sábado, 7 de julho de 2012

Timor-Leste 10 anos depois – DEITAR CONTAS À VIDA




Ana Loro Metan – Timor Lorosae Nação semanário, em 21.07.10

Introdução

O patamar de liberdade, justiça e democracia - paz, pão, educação, saúde, habitação - que já deviamos ter atingido está muito aquém das nossas perspectivas e dos povos do mundo que nos têm apoiado. Timor-Leste está a ser ocupado por novo tipo de invasores, os supostos cooperantes-vampirescos da ONU e uma "raça superior" da elite que nos está a expropriar em seu benefício e que é dominada pelos políticos que são e têm sido detentores do poder, consentidos por uma pseudo oposição que mais não tem feito que estar anémica no essencial e mostrar-se combativa no supérfluo. Temente a quem e porquê?

1999 – LONGO CAMINHO A PERCORRER

Expressámos o ditame da nossa sentença sobre a criminosa invasão e ocupação fascista do regime de Suharto em 1999 quando fomos chamados a pronunciar-nos sobre se queríamos continuar sob o jugo assassino indonésio.

O referendo patrocinado pela ONU não respeitou o princípio dos Direitos Humanos que deixa evidente que nunca se pergunta a um escravo ou a um povo de um país invadido e que viu quase um terço dos seus cidadãos assassinados pelos militares indonésios, se quer ser libertado. Tivemos por isso de sujeitarmo-nos a um referendo que não devia ter tido lugar, tivemos posteriormente de ser durante mais uns tempos considerados ainda uma província ultramarina administrada por Portugal e depois pela ONU, quando nada disso devia de ter acontecido.

Timor-Leste declarou a independência em 1975. Foi unilateralmente, muito bem. Então em 1999 o que havia a fazer seria Portugal reconhecer essa independência, outros países também assim como a ONU. Mas não, tivemos de suportar os métodos dos burocratas, dos ditadores de regras segundo suas conveniências e vantagens, com vista a fazerem-se necessários e assim garantirem a extorsão de quantias que passam a engordar as suas contas bancárias. Isso é o que se vê acontecer (ainda?) em Timor-Leste e noutros países onde a corja dos abençoados da ONU e do Banco Mundial, de outras organizações parasitárias encostadas à ONU, sempre que intervêm. São milhões e milhões esbanjados e sacados aos cidadãos do mundo sob o pretexto de bem-fazer e proteger. As fortunas realizadas jamais refletem o bem produzido e a panóplia dos Ónus e demais interligados que assumem contornos de novos invasores, de novos parasitas, de seres contaminados por um egoísmo e uma falsidade atroz, que mal disfarçam com as suas palavras e atitudes públicas hipócritas.

Mas, enfim, dez anos volvidos, podemos dizer que somos, em Timor-Leste, parcialmente independentes.

As palavras anteriores não significam ofensa para aqueles que tiverem a consciência tranquila, sabemos de alguns, por tal que se façam à vontade ofendidos os que da ONU nos têm complicado a vida. Nomeio dois dos principais responsáveis: Sukehiro Hasegawa e Atul Kahre. Todos os outros são folclore, por entender que foram estes os que representavam os Secretários-Gerais da ONU, primeiro Kofi Hanan e depois, agora, Ban Ki-moon. Se eventualmente alegarem que simplesmente recebem ordens, como Hasegawa o fez, então devemos dizer que também Kofi teve bastantes responsabilidades nos erros cometidos por estes novos invasores de Timor-Leste. Erros que se irão reflectir por muitos anos, por gerações ou até para sempre. Porém a eles mal algum lhes acontece e se fossemos indagar das suas fortunas, realizadas à custa do mal dos outros, decerto que muitos de nós ficaríamos corados de indignação. Se tudo não é um negócio…

Passou 1999, ano de mais chacinas. Em 2000 começou de facto os tempos de reconstrução. Sérgio Vieira de Melo, homem honesto, demonstrou ser um bom amigo de Timor-Leste. Apesar de muitos dos parasitas que o rodeavam começámos a ver resultados de medidas por si dirigidas democraticamente e com sabedoria. Um homem honesto, rodeado de parasitas, de falsários, tem sempre de esperar ser aniquilado. Foi o que aconteceu a Sérgio pouco depois de ter chegado ao Iraque. Porquê ele? Por ser honesto e desviado da podridão que assola os burocratas e demais panóplia da ONU? Por não haver resposta cabal para as interrogações prevalecerá sempre a dúvida, a insatisfação e as suspeitas.

