Eugénio Mateus - O País (ao)
A Sonangol e a
Empresa Nacional de Electricidade (ENE-EP), duas companhias lesadas no tráfico
de gasóleo, supostamente efectuado por trabalhadores da concessionária nacional
de combustível, se terão desinteressado em acompanhar o julgamento em que estão
implicadas nove pessoas, soube O PAÍS de uma fonte familiar ao processo. Com o
número 368/11-D, o processo começou a ser julgado a 10 de Julho último na 1ª
secção do Tribunal Provincial de Luanda, com término previsto, em princípio,
para o dia 30 de Agosto, num total de quatro sessões de julgamento.
De acordo com a
fonte, “os réus confessos” estariam na iminência de conhecerem a absolvição,
pelo facto de, estranhamente, as duas instituições lesadas não terem
comparecido em tribunal para autenticar as acusações de desvio de combustível
constantes dos autos.
Juristas
consultados por O PAÍS explicaram que essa atitude das empresas acima
referenciadas denota claramente que não têm qualquer interesse no processo,
para reaverem os valores defraudados, como também pode vir a ser o entendimento
do tribunal. E esta questão foi sendo, no entanto, bastante bem explorada pelos
advogados de defesa que pedem ao tribunal a absolvição dos réus, estribando- se
no facto de os desvios autuados em flagrante delito não terem beneficiado os
mesmos.
Posição contrária,
esclarece a fonte, teve a representante do Ministério Público que solicitou o
ressarcimento dos prejuízos causados ao Estado angolano, pedido contrariado
pela defesa com o argumento da ausência da Sonangol e ENE-EP, as duas empresas
lesadas, para o esclarecimento da verdade dos factos.
A leitura do
defensor da legalida- de foi apoiada na evidência de terem sido apensas ao
processo centenas de facturas irregulares, que referenciavam já o percurso
delituoso dos acusados. De acordo com a fonte de O PAÍS, esse desinteresse pode
ser entendido “como provas claras de desorganização premeditada ou involuntária
que possibilitaram o cometimento dos crimes evidenciados nos autos”.
Verdades e mentiras
expostas no julgamento
Apesar do
“abandono” do processo pelas empresas lesadas, para supostamente não trazerem à
luz do dia alguns aspectos organizativos internos pouco claros, de acordo com a
fonte, alguns declarantes, entretanto, prestaram informações pertinentes sobre
a questão, sobretudo no caso da Sonangol.
De acordo com a
fonte de O PAÍS, o ex-chefe do centro de expedição IBV-1, José João Manuel,
terá deixado nas suas declarações indícios fortes de “cumplicidade de altos
funcionários da Sonangol”.
Esta realidade, no
entendimento da fonte, fica subentendida no facto de o referido funcionário se
ter demitido voluntariamente de forma algo forçada, depois de reportar as
fragilidades do sistema de gestão aos superiores hierárquicos que as não
atenderam.
O citado
funcionário terá reforçado o seu depoimento com afirmações segundo as quais
“qualquer director de uma das áreas de atendimento, com um simples telefonema a
um chefe de turno, pessoas singulares eram atendidas como se fizessem parte do
programa”, conferindo-se, por aí, a responsabilidade de funcionários superiores
no esquema, de acordo com a fonte deste jornal.
Mas, o director do
segmento de atendimento ao consumo, Vicente Costa, teria afirmado em juízo, contrariando
o funcionário demissionário, “que nunca recebeu qualquer reclamação sobre
desvios de combustível”, mas tal como este jornal já noticiara em edições
passadas, o centro nevrálgico da operação era o sector de programação, onde em
menos de dois meses um trabalhador que exercia funções nessa área fora
despedido por infracção comprovada de desvio de gasóleo.
Uma evidência
reportada pela fonte, que constitui argumento suficientemente probatório, é o
facto de nos últimos três anos a ENE-EP se ter recusado a pagar centenas de
facturas remetidas à cobrança pela Sonangol, estimadas em vários milhões de
Kwanzas, por alegadamente não ter acusado a recepção do produto.
Estranha posição
das duas empresas
O desinteresse das
duas empresas induz a uma leitura de estranheza já que as mesmas poderiam ser
ressarcidas pelos danos causados às suas tesourarias, por decisão do tribunal.
Na verdade, esta
situação pode acarretar algum desconforto junto dos agentes policiais que se
dedicaram a descobrir a trama, além de a absolvição poder ser entendida como um
incentivo à prevaricação. O deslindamento deste caso pela investigação criminal
iniciou em meados de 2011 e durante três meses foi possível desarticular a rede
de prevaricadores, imediatamente constituídos arguidos.
O referido
combustível deveria ser entregue aos grupos geradores de electricidade da
estação dos Musseques, do Caminho de Ferro de Luanda, e do bairro Rocha Pinto,
mas eram desencaminhados para o mercado informal, onde cada cisterna de
gasóleo, com capacidade de 35 mil litros, era vendida ao preço de 12 mil
dólares americanos. Diariamente podiam ser desviadas do circuito legal entre
três e quatro cisternas de gasóleo.
Estado angolano não
foi ressarcido no ‘caso tráfico de combustível’
Por uma atitude incompreensível
da Sonangol e ENE-EP, que não compareceram no Tribunal a suportar as acusações
constantes dos autos, o Estado angolano perdeu a oportunidade de reaver milhões
de dólares surripiados com o contrabando de gasóleo a partir da Boavista
(IBV-1).
Como competia fazer
justiça, mesmo na ausência dos queixosos e sopesados todos os argumentos
durante o julgamento, o juiz da causa decidiu condenar três dos réus na pena
máxima de dois anos, suspensa durante este período. Assim, António Fernandes
Cardoso Neto, Francisco Leonísio Quilumbo e Geraldo dos Prazeres Neto, deverão
ainda pagar uma multa de 50 mil Kwanzas.
Na mesma pena, mas
isento do pagamento de qualquer multa, foi igualmente condenado o réu Severino
Gouveia Selishamale. Já Pedro de Lacerda Agostinho foi condenado a 12 meses e
Reis domingos José foi sentenciado em seis meses com pena suspensa. Finalmente,
Afonso Pascoal e Pascoal Pedro Mário. A sentença foi lida no dia 30 de Agosto
de 2012.
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