terça-feira, 14 de agosto de 2012

“APOCALIPSE NOW”! – V



Martinho Júnior, Luanda

“Cessem os egoísmos, cessem as hegemonias, cessem a insensibilidade, a irresponsabilidade e o engano. Amanhã será tarde demais para fazer aquilo que devíamos ter feito há muito tempo”… - Discurso de Fidel Castro na Conferência da ONU para Meio Ambiente – ECO-92, há 20 anos!

11 – O meridiano que passa sobre a costa oeste do golfo de Sirtre, na Líbia, em direcção à Itália, define sensivelmente o meio do Mediterrâneo, pelo que o Mediterrâneo Oriental fica automaticamente definido.

É nessa imensa região que, concomitantemente ao Médio Oriente, se estão a travar as batalhas “totais” mais importantes do início do século XXI, no sudoeste da Europa, no nordeste de África e no “Levante”, que se estende desde o leste da Líbia até ao Mar Egeu, entre a Grécia e a Turquia, abrangendo a saída do Mar Negro por via do estreito dos Dardanelos que separa a Turquia europeia da asiática.

Praticamente nada está desconexo do contexto pela posse pelo petróleo e pelo gás no Mediterrâneo Oriental, desde a asfixia financeira “controlada pela zona Euro” da Grécia, até ao derrube de Kadafi, passando pelos actuais contenciosos do Egipto, do Líbano e da Síria, estimulados não só pelos ocidentais, mas também sobretudo pela “peça” regional que constitui Israel, face à “peça” deliberadamente tornada inimiga, que constitui o Irão.

A presente situação é fruto sucessivamente de fenómenos em cadeia desde a desagregação do bloco socialista e da URSS, à “balcanização” da Jugoslávia e aos fenómenos manipulados das “primaveras árabes”.

12 ) O Mediterrâneo Central não é grande obstáculo para a marcação de fronteiras nos termos das 200 milhas, conforme ao que se convencionou chamar de “Zona Económica Exclusiva” (ZEE), apesar da proximidade entre a Tunísia e a Itália (a ilha de Lampedusa, pertencente à Itália, está a leste da costa da Tunísia) e da ilha de Malta, ou as regiões insulares da Itália, da França e da Espanha.

O Mediterrâneo Oriental contudo está semeado de escolhos no que diz respeito às possibilidades de definição das Zonas Económicas Exclusivas, quer no triângulo formado pela Grécia – Turquia – Chipre, quer particularmente no arco do “Levante”, entre o Egipto e a Turquia, pois os países mediterrânicos têm costas pequenas, que ainda por cima estrangulam nos seus limites a 200 milhas, por efeito do próprio arco e da posição geográfica de Chipre.

Desse modo há dois contenciosos principais:


- O outro, em relação ao “cadinho” formado pela Palestina (Gaza), Israel, Líbano, Síria e Chipre, intimamente associado aos acontecimentos geo políticos que têm afectado desde a Tunísia à Turquia, passando sobretudo pela Líbia (fim do regime de Kadafi) e a Síria, contencioso em curso contra Al Aassad (“Leviathan Gás Field” – http://www.offshore-technology.com/projects/leviathan-gas-field-levantine-israel/).

13 – Quer as potências ocidentais e seus aliados concentrados na e à volta da NATO (Israel e as monarquias sunitas arábicas), quer a Rússia, a China, o Irão e os outros aliados regionais, xiitas ou não (particularmente a Síria e alguns sectores do Líbano), têm interesses nessa região, o que justifica a agudização de suas posições no tabuleiro geo estratégico conjugado do Mediterrâneo Oriental e Médio Oriente.

É em função do petróleo e do gás que da concorrência estão a passar à contradição, a caminho dum antagonismo feroz que pode desembocar numa guerra de proporções incalculáveis.

Instalar os interesses relativos ao petróleo e ao gás no século XXI, tem sido meio caminho andado para se darem início a contradições, a caminho dos antagonismos, das tensões, dos conflitos e das guerras!