Em Timor-Leste, no período entre 2000 e 2002, prevaleceu o sentimento de que a impunidade dos crimes praticados em 1999 pelos assassinos indonésios e das milícias contratadas pelos generais era um facto e que jamais seriam chamados a responsabilidades de modo justo. Assim aconteceu. Pior ainda por percebermos a falta de vontade da ONU e dos políticos timorenses no sentido de que fosse feita justiça. Foi uma atitude relevante que voltaremos a abordar.

RECORDANDO

O patamar de liberdade, justiça e democracia - paz, pão, educação, saúde, habitação - que já devíamos ter atingido, está muito aquém das nossas perspectivas e dos povos do mundo que nos têm apoiado. Timor-Leste está a ser ocupado por um novo tipo de invasores, os supostos cooperantes-vampirescos da ONU e uma "raça superior" da elite que nos tem expropriado em seu benefício.

Um país que por ter ficado completamente destruído podia renascer das cinzas devidamente organizado e fortalecido prossegue ainda hoje ao sabor do improviso, da inépcia, do livre arbítrio, do roubo, do assassinato político puro e duro, do caos e da impunidade dos mentores e operadores dos crimes.

CAMINHAR EM PASSO DE CORRIDA OU DE CARACOL?

Em Fevereiro de 2000 relatórios da Administração Transitória das Nações Unidas referiam que quase 80 por cento dos timorenses tinham votado pela independência. Cerca de 750 mil pessoas, dos 880 mil recenseados pronunciaram-se pela expulsão dos ocupantes indonésios e por via da resposta evidente a um referendo que nem devia ter sido alguma vez considerado realizar os criminosos e assassinos militares indonésios fizeram despoletar os seus maus instintos e frustrações sobre pessoas e bens, assassinando e incinerando indiscriminadamente. Uma vez mais o exército e polícias indonésios optou pela destruição e pelo genocídio que havia começado haviam 24 anos, desta vez recrutando também milícias compostas por traidores timorenses que apesar de terem praticado crimes hediondos continuam em liberdade e vivendo impunes – até com o beneplácito de Gusmão, de Horta e de outros líderes.

Cerca de 800 mil pessoas, de quase um milhão, viram as suas casas queimadas e ficaram desalojadas por consequência disso. Díli e outras cidades e povoações de Timor ficaram completamente destruídas. Ainda hoje estão por julgar esses crimes. Bem como os crimes de chacinas em igrejas, em casas, pelas ruas – não esqueçamos que tal acontece pela inadmissível opinião e pressão continuada de Gusmão, Horta e outros líderes, principalmente esses.

Tomando por exemplo Díli, capital completamente destruída, seria natural esperar que a Administração Transitória das Nações Unidas se dignasse reconstruir a cidade (assim como as outras) com um plano director inteligente, adequado à modernidade e ao meio ambiente, com a harmonia que reflectisse uma arquitectura ordeira, respeitadora da sanidade, das energias alternativas de protecção ambientais, etc, etc. Nada disso fizeram. Os sábios da ONU, depois UNTAET, foram mal amanhando a cidade como uma manta de retalhos, sem organização e racionalismo, com uma arquitectura que encontramos em qualquer bairro de lata do mundo desenvolvido. Quero dizer que a ONU tratou-nos que nem animaizinhos e fez do provisório definitivo. Isso não invalidou que fossem gastos milhões e milhões de dólares. Afinal para ficarmos com uma cidade anárquica, insana, feia todos os dias, tendo por salvação as deslumbrantes paisagens naturais que pertencem a Díli e, de resto, a todo o nosso país.

