quarta-feira, 4 de julho de 2012

NA ESTEIRA DUM NAVIO PIRATA!



Martinho Júnior, Luanda

1 – A passagem do HMS Dauntless por Luanda merece mais atenção, particularmente devido ao tipo de “mensagens” que foram produzidas particularmente pelo Capitão de Mar e Guerra William Warrender da Royal Navy e “a posteriori” pelo Almirante Augusto daSilva Cunha.

De facto, pouco a pouco, os oficiais angolanos que têm de se abster de produzir mensagens a nível nacional que possam ser interpretadas como tendo alguma conotação partidária, parece em nada se coibirem de, sempre que há relacionamentos externos “de cortesia”, ao invés de assumirem os interesses eminentemente nacionais, tomando partido por eles, passar a ser autênticas “caixas de ressonância” a reboque do que é entendido por outros interesses, (neste caso logo os interesses da OTAN), como se de mercenários se tratassem, ainda por cima esbatendo as próprias necessidades e prioridades nacionais!...

2 ) Na minha intervenção em “Navio pirata na baía de Luanda”, reproduzi o texto do que foi dito pelo Comandante do navio britânico tal qual ele foi difundido pela ANGOP, mas há mais questões implícitas a levantar:

Ao referir-se à pirataria nos mares nos termos que utilizou, o “embaixador” britânico transmitiu o ponto de vista das potências ocidentais e da NATO, aferido à sua interpretação sobre o que se passa na costa da Somália, extrapolando a mensagem também noutras direcções em África, Angola incluída, onde não há notícias de alguma vez ter havido pirataria de autóctones conforme àquelas paragens (“Los verdaderos piratas en Somalia: Washington, Paris y Oslo” – http://africaneando.org/2011/01/24/hfd1294592558).

Essa retórica feita “receita” é no fundo uma forma expedita de indexar os países africanos à condição de dominados nos propósitos das potências e da NATO, banalizando-os e aos seus interesses próprios, é uma bofetada contínua na cara dos africanos e uma prova de neo colonialismo!

A “mensagem-padrão” que tem sido sempre difundida por este tipo de “embaixadores”, em caso algum faz referência à intrusão de navios pesqueiros ocidentais e asiáticos de grande porte e com tecnologias próprias do século XXI, que ilegalmente vêm delapidar a fauna aquática nas águas das Zonas Económicas Exclusivas dos países africanos, o que no caso da Somália é ainda mais grave, pois é no mar onde as famintas comunidades somalis estão a ir buscar talvez a parte mais substancial do seu sustento, com os meios artesanais que os autóctones dispõem (“Fome provoca a fuga de um terço da população da Somália” – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/10/fome-provoca-fuga-de-um-terco-da.html).

A Somália não possui capacidade própria de fiscalização de sua imensa costa, em função da desarticulação do seu próprio estado e isso tem sido grave por que muitas das suas artes de pesca têm sido destruídas e também por que se chegou ao ponto de muito lixo tóxico ter sido despejado clandestinamente na sua costa, nas águas territoriais ou na Zona Económica Exclusiva… (“La guerre globale contre le terrorisme et la crise humanitaire” – http://www.pambazuka.org/fr/category/features/76644).

Não há notícia alguma de intervenção dum vaso de guerra das potências ou da OTAN presentes nas imediações, quando tal acontece!

A “mensagem” da “diplomacia da defesa” traz hipocritamente um claro sinal do domínio e da interpretação que serve ao seu exercício e é prova concludente de quanto o planeta não é sentido como “casa comum”, mas é em si, mar adentro, um verdadeiro alfobre para os piratas ocidentais e asiáticos em relação aos recursos do mar, quantas vezes sob a silenciosa vigilância de vasos de guerra como, entre muitos outros, o “destroyer” de última geração HMS Dauntless!

