terça-feira, 25 de setembro de 2012

Angola: A FUGA EM FRENTE DA SONANGOL E ENE-EP

 

Eugénio Mateus - O País (ao)
 
A Sonangol e a Empresa Nacional de Electricidade (ENE-EP), duas companhias lesadas no tráfico de gasóleo, supostamente efectuado por trabalhadores da concessionária nacional de combustível, se terão desinteressado em acompanhar o julgamento em que estão implicadas nove pessoas, soube O PAÍS de uma fonte familiar ao processo. Com o número 368/11-D, o processo começou a ser julgado a 10 de Julho último na 1ª secção do Tribunal Provincial de Luanda, com término previsto, em princípio, para o dia 30 de Agosto, num total de quatro sessões de julgamento.
 
De acordo com a fonte, “os réus confessos” estariam na iminência de conhecerem a absolvição, pelo facto de, estranhamente, as duas instituições lesadas não terem comparecido em tribunal para autenticar as acusações de desvio de combustível constantes dos autos.
 
Juristas consultados por O PAÍS explicaram que essa atitude das empresas acima referenciadas denota claramente que não têm qualquer interesse no processo, para reaverem os valores defraudados, como também pode vir a ser o entendimento do tribunal. E esta questão foi sendo, no entanto, bastante bem explorada pelos advogados de defesa que pedem ao tribunal a absolvição dos réus, estribando- se no facto de os desvios autuados em flagrante delito não terem beneficiado os mesmos.
 
Posição contrária, esclarece a fonte, teve a representante do Ministério Público que solicitou o ressarcimento dos prejuízos causados ao Estado angolano, pedido contrariado pela defesa com o argumento da ausência da Sonangol e ENE-EP, as duas empresas lesadas, para o esclarecimento da verdade dos factos.
 
A leitura do defensor da legalida- de foi apoiada na evidência de terem sido apensas ao processo centenas de facturas irregulares, que referenciavam já o percurso delituoso dos acusados. De acordo com a fonte de O PAÍS, esse desinteresse pode ser entendido “como provas claras de desorganização premeditada ou involuntária que possibilitaram o cometimento dos crimes evidenciados nos autos”.
 
Verdades e mentiras expostas no julgamento
 
Apesar do “abandono” do processo pelas empresas lesadas, para supostamente não trazerem à luz do dia alguns aspectos organizativos internos pouco claros, de acordo com a fonte, alguns declarantes, entretanto, prestaram informações pertinentes sobre a questão, sobretudo no caso da Sonangol.
 
De acordo com a fonte de O PAÍS, o ex-chefe do centro de expedição IBV-1, José João Manuel, terá deixado nas suas declarações indícios fortes de “cumplicidade de altos funcionários da Sonangol”.
 
Esta realidade, no entendimento da fonte, fica subentendida no facto de o referido funcionário se ter demitido voluntariamente de forma algo forçada, depois de reportar as fragilidades do sistema de gestão aos superiores hierárquicos que as não atenderam.
 
O citado funcionário terá reforçado o seu depoimento com afirmações segundo as quais “qualquer director de uma das áreas de atendimento, com um simples telefonema a um chefe de turno, pessoas singulares eram atendidas como se fizessem parte do programa”, conferindo-se, por aí, a responsabilidade de funcionários superiores no esquema, de acordo com a fonte deste jornal.
 
Mas, o director do segmento de atendimento ao consumo, Vicente Costa, teria afirmado em juízo, contrariando o funcionário demissionário, “que nunca recebeu qualquer reclamação sobre desvios de combustível”, mas tal como este jornal já noticiara em edições passadas, o centro nevrálgico da operação era o sector de programação, onde em menos de dois meses um trabalhador que exercia funções nessa área fora despedido por infracção comprovada de desvio de gasóleo.
 
Uma evidência reportada pela fonte, que constitui argumento suficientemente probatório, é o facto de nos últimos três anos a ENE-EP se ter recusado a pagar centenas de facturas remetidas à cobrança pela Sonangol, estimadas em vários milhões de Kwanzas, por alegadamente não ter acusado a recepção do produto.
 
Estranha posição das duas empresas
 
O desinteresse das duas empresas induz a uma leitura de estranheza já que as mesmas poderiam ser ressarcidas pelos danos causados às suas tesourarias, por decisão do tribunal.
 
Na verdade, esta situação pode acarretar algum desconforto junto dos agentes policiais que se dedicaram a descobrir a trama, além de a absolvição poder ser entendida como um incentivo à prevaricação. O deslindamento deste caso pela investigação criminal iniciou em meados de 2011 e durante três meses foi possível desarticular a rede de prevaricadores, imediatamente constituídos arguidos.
 
O referido combustível deveria ser entregue aos grupos geradores de electricidade da estação dos Musseques, do Caminho de Ferro de Luanda, e do bairro Rocha Pinto, mas eram desencaminhados para o mercado informal, onde cada cisterna de gasóleo, com capacidade de 35 mil litros, era vendida ao preço de 12 mil dólares americanos. Diariamente podiam ser desviadas do circuito legal entre três e quatro cisternas de gasóleo.
 
Estado angolano não foi ressarcido no ‘caso tráfico de combustível’
 
Por uma atitude incompreensível da Sonangol e ENE-EP, que não compareceram no Tribunal a suportar as acusações constantes dos autos, o Estado angolano perdeu a oportunidade de reaver milhões de dólares surripiados com o contrabando de gasóleo a partir da Boavista (IBV-1).
 
Como competia fazer justiça, mesmo na ausência dos queixosos e sopesados todos os argumentos durante o julgamento, o juiz da causa decidiu condenar três dos réus na pena máxima de dois anos, suspensa durante este período. Assim, António Fernandes Cardoso Neto, Francisco Leonísio Quilumbo e Geraldo dos Prazeres Neto, deverão ainda pagar uma multa de 50 mil Kwanzas.
 
Na mesma pena, mas isento do pagamento de qualquer multa, foi igualmente condenado o réu Severino Gouveia Selishamale. Já Pedro de Lacerda Agostinho foi condenado a 12 meses e Reis domingos José foi sentenciado em seis meses com pena suspensa. Finalmente, Afonso Pascoal e Pascoal Pedro Mário. A sentença foi lida no dia 30 de Agosto de 2012.
 
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