A propósito, há muito que me pergunto quantos milhões, nessa época, foram dispendidos para a reconstrução de Timor-Leste, quantos milhões foram realmente gastos nessa reconstrução, quantos milhões foram “desviados” para contas bancárias de ladrões e oportunistas? Obviamente que fazer uma reconstrução provisória-definitiva e caótica serviu aqueles que tiveram por intenção e conseguiram “reduzir” os milhões destinados à reconstrução do país. Todos sabemos que é nesse tipo de caos (desorganização organizada) que se fazem grandes fortunas. Sempre assim foi e não vale a pena negá-lo. Aparecem sempre uns espertos que não são senão meros ladrões. Com e sem gravata, com e sem colarinhos brancos – mas colarinhos brancos demais.

ELEIÇÕES (2 em 1)

Evidentemente que apesar de flagrantes atropelos aos mais elementares direitos dos cidadãos do mundo, neste caso os timorenses, Timor-Leste foi vendo de dia para dia crescer a estabilidade e um mínimo de normalização das vidas dos seus cidadãos. Era impossível que assim não acontecesse, perante tantos milhões de dólares e bens materiais, matérias de construção a entrarem, tudo doado por países e povos solidários, algo de positivo devia de começar a ficar à vista, a par do caos bem organizado e permissivo de “cobranças indevidas”.

Foi então que em 2001 ocorreram as eleições para a elaboração da Constituição. Como era de esperar a FRETILIN venceu essas eleições por maioria, seguindo-se-lhe, com uma votação ínfima, o PD, Partido Democrático, e todos os outros partidos, imensos. Em Abril de 2002 seguiram-se as eleições presidênciais. Xanana Gusmão obteve uma votação de mais de 80 por cento, em Maio seguinte tomou posse, quando da declaração da entrada em vigor da Constituição da RDTL. Estranhamente, com o acordo da UNTAET, de todos os partidos políticos e de Xanana Gusmão, fizeram das eleições legislativas uma lacuna, considerando o automatismo do resultado das eleições de 2001 para a Assembleia Constituinte para prevalecer na Assembleia Legislativa, no Parlamento Nacional. Chamado o processo do 2 em 1. Um erro de todo o tamanho. Aparentemente confortável para a FRETILIN, com maioria no PN sem ter de se esforçar por isso. Aqui foi revelado um oportunismo bacoco que mais tarde veio a sair caríssimo à FRETILIN e, principalmente, aos timorenses.

Passados meses, a partir do inicio de 2003, foi sempre com base no pretexto de que a FRETILIN não era afinal um governo legitimo - por não terem sido realizadas as eleições parlamentares – que os partidos políticos opositores ao governo de Alkatiri deram inicio a tecer uma teia com vista ao seu derrube o mais prematuramente possível. Era então já líder desse movimento Xanana Gusmão, presidente da república, que denunciar-se-ia plenamente sobre as suas intenções e acções em 2005-2006, quando do golpe de estado e da mortandade e destruições que causou.

Sem masoquismos, mesmo que superfluamente, devemos aqui analisar este processo de 2 em 1 que a UNTAET impulsionou sob a batuta de Kofi Anan e, por consequência, de Sérgio Vieira de Melo – sabendo-se em bastidores que Sérgio era contra esse processo.

Já o mesmo não se deve dizer da FRETILIN que, então partido maioritário nas eleições constituintes, ignorou que até podia sair mais reforçada em eleições para o Parlamento Nacional mas preferiu cumprir o adágio que “vale mais um pássaro na mão do que dois a voar”, uma decisão e prática antidemocrática da autoria da ONU, não por acaso.

A decisão, se bem que aparentemente seja da responsabilidade dos dirigentes timorenses, foi a soma da vontade de interesses do empório petrolífero, de Howard e demais cabecilhas do império global. Era exactamente o processo 2 em 1 que viria a permitir um rápido descrédito e desgaste do governo da FRETILIN, somado à sua inexperiência e erros, preconizado para 2003-2004 mas que só foi conseguido em 2006.

Estupidamente, a FRETLIN caiu na armadilha e entregou-se incondicionalmente sem exigir clareza e o cumprimento de regras democráticas na sua eleição e posse legitima de governo. Estupidamente, não nos cansemos de dizê-lo e de apontar este péssimo exemplo de défice democrático, para que não se repita em circunstâncias algumas, seja em que país for. Alegar que a solução ou processo 2 em 1 foi democrática por ter cobrado a anuência de todos os partidos políticos timorenses é retórica que devemos considerar desculpa de mau pagador. Não passou de uma "confusão" bem engendrada que deixava (deixou) a porta aberta para derrubar um governo que na verdade não era de todo legítimo. Não possuía a legitimidade para o efeito de governar por não ter vencido eleições parlamentares.

