quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Portugal: OS POBRES QUE PAGUEM A CRISE

 


Alfredo Leite – Jornal de Notícias, opinião
 
No mesmo sítio onde Passos Coelho tratou todos os portugueses por "amigos", o meu amigo Pedro (Ivo, não o Passos, de quem estou longe de ser amigo, apesar de me tratar como tal) publicou ontem um post que faz lembrar um remake luso de "Good Bye, Lenine!". Dizia assim: "Quem tivesse emigrado em 1975 e chegasse hoje a Portugal diria que o país está igual. Pobre, amargurado. E a ver a mesma telenovela". É certo. A única diferença é que em 75 os portugueses tinham esperança. O que o Governo nos fez nos últimos dias foi aniquilar a mais ínfima réstia desse sentimento.
 
Naquele tempo, em que a "Gabriela" ainda passava a preto e branco na única televisão existente (a mesma que Passos Coelho quer agora desbaratar), pedia-se que fossem os ricos a pagar a crise, mas, com o Governo laranja a falhar as previsões de retrair a economia em 4%, são agora os trabalhadores por conta de outrem e os pensionistas a pagar a dita. Em menos de uma semana Passos, Gaspar e o silêncio encurralado - e cúmplice - de Portas puseram os trabalhadores quase a pagar para trabalhar. Com isso, arruinaram a paz social que tanto nos distinguia da Grécia e aniquilaram o capital de cooperação institucional que envolvia a oposição socialista e a UGT. Em poucos dias, Crato, Gaspar e Cristas foram alvos de tentativas (vis e injustificadas, é certo) de agressão. Mas um Governo que brinca com a vida do povo que o elegeu (e de quem só teve de respeitar essa escolha) não pode esperar que a revolta seja indefinidamente contida e, nesse sentido, as manifestações do próximo sábado serão uma prova de fogo para o executivo e um teste aos cada vez menos brandos costumes nacionais.
 
Entre os pingos deste fogo cruzado continua a tentar passar despercebido Paulo Portas. O líder do CDS/PP e parceiro de coligação de Passos mantém um silêncio que o seu eleitorado, o que nele votou por se opor à privatização da RTP, por ser contra o aumento de impostos e por defender a dignidade de reformados e pensionistas, haverá de julgar. Enquanto se cala, refugiado no seu muito peculiar dever patriótico, Portas solta os seus mais próximos colaboradores contra Gaspar. Foi assim ontem, com a "peixeirada" à porta fechada entre o porta-voz centrista, João Almeida, e o ministro das Finanças, no decorrer de uma reunião entre os grupos parlamentares da maioria que nos governa. E por muito que todos tenham tentado calar as violentas trocas de palavras entre ambos, não é crível que Almeida se manifestasse contra a subida da TSU e as mexidas nos escalões do IRS à revelia de Paulo Portas.
 
Dito isto, Passos, que ainda há dias cantarolava no Tivoli "Nini dos meus 15 anos" durante um concerto de Paulo de Carvalho, poderá ter de ensaiar uma canção mais adequada ao espírito de 75 (a música, entre outras revoluções, venceu o festival RTP de 74) que dizia assim: "E depois do amor/ E depois de nós/ O adeus/ O ficarmos sós".
 

Sem comentários:

Mais lidas da semana