazio cheio de vozes inúteis. "Apetece cantar e ninguém canta / Apetece gritar e ninguém grita..." Escreveu Miguel Torga. O desespero era semelhante ao de agora porque a mão do medo entravava a condição de todos. Os acasos da fortuna, os equívocos da época e as ambiguidades de carácter de muitos homens embrulharam-nos neste sudário. Repete-se a história dos lutos portugueses. Os espanhóis Unamuno e Ortega falaram do nosso infortúnio. O primeiro com terna simpatia; o segundo com displicente desprezo. Unamuno tentou compreender-nos. Ortega observou-nos com azeda desconsideração.
Olhamos em volta. Talvez mereçamos ambas as perspectivas. A qualidade da existência colectiva, acaso possa medir-se nessa dualidade. Elegemos quem nos faz mal por excesso de incoerência e vocação para o infausto. A História está repleta desse mal-entendido vital. Mas poucas vezes, como agora, estivemos no interior do círculo concêntrico da angústia sem saída.
O projecto de empobrecimento de Pedro Passos Coelho enfraqueceu, sobretudo, a nossa alma. Mas a diminuição projectada para os outros diminuiu quem a executou. Ou, melhor: quem a executou está desprovido da grandeza exigida aos que dirigem e decidem. Observemos os rostos desta gente: reflectem a génese dos que não possuem força natural, e mais não são do que expressões servis e inconsistentes. Gil Vicente narrou-os e ao espírito que os anima, antes de qualquer outro. Camilo e Eça remataram o retrato. São filhos, netos e bisnetos dos que se julgam sacramentados pelo direito divino, e não têm de dar satisfações pelos seus actos. Quando alguém se ergue, através do trabalho, do talento e da vontade, para tentar modificar as coisas, logo ressuscitam os velhos e malditos poderes. "O país é pequeno, e não maior a gente que o habita." A frase é atribuída a Herculano, que desistiu com um parágrafo terrível: "Isto dá vontade de morrer!"
As balbúrdias morais que por aí se cometem e circulam têm servido de pretexto ao anedotário. Mas o assunto não dá para rir. Ele revela o estado de irresponsabilidade doentia a que Portugal chegou. E não creio que consigamos sanar a endemia com facilidade. O mal propagou-se, e os que ficam ao lado desta miséria, sem querer salpicar-se, por inércia ou receosa precaução, demitem-se do civismo que constrói a cidadania. Sei muito bem que estes princípios e padrões de comportamento são tidos como anacronismos. E talvez nem todos sejamos virgens impolutas. Porém, não esqueçamos de que a enxurrada arrasta tudo e todos.
Ao deixar de ouvir as nossas sociedades civis, o Governo sobreviverá até que o PS encontre uma alternativa (António José Seguro, averiguadamente, não o é) e redescubra a sua natureza ideológica. E cuja matriz toda a gente, na realidade, ignora. Entretanto, a pátria está de mão estendida.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
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