Ainda antes de procurar abordar ligeiramente as acções governativas do elenco saído do imbróglio 2 em 1. Temos por obrigação de não esquecer a pressa de Howard, o seu governo, as petrolíferas e todos os interesses que cabem no mesmo saco, de derrubar o governo da FRETLIN e, se possível, erradicar esse “perigo” de Timor-Leste. "A FRETILIN jamais poderia vencer eleições". Era, e é, essa a palavra de ordem nos bastidores. Cumprida em 2006-2007, com o golpe de estado, destruição, assassínios, instabilidade, etc. Tudo devidamente orquestrado pela Austrália e pelos EUA, através de agentes seus disseminados em ONGs, na ONU (UNTAET-UNMIT) e mais uns quantos avulso. A cumplicidade de Xanana Gusmão, de Ramos Horta e dos bispos da igreja católica timorense fizeram tudo o resto. O mau resultado continua à vista. Que não se infira desta análise que o governo FRETILIN foi exemplar e perfeito. Nem por isso, muito longe disso. Mas o seu maior pecado foi a gula de uns quantos oportunistas em detrimento de outros. Em detrimento, por exemplo, de José Luís Guterres e seus apaniguados, que sob a orientação de Gusmão e de interesses estrangeiros preferiram não defender no interior da FRETILIN os seus pontos de vista, as suas opiniões, mas sim avançar com algo que está por enquanto hibernado e a que chamam Fretlin Renovação, Fretilin do Guterres, Fretilin do Xanana… Mais certeiro e verdadeiro será a definição Grupo de Vendidos.

Timor-Leste, mesmo assim, está a caminhar para vir a ser um país, compete a todos nós deixarmos bem evidenciado que tipo de país queremos. Se este, caótico e apossado por governantes que se governam, que distribuem a riqueza de modo ilegal pelos seus familiares e amigos, deixando alastrar as carências sociais e de tudo o mais que são os padecimentos nacionais; ou outro país, o país de um Estado de Direito, em que as regras constitucionais sejam cumpridas, em que os que roubam, assassinam e cometem crimes sejam julgados e condenados por juízes competentes e imparciais que não tenham a possibilidade de argumentarem estarem a ceder às ordens e pressões do poder político e assim julgarem que mascaram as suas enormes cobardias e incompetências.

Afinal o que queremos? Caminhar em passo de corrida ou de caracol? É que o balanço destes dez anos que decorreram é negativo se tomarmos em consideração o tempo já passado e já perdido. O que podíamos já ter conseguido e que não conseguimos. Nem conseguiremos se formos consentindo que verdadeiros ladrões nacionais e estrangeiros nos continuem a expropriar dos bens que nos pertencem. Um deles é a dignidade, e isso não podemos, nem devemos, consentir.

GOVERNO FRETILIN

Sendo verdade que o período de governação da FRETILIN até 2006 enfermou de incompetência em alguns sectores haverá sempre uma escapatória justificável para os que então governaram até 2006 – estavam limitados por tudo, financeiramente e porque havia protocolos a cumprir que representavam autênticos travões a uma governabilidade melhor. Não esqueçamos que foi um período novo, de aprendizagem para todos e também para os que estavam no governo, no parlamento, e até de muitos que integravam a UNTAET-ONU.

Nesse período também devem ser considerados como entraves de melhor e normal governabilidade a falta de solidariedade de Gusmão enquanto presidente da República e o seu propósito em derrubar o governo maioritário legalmente em exercício. Governo que aparentemente aceitou mas que combatia com severidade nos bastidores da política. Tanto assim foi que assistimos à instabilidade provocada através de agitação política por ele ordenada, flagrante a partir de 2005, que veio a culminar no golpe de estado em 2006.

