Sílvia Caneco - ionline
A omissão foi justificada como um adiamento, devido ao “elevadíssimo melindre” de tornar arguidas pessoas ligadas “ao poder político”
No documento em que pede o alargamento do prazo do inquérito pela elevada complexidade do processo, o DCIAP assume a necessidade de “constituir arguidos e interrogá-los”. Mas guarda essas diligências para depois. Pelo “elevadíssimo melindre” e porque se aguardava o resultado de “ulteriores diligências de prova” que permitiriam “a confirmação ou afastamento das suspeitas”, diz o documento que consta no processo arquivado contra Bernardo Ayala, e que o i consultou.
Entretanto, a consulta dos autos do processo confirma que desde então foram interceptadas conversas telefónicas de pessoas suspeitas, feitas buscas ao Ministério da Defesa, a escritórios de advogados e a várias pessoas que eram próximas do então ministro da Defesa, Paulo Portas, e estiveram envolvidas no negócio da compra dos submergíveis. Três anos depois, os únicos dois arguidos constituídos no caso já deixaram de o ser. Nenhum responsável político foi interrogado. E a investigação continua “contra desconhecidos”, como esta semana a directora do DCIAP, Cândida Almeida, frisou na resposta à dúvida de Paulo Portas sobre se seria ou não suspeito no processo.
No caso, nascido em 2006 a partir de uma certidão extraída do processo Portucale, investiga-se as condições em que foi negociado o contrato de compra de dois submarinos pelo Estado português ao fornecedor alemão German Submarine Consurtium (GSC) e a actuação de vários agentes do Estado envolvidos nestas negociações. Embora Cândida Almeida tenha ilibado Paulo Portas de suspeitas, nas cartas rogatórias enviadas a justiças de outros países chega mesmo a ser feita a ligação de vários depósitos feitos numa conta do CDS-PP, no valor aproximado de um milhão de euros, e a assinatura do contrato de aquisição dos submarinos, e respectivas contrapartidas, pelo agora ministro dos Negócios Estrangeiros.
Escutas fortalecem suspeitas
O DCIAP fez buscas, em Setembro de 2009, a três homens de confiança de Paulo Portas e assumiu que estes poderiam “vir a ser responsabilizados pela prática dos factos e crimes sob investigação” por terem beneficiado com o negócio ou beneficiado terceiros. Pedro Brandão Rodrigues, ex-presidente da Comissão Permanente de Contrapartidas (CPC), Bernardo Carnall, antigo secretário-geral da Defesa, e Fernando Geraldes, ex-presidente dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, também foram alvo de escutas telefónicas. E um relatório com o resumo das conversações que consta do processo fortalece as suspeitas.
No documento a que o i teve acesso, com a transcrição de conversas que o juiz de instrução validou, Pedro Brandão Rodrigues fala com a mulher na sequência das buscas à sua casa. Depois de perguntar o que tinham levado, Ana “mostra-se indignada com o facto de Pedro se ter metido com corruptos” e serem eles a levarem “com uma rusga em casa”. Duas horas depois, Bernardo Carnall liga a Brandão Rodrigues, “dizendo-lhe persistentemente que precisava de lhe dar uma palavra”. Carnall também tinha sido alvo de buscas. Os dois combinam um encontro nessa tarde num hotel da 5 de Outubro.
Ainda nessa tarde, num segundo telefonema para a mulher, Brandão Rodrigues diz-lhe que “não vai falar do assunto de todo a não ser que ele fale”. A mulher concorda e acrescenta que “era muito provável que o Bernardo Carnall lhe tenha dito qualquer coisa”. Dois dias depois, o administrador da PT liga a Paulo Portas a dizer que precisa de falar com ele. À noite, depois de Paulo Portas sair de um debate com Manuela Ferreira Leite – estávamos em vésperas de eleições legislativas –, Brandão Rodrigues insiste que têm de falar, sim, mas pessoalmente. Portas pergunta, com recurso a uma metáfora, se o tema está relacionado com alguma coisa aquática. O ex-presidente da Comissão das Contrapartidas que viria a assumir pela segunda vez o cargo de deputado do CDS-PP cerca de um mês depois desvia o assunto.
Dois dias depois, a 12 de Setembro de 2009, é Paulo Portas quem liga a dizer que lhe quer pedir uma coisa e sugere que ele arranje outro número de telefone para conversarem. Na altura, já suspeitavam que poderiam estar sob escuta.
Esta não foi a única intervenção de Portas. O resumo das comunicações mostra que também ligou a Fernando Geraldes, ex-assessor do grupo de apoio ao ministro, no âmbito do Programa Relativo à Aquisição dos Submarinos (PRAS), para saber pormenores sobre as buscas à sua casa. O ex-ministro da Defesa queria saber quem tinha lá ido, o que tinham levado, se Geraldes tinha sido chamado a depor. À noite, Geraldes diz à esposa que tem umas novidades interessantes sobre as buscas de que foram alvo.
1 comentário:
SERÁ QUE TEMOS UM "BATISCAFO"?
Se o Portas é um "submarino amarelo" com uns pozinhos de azul para disfarçar, o DCIAP, com este tipo de argumentos, não será um "batiscafo"?
Ir a fundo no processo, ou ir para o fundo com o processo?
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