Os russos e chineses estão a posicionar-se com interesses que se alicerçam quer por via das suas multinacionais do petróleo e do gás, quer tirando partido da sua emergência económica e financeira em toda a região, por exemplo, em relação à sua “disponibilidade” quanto especificamente aos portos da Grécia, ou ainda em relação aos oleadutos e gasodutos que se estendem de leste para o oeste (do Mar Cáspio à Turquia, por exemplo).

Em “Petróleo grego em alta tensão” (http://inteligenciaeconomica.com.pt/?p=13565), Ruben Eiras sintetiza:

“A Grécia é o país da UE e do Euro com o maior potencial prospectivo de exploração de petróleo, com cerca de 22 mil milhões de barris no Mar Jónico e 4 mil milhões de barris no Mar Egeu. Por comparação, o poço Lula no Brasil (uma das maiores descobertas da última década) tem cerca de 8 mil milhões de barris.

Este facto é conhecido pela Troika do FMI, UE e BCE desde 2010. Em vez de promover a produção petrolífera para reequilibrar as contas gregas e aumentar a autonomia energética europeia, a ordem é privatizar a única via que o Estado grego dispõe para pagar aos credores.

Eis a razão pela qual russos e chineses digladiam-se para controlar os portos gregos: passam a controlar terminais de distribuição de petróleo e gás para os Balcãs e centro da Europa, e conquistam uma inédita presença estratégica no mediterrâneo.

Ciente desta ameaça, os EUA não dormem e Hillary Clinton deslocou-se recentemente à Grécia para tentar acertar condições de E&P com a Turquia, com o envolvimento da empresa americana Noble Energy. O problema reside em que a Grécia não dispõe de uma ZEE e por isso não tem garantido o direito soberano sobre os recursos no solo marinho. Por isso, Clinton foi tentar um acordo de repartição entre Grécia, Turquia e a Noble Energy. Na semana seguinte, os russos foram bater à porta dos gregos com proposta semelhante”…

Os ocidentais têm na Noble Energy a multinacional que não só indicia estar por detrás da orientação de acabar com as tensões “secundárias” entre a Grécia, a Turquia e Chipre com os olhos no Mar Egeu, como também para se dedicar aos contenciosos do “Levante”, que são dos mais “explosivos” no “cadinho” formado pela Palestina (Gaza), Israel, Líbano, Síria e Chipre.

A Noble Energy impulsiona os projectos de Israel em relação ao gás, desde a sua costa até aos limites com a ZEE de Chipre, tendo por ainda resolver contenciosos com Gaza (Palestina) e com o Líbano, uma vez que aí há resistências claras contra Israel que não estão neutralizadas pelos falcões.

A Guerra de 2006 no sul do Líbano, teve também como referência as disputas sobre o petróleo e essa é uma das razões das pressões norte americanas e de Israel sobre o Hezbollah e os interesses coligados (“Jiyeh Power Station oil split” – Wikipedia – http://en.wikipedia.org/wiki/Jiyeh_Power_Station_oil_spill).

Não é pois de estranhar que a Noble Energy:

- Esteja praticamente por dentro de todos os projectos petrolíferos desde os mares Jónico e Egeu, até ao Egipto que procuram atenuar os conflitos (neste caso muito em especial entre gregos e turcos), de forma a ocupar privilegiadamente o espaço disponível (“The new mediterranean oil and gás bonnanza – Part I – Israel’s Levante Basin a new geopolitical curse?” – F. William Engdahl – http://alexandravaliente.wordpress.com/2012/03/06/the-new-mediterranean-oil-and-gas-bonanza/).

- Tenha no par Clinton (e por tabela no Partido democrata dos Estados Unidos) seu núcleo duro, em termos de “lobby”, o que é muito sensível para os posicionamentos dos Estados Unidos, de Israel e das monarquias arábicas e “catapulta” a tomada de posição expressa nos conceitos do Exercício “Cougar 12” interligando-o à evolução da situação na Síria (“A visita do amigo americano” – Jorge Nascimento Rodrigues – Expresso – http://expresso.sapo.pt/grecia-a-visita-do-amigo-americano=f741578).