3 – A expressão de domínio é também elaborada em relação aos emergentes e Angola, por razões óbvias, deveria estar atenta aos sinais em relação aos países com costa Atlântica, em particular o Brasil, um dos membros da CPLP (“Nos bastidores, o lobby pelo pré-sal” – http://blog.controversia.com.br/2011/01/14/nos-bastidores-o-lobby-pelo-pr-sal/):

Imediatamente a seguir ao anúncio da descoberta do pré-sal no Brasil, os Estados Unidos “ressuscitaram” a IVª Frota!... (“Pré-sal, cobiça e poder global” – http://www.outraspalavras.net/2012/06/03/pre-sal-cobica-e-poder-global/)!

…Por isso o Brasil tem planos para, em função da necessidade do exercício de soberania numa profundidade de pelo menos 200 milhas náuticas, Atlântico adentro e em relação à sua costa, particularmente em relação à região do pré-sal, remodelar a cobertura com a integração de vasos de guerra modernos que correspondam ao requisitos de vigilância, protecção e segurança que se impõem. (“Amazónia Azul” – http://www.mar.mil.br/menu_v/amazonia_azul/amazonia_azul.htm; “Exercício militar foca protecção do pré-sal” – http://noticiasmilitares.blogspot.com/2010/07/exercicio-militar-foca-protecao-do-pre.html).

Como Angola anunciou há pouco a exploração do seu pré-sal, seria de supor que o almirantado angolano manifestasse a legítima aspiração no exercício de sua soberania nesse sentido, em sintonização aliás com as políticas de paz que se impõem no âmbito da reconciliação e da reconstrução nacional.

Há neste momento algo para a Marinha de Guerra Angolana mais importante que isso?

Ao invés de seguir esse caminho na sua comunicação, o Almirante Augusto da Silva Cunha fez as seguintes intervenções, segundo o que foi publicado pela ANGOP (http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/noticias/politica/2012/5/26/Marinha-Guerra-Angolana-preparada-para-combate-pirataria,cd1eaa81-09b5-46d5-83c4-0eeebc6f67ed.html):

Marinha de Guerra Angolana preparada para combate a pirataria
 
Luanda - O comandante da Marinha de Guerra Angolana (MGA), almirante Augusto da Silva Cunha, afirmou hoje (quinta-feira), em Luanda, que a sua armada está preparada para combater a pirataria, em estreita cooperação com outras instituições, com destaque para a Polícia Nacional.

O almirante falava à imprensa à margem de um simpósio nacional sobre a história da MGA, que completa a 10 de Julho próximo 36 anos de existência, realizado na base naval de Luanda.

Não somos os únicos utentes do mar, há outras instituições que também operam no mar e para a exequibilidade desta tarefa (combate a pirataria e segurança das águas territoriais) contamos com o envolvimento de outros, como é o caso da Polícia Nacional, referiu o responsável.

Para o comandante da MGA, a pirataria é uma ameaça global que faz com que os governos, fundamentalmente os costeiros, organizam os seus exércitos para dar luta ao mal.

Informou que na zona de responsabilidade de Angola não tem havido acções de pirataria, tal como uma grande ameaça, mas que urge tomar-se medidas de prevenção.

Temos de nos precaver, pois estamos inseridos numa região continental muito importante pela sua posição geoestratégica e sentem-se algumas actividades", afirmou o comandante, para quem "isto indica que com as outras marinhas, fundamentalmente de países da África Central, nos organizemos para poder por cobro a eventuais situações.

Ela (pirataria) ainda não entrou no nível de grande preocupação, mas já houve casos de pirataria no mar do Golfo da Guiné, acrescentou.

Por outro lado, revelou que neste momento a marinha efectua um patrulhamento da área marítima próxima, tendo, para tal, meios disponíveis com esta especificidade.

É com estes meios que estamos a garantir o patrulhamento", disse o comandante Augusto Cunha, anunciando que nos próximos tempos serão adquiridos outros meios que permitirão reforçar a presença no mar.

