Paulo Baldaia – Diário de Notícias, opinião
Isto anda bonito. Um país intervencionado, onde a austeridade imposta está a destruir postos de trabalho num processo necessário de ajustamento da economia, descobre agora que alguns dos grandes investimentos previstos para o breve prazo, afinal, foram para o caixote do lixo. Não discuto os méritos das propostas nem a responsabilidade das partes, que isso é conversa para outros rosários, mas espanto-me que a facilidade com que se aprovaram estes projectos seja a mesma facilidade com que se anuncia que os "milagres" eram falsos.
Adiante. Parece impossível, mas há coisas bem piores do que megainvestimentos que são falsas promessas ou até bem piores do que o desemprego. Parece impossível, mas há. Não consigo imaginar coisa pior do que ter salários em atraso. Salários que não são pagos é pôr as pessoas a trabalhar para o boneco e fazê-las pagar por isso, é que trabalhar custa dinheiro em transportes e refeições.
Estamos a chegar ao mais temível momento das crises económicas, aquele em que ninguém sai bem na fotografia. O Estado que nos saca tudo e um saca-rolhas, dando-nos cada vez menos em troca. Patrões que nos exigem cada vez mais trabalho sem contrapartidas. Sindicatos que promovem lutas e greves em empresas à beira de falência. Trabalhadores que julgam ser apenas portadores de direitos.
Adiante. Estamos a lançar os últimos foguetes, inebriados pelo calor do Verão, julgando até que pior do que já estamos é impossível. Mas não é! Estamos com níveis de desemprego a bater recordes e os que trabalham pagam impostos como nunca pagaram, mas pior do que tudo isso é ter emprego, pagar impostos e não receber salários. Por estes dias, a cada 24 horas há mais de cem pessoas a pedir a intervenção do Fundo de Garantia Salarial, porque nas empresas onde trabalham não há quem lhes pague.
Não quero ser pessimista, mas a experiência de vida diz-me que este é o fenómeno a que vamos ter de dar mais atenção no último trimestre do ano. Tem de haver regras claras, tem de haver bom senso. A crise grave que vivemos não pode servir de justificação para tudo. Empresários e trabalhadores devem lutar pela reconversão das empresas para que elas sejam viáveis, mas a salvação não pode ser conseguida à custa dos mais fracos. Quem trabalha tem direito a salário, pago a tempo e horas de acordo com a lei.
E isto também acontece num país que vê as Finanças anunciarem com orgulho que recuperaram cerca de 260 milhões de euros. Graças a um regime excepcional de regularização tributária, o terceiro e último, garante o Governo. No primeiro e no segundo também tinham dito que não havia mais nenhum. O que era crime deixou de ser. Não há nada que o dinheiro não (a)pague.
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