Segundo esta última referência confirma-se que “no plano geoeconómico, soube-se, recentemente, que a Grécia é o país da União Europeia com o maior potencial prospectivo de exploração de petróleo no Mar Jónico e no Mar Egeu. O que motivara uma deslocação há um ano da secretária de Estado norte-americana Hillary Clinton a Atenas. Também, interesses russos e chineses (a COSCO chinesa vai gerir os terminais de contentores do porto do Pireu, o mais importante, nos próximos 35 anos e os bancos chineses vão entrar no financiamento da atividade de shipping grega abandonada pelo banco alemão Commerzbank) se movem neste campo.

Um especialista em energia, David Hynes, da Universidade de Tulane, disse, recentemente, em Atenas que a Grécia poderia resolver o problema da sua dívida com base no desenvolvimento da exploração de petróleo e gás, para além do seu importante posicionamento na logística do Mar Negro e do Mediterrâneo.

A Grécia, pela sua posição periférica estratégica nas rotas logísticas e no xadrez geopolítico do Mediterrânio Oriental (onde há riscos elevados de turbulência) atrai cada vez mais a atenção de grandes potências externas à União Europeia”.

14 – A experiência da Nobles Energy em explorações “offshore” a grande profundidade em “mares fechados”, neste caso concreto do Mediterrâneo Oriental com contenciosos tão “ardentes”, tem sido também consolidada no Golfo da Guiné (Guiné Equatorial e Camarões) e ainda no Golfo do México (do Texas à Venezuela, passando por Cuba).

No que diz respeito ao Golfo da Guiné o “lobby” é poderoso: conduzindo desde logo à presença naval de navios da NATO, até às políticas que se têm vindo a intensificar a favor da Guiné Equatorial (inclusive do “lobby” para adesão à CPLP, neste caso via Angola).

A preocupação de Angola em relação ao Golfo da Guiné espelha em parte essa influência.

Inscrevem-se nesse “lobby” as visitas de importantes unidades navais de superfície francesas e britânicas a Luanda, conforme tive oportunidade de assinalar em tempo oportuno (“Na esteira dum navio pirata” – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/07/na-esteira-dum-navio-pirata.html).

A Nobre Energy tem presença na Guiné Equatorial, nos Camarões, em Angola e em São Tomé e Príncipe, uma presença que tende a aumentar nos dois países lusófonos acima referidos (“Noble Energy Gets Ahead Of Schedule In 2012” – http://www.investopedia.com/stock-analysis/2012/Noble-Energy-Gets-Ahead-Of-Schedule-In-2012-NBL-TOT-XOM-BP0329.aspx#axzz22a6qVTwE).

A Noble Energy poderá influenciar em contenciosos tanto em direcção a conflitos, como em direcção a delicados processos onde podem haver confluência de interesses, sendo apontada como uma das multinacionais que poderá alterar a tendência para acabar com o bloqueio em relação a Cuba, tendo em conta os campos petrolíferos em águas profundas situados a norte da ilha e os interesses que se vão conjugando no Golfo do México (“Cuba’s deepwater oil exploration could be a game changer” – Bruce Kennedy – Daily Finance – http://www.dailyfinance.com/2011/03/05/cuba-deepwater-oil-exploration-game-changer/).

O que está a acontecer no Mediterrâneo Oriental, entrosado com a evolução da situação no Médio Oriente e no continente Euro-Asiático, interessa a toda a humanidade e são um mostruário do enorme adensar de riscos que o capitalismo promove, numa altura em que há cada vez mais motivos para o mundo estar a ser gerido com sentido de vida, como nossa única e insubstituível casa comum!

Gravura: Mundo Acopalíptico – criado por Vladimir Manyhuin.

*Pode ler todas as anteriores partes de “APOCALIPSE NOW!” em Martinho Júnior

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