A Marinha de Guerra Angolana (MGA), um dos ramos das Forças Armadas Angolanas (FAA) para a garantia da defesa das águas territoriais, foi fundada a 10 de Julho de 1976, por altura da visita do primeiro Presidente e fundador da nação angolana, António Agostinho Neto, à base naval de Luanda, facto que coincidiu com o fim do período de instrução dos primeiros militares do ramo, pós-independência do país”.

4 – A visita do ultra moderno vaso de guerra de Sua Majestade Britânica destacado para o Atlântico Sul, com o carácter que tenho vindo a evidenciar, coincidiu com a chegada em visita oficial do Presidente da Assembleia Nacional Popular de Cuba, Ricardo Alarcon de Quesada, com um significado contrastante. (“Alargada relação interparlamentar” – http://jornaldeangola.sapo.ao/20/0/alargada_relacao_interparlamentar).

A entidade cubana veio reforçar laços entre Angola e Cuba que se distendem em profunda sintonia com o caminho de paz, de reconciliação e de reconstrução nacional que está em curso em Angola, a prioridade das prioridades, na continuidade dos laços históricos que unem os dois países e povos.

O tipo de relacionamentos de Angola para com Cuba, deveria ser pois melhor reflectido pelas entidades angolanas, incluindo as militares, tendo em conta o caudal de iniciativas em prol do exercício saudável da soberania, neste caso com fundamento no sentido de vida. que se deve cultivar em pós guerra em relação a todo o povo angolano! (“Novo fôlego para a Carlota II” – http://tudoparaminhacuba.wordpress.com/2012/06/20/novo-folego-para-o-carlota-ii/).

A experiência do Brasil em relação ao seu pré-sal, poderia e deveria também ser melhor reflectido pelos angolanos! (“Brasil – Uma componente decisiva para as integrações e alternativas que se abrem no século XXI” – http://pagina--um.blogspot.com/2010/10/brasil-uma-componente-decisiva-para-as.html; “Assim se constrói o Sul” – http://pagina--um.blogspot.com/2011/02/assim-se-constroi-o-sul.html).

Creio que essa questão tem sido reflectida por Cuba, tendo em conta a expressão do relacionamento cada vez mais próximo entre o Brasil e Cuba, em muitas esferas de actividade e também no relacionamento com outros países, como acontece por exemplo com o Haiti! (“Dilma, Cuba, Haiti e os telhados de vidro” – http://www.patrialatina.com.br/editorias.php?idprog=a9883e7bb20e56060778cf794125afc4&cod=9353).

Se esse caudal de inspiração fizesse efectivamente parte dos conceitos dos militares angolanos, provavelmente a análise de riscos no relacionamento de Angola para com a Guiné Bissau, particularmente no que diz respeito à iniciativa MISSANG, teria outro tipo de prevenções e de garantias, ao contrário do que aconteceu com fundamento em conceitos que são predominantemente cultivados nos relacionamentos de Angola com os membros da OTAN! (“Precisamos integrar nos relacionamentos conceitos alternativos de novo tipo” – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/04/precisamos-integrar-nos-relacionamentos.html).

Há de facto uma distância enorme entre a humildade de reconhecer o longo caminho que há a trilhar para vencer o estágio de subdesenvolvimento crónico em que Angola e África duma maneira geral se encontram e a ilusão megalómana de poder que está na cabeça de alguns dos “estrategas” angolanos, que precisam de voltar à escola a fim de avaliar o que se passa antes de mais consigo próprios!

Tudo isso me leva a considerar quão importante seria a presença de Cuba na CPLP, para além das razões históricas, culturais e sócio-políticas, ainda que possa preencher um quadro de observador, pois o carácter da CPLP, em plena globalização, não se poderá limitar à utopia reducionista e ultra-conservadora da língua comum!

Julgo que há toda a justificação para uma vez mais afirmar:

PAZ SIM, NATO NÃO! - CUBA PARA A CPLP!

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