Dito isto muito pouco podemos criticar o governo FRETILIN porque nunca dispôs de condições normais para governar. Nem a própria UNTAET, com Hasegawa no comando, se coibia de complicar a vida do governo de Mari Alkatiri. Agentes da CIA e do governo de Howard foram estrategicamente implantados em sectores da UNTAET, já se notava então que quem fosse solidário e eficiente na vigência do governo de Alkatiri seria marcado e não veria renovação do seu contrato. Casos houve em que ocorreram convites específicos para colherem e transmitirem informações a esses “chefes” que trabalhavam para as secretas. Houve quem se submetesse a tais circunstâncias e também os que simplesmente optaram por não verem os seus contratos renovados e terem de abandonar Timor apesar da mais valia dos seus desempenhos profissionais. Um período doentio que na actualidade permanece de modo mais esbatido. Talvez imperceptível para os desatentos. Assim foi no consulado de Atul Khare e continua agora com a senhora Amerah Hak.

O GOLPE DE ESTADO

Não podemos ignorar que durante as frequentes arremetidas para o derrube do governo legitimado pelo direito internacional, pela Constituição da RDTL e internacionalmente reconhecido, a igreja católica, os bispos e uma boa parte do clérigo timorenses, tiveram lugar de primeira fila nas responsabilidades dos acontecimentos, na violência, nas destruições, incêndios e assassinatos, criando a divisão loromono-lorosae. Os bispos timorenses ainda agora em exercício, a igreja católica timorense, ainda hoje continua a cobrar os “favores” feitos principalmente a Xanana Gusmão, a Ramos Horta e a todos que se lhes associaram e que hoje constituem o poder político e económico timorense. Tiveram um desempenho preponderante na instabilidade, destruição e mortes para o derrube do governo legitimo mas nem por isso demonstram que lhes pese a consciência.

Antes e durante o ano de 2006 prevaleceu a manipulação sórdida que não poupou vidas. Grupos agora chamados de artes marciais – autênticas milícias sempre que precisam de as usar – espalharam o terror e a devastação um pouco por todo o país mas principalmente na capital. Sintomático foi o facto de as vitimas terem sido maioritariamente Lorosae e alegadamente afetas à FRETILIN. Acções que se seguiram a um célebre discurso de Xanana Gusmão que acabou por despoletar uma violência orquestrada mas incontida. Daí resultaram mais de duzentos mil desalojados, dezenas de mortes, centenas de feridos e milhares de casas e edifícios estatais destruídos. Em Díli nem a segurança e vida de estrangeiros foi poupada. Foi o terror pelo poder. Às ordens de políticos sem escrúpulos, associados à cumplicidade da igreja católica timorense, saliente-se até à exaustão.

REINADO, DE HERÓI A REBELDE EXECUTADO

Igualmente manipulado e depois mais lúcido e arrependido esteve o major Alfredo Alves Reinado junto com militares que comandou e usou na desestabilização de 2006. Era então seu comandante o PR Xanana Gusmão, era a este que o major militar obedecia. Como ele dizia: “a mais ninguém devo obediência”. Até ao dia em que por ordem da Xanana Gusmão regressou a Díli e inesperadamente foi detido com seus homens por estarem a infringir as leis. Algo com que Gusmão não contava e de que teve de se distanciar, traindo Reinado.

Apercebendo-se traído o major passou de herói a rebelde num ápice. Temendo que ele fosse apresentado a tribunal em processo judicial e que acusasse o seu comandante de estratega do golpe de estado foi proporcionado ao major e aos que o acompanhavam a fuga da prisão de Becora em pleno dia, de portas abertas e com acenos de despedida a amigos que não quiseram fugir e aos guardas prisionais. Ameta, mulher próxima de Gusmão, militar das F-FDTL, aguardava em viatura junto à porta da prisão de Becora o major Reinado, transportando-o para o interior do país. Os militares que faziam a segurança ao exterior da prisão sob o comando australiano retiraram atempadamente para que os os detidos saíssem calmamente e praticamente em festa. Importa aqui realçar a cumplicidade sempre presente de agentes, comandante e militares australianos, às ordens de Howard, em conluio com o PR Gusmão, que acabaram por o conduzir, e aos de sua confiança ao panteão do poder governativo e de controlo do país.

Posteriormente, segundo afirma Alfredo Reinado em anotações do seu diário, “de dia para dia venho notando a mudança de comportamento do meu comandante (Gusmão) no apoio que nos prometeu mas que não tem vindo a cumprir”. Esta observação passou a ser ainda mais pertinente e decisiva do rumo dos acontecimentos quando às ordens de Xanana Gusmão, quase no final do seu mandato presidencial, militares australianos tentam eliminar Reinado e os que o acompanhavam em Same, cercando-os e atingindo mortalmente dois do grupo Reinado, agora rebelde. Por astúcia e com o apoio da população Alfredo Reinado e a maioria dos seus homens escaparam, refugiando-se noutro local do interior de Timor-Leste. A partir daí ficou claro para Alfredo Reinado que o objectivo de Gusmão era eliminá-lo para o silenciar e passou a agir em conformidade com as evidências, retirando-lhe a confiança. Atitude que viria a culminar com um célebre vídeo posto a circular e bastante divulgado na comunicação social por todo o mundo em que Reinado acusa Xanana Gusmão de ser o principal responsável pelo golpe de estado em 2006 e todos os incidentes correlativos. Nessa altura Gusmão perdeu a cabeça e chegou a ameaçar com prisão jornalistas que deram crédito às palavras do major rebelde e divulgaram o vídeo, em 2007. Então já era primeiro-ministro por obra e graça de conluio com Ramos Horta. Que em todo este processo não é inocente mas sim uma das principais peças do puzzle que levou à execução física, na sua casa de Metiaut, Díli, do major Alfredo Reinado e do seu companheiro de confiança Leopoldino Exposto, na manhã de 11 de Fevereiro de 2008. Tendo também sido o próprio Horta vítima de surpreendentes disparos que o atingiram com bastante gravidade, vindos de elementos que afinal se comportaram obedientes a mentores habituais de golpes de estado. Mas nem esse facto fez com que Ramos Horta abandonasse a sua cumplicidade com os que elegeu para aliados e logo que escapou com vida e regressou de demoradas intervenções cirúrgicas num hospital de Darwin retomou o curso das suas cumplicidades com o cada vez mais poderoso Xanana Gusmão.

OS ANOS DE TODAS AS CORRUPÇÕES

Se é verdade que o ano de 2008 foi o ano da eliminação física de adversários políticos, não menos verdade será afirmar que também foi o ano de virem a público ressacas de actos ilegais que indiciavam conluio, corrupção e nepotismo (KKN) nas entranhas do governo de Gusmão. Também o ano de 2009 foi profícuo em notícias da mesma índole. De todos os casos citados, denunciados, que envolvem ministros ou outros altos funcionários não temos ainda hoje conhecimento de algum que merecesse a devida atenção da emperrada máquina de justiça timorense. Aliás, a justiça timorense, o ministério público, a PGR, têm primado por premiar com impunidade os crimes (de facto) em que primeiro-ministro e presidente da república estão notoriamente envolvidos. Flagrante é o caso da libertação ilegal de Martenus Bere da prisão de Becora. Flagrante foi o facto das falsas declarações prestadas por Ramos Horta ao afirmar reconhecer o atirador que o atingira em 11 de Fevereiro de 2008 sem que tal fosse possível, como foi comprovado. Horta que no momento de ter de proceder ao reconhecimento do alegado atirador que estava preso na prisão de Bécora não compareceu fazendo-se substituir por um aldrabão a seu soldo e que era seu guarda-costas naquela fatídica manhã. Como o tribunal reconheceu, omitindo, Horta mentiu, fez declarações falsas e, comprovadamente, acusou um inocente por escabrosas e ocultas conveniências.

O julgamento do caso de 11 de Fevereiro de 2008, que decorreu por vários meses de 2009 no Tribunal Distrital de Díli foi aquilo que se esperava: uma farsa que mostrou a repugnante chusma de falsários que ocupam os órgãos do poder político timorense. De todo o processo a justiça, os juízes, o ministério público, saíram desmascarados e completamente desacreditados. Uma repetida oportunidade de mostrar quanto de nada têm valido os milhões em apoio do judiciário que a Austrália e Portugal, principalmente, têm dispendido para Timor-Leste. Justiça em Timor-Leste é palavra que significa impunidade para os que detêm os poderes, que só funciona (mal) para com os que não têm influências económicas, políticas, religiosas ou outras.

O corrente ano, 2010, não tem sido muito diferente do ano anterior. Gusmão considerou conveniente para si e para os interesses dos que defende viajar pelo país e fazer a sua propaganda acutilante sob os mais disparatados pretextos. Gusmão considerou então e ainda agora, também provavelmente no futuro, que deve estar quase sempre em campanha propagandística que lhe possibilite manter os timorenses no engano. Facto é que os timorenses nada ou quase nada têm beneficiado com as políticas levadas a cabo por este governo AMP que está em funções vai para três anos. As carências são inúmeras, a fome grassa pelo país, a miséria é abundante… Mas haverá talvez 10 por cento dos timorenses que têm beneficiado consideravelmente com este governo, principalmente em Díli. Outros 10 por cento que sobrevive das migalhas do governo e que se julgam abençoados. Ou seja, perto de um milhão de timorenses está na penúria ou para lá caminha. O desemprego mantém uma taxa elevadíssima, os cuidados de saúde não existem com a qualidade correspondente aos milhões dispendidos, incluindo em equipamento que se encontra nos hospitais inoperacional ou subaproveitado. A educação é exasperante, sem condições para alunos e professores. Crianças que têm de andar imensos quilómetros para frequentarem as aulas, professores com aulas repletas de alunos, sendo frequente um professor ter uma “sala de aula” com 60 ou mais alunos.

Não podemos nem devemos acreditar que os timorenses que constituem o poder governativo e outros são estúpidos e que por isso tomam as decisões erradas. Tão pouco na actualidade podemos considerá-los inexperientes. O que se passa é que são imensos os que são muito desonestos, mais alguns medianamente desonestos e outros esporadicamente desonestos. Restam números de honestidade e transparência que melhor será nem arriscar calcular. A julgar pela opulência que exibem. Haverá algum honesto? Nem que seja somente noventa por cento honesto?

CANÇÃO DOS BANDIDOS

Perante este triste panorama e realidades assistimos ao jogo político permitido em democracia de oposições parlamentares que de quando em vez fazem denúncias e protestos parlamentares mas pouco mais. Parece que falam num dia e no outro já esqueceram. A tal ponto as oposições ao governo têm sido permissivas que Gusmão ainda há dias teve a prosápia de agradecer à oposição as suas atitudes contributivas. E as oposições aquiesceram. Possivelmente até escutaram com garbo e falsa modéstia os elogios vindos do chefe do governo.

Como se por obra e graça do espírito santo quase tudo estivesse bem em Timor-Leste. Como se não existisse corrupção e os casos denunciados estivessem resolvidos, como se a justiça funcionasse como devia, aplicando as leis a todos os cidadãos, como se existisse democracia, liberdade de expressão e de imprensa na televisão do país, como se aquele ecrã não personifique o principal órgão de propaganda do governo de Gusmão, como se não existisse fome, desemprego, doenças sem tratamentos adequados, ensino escolar desorganizado, com alunos esfomeados, etc, etc.

É este o Timor-Leste que temos em 2010, absolutamente carente mas com todos os recursos para que não o seja. Timor-Leste e muitos timorenses têm o vício de serem exploradores abusados e solicitarem sistematicamente doações aos outros países como se ainda fosse um país pobrezinho. A desonestidade e o oportunismo revelam-se também neste aspeto. O que esperar de um governo e de políticos tão desonestos? Quando será que os países doadores se apercebem que estão a ser usados e a sobrecarregar os seus povos contribuintes, doando a uma classe política de um país que não precisa? Tanto assim é que basta recolher informações sobre os bens adquiridos pela classe política da elite e por muitos dos que actualmente compõem o governo de Gusmão. Incluam-se nas investigações familiares e amigos próximos. A conclusão será escandalosamente chocante. Podem acreditar.

Vamos praticamente a meio de 2010. Nada de novo e moralizador ou esperançoso está a acontecer. O que se pode prever? Tudo indica que Timor-Leste adormeceu ao som da canção dos bandidos.

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