NRC
Handelsblad, Roterdão – Presseurop – imagem Cristina Sampaio
As diferenças de
padrões sociais e culturais entre os europeus são muitas vezes negligenciadas.
E isso representa uma ameaça para o fulcro do projeto europeu, aponta um
sociólogo holandês, argumentando que os dirigentes políticos se devem empenhar
no diálogo com os cidadãos.
No século XIX, a
imaginação da opinião pública desempenhou um papel crucial no desenvolvimento
de comunidades nacionais através do continente europeu, como demonstram
publicações como Comunidades
imaginadas, de Benedict Anderson [Edições 70]. A teoria exposta neste livro
é que os cidadãos se associam uns com os outros a um nível imaginário, podendo
não ter nenhuma relação pessoal entre si e ter interesses completamente
diferentes.
Este tipo de
espírito de comunidade tem que ser concebido, expresso e tornado tangível. No
entanto, nós, na Europa, ainda não chegámos a essa fase. Numerosos dirigentes
alongam-se sobre os benefícios económicos da integração europeia, sem qualquer
menção às diferenças culturais e com raro ênfase nos aspetos intelectuais e
morais que o projeto europeu também possui.
Não é uma questão
fácil. A Europa tem diferenças sociais e culturais substanciais. Vou-me
debruçar sobre dois contrastes específicos. O primeiro é de caráter horizontal
e aplica-se ao Noroeste e ao Sudeste europeus. Uma das principais diferenças é
que o primeiro apresenta um elevado nível de secularização. Muitos temem até
que isso possa ter consequências desastrosas para a sociedade. Quando as pessoas
renunciam à sua fé em Deus, a opinião geral é de que também se preocupam muito
pouco com os outros. Contudo, os factos revelam um quadro totalmente diferente.
O trabalho voluntário, por exemplo, está muito mais desenvolvido em países como
a Suécia, Holanda e Reino Unido.
Sociedades de
elevado nível de confiança
Outra diferença é
que os cidadãos do Noroeste se sentem mais frequentemente envolvidos em
questões públicas. Manifestam grande interesse pela política e têm mais
oportunidades de expressar o que pensam e de exercer algum tipo de influência.
Além disso, albergam todos os tipos de empreendimentos sociais, culturais e
recreativos, ao mesmo tempo que mantêm uma sociedade civil altamente
desenvolvida.
Não é sem razão que
as nações desta região são chamadas “sociedades de elevado nível de confiança”.
O facto de as empresas, os cidadãos e outros atores confiarem uns nos outros
contribui certamente para o desenvolvimento económico. A sociedade moderna, secularizada,
rica e democrática, valorizadora da vitalidade, profissionalismo e dignidade
humana, é mais profunda no Noroeste do que no Sul e Leste.
Para lá da clivagem
horizontal, no entanto, existe outra, vertical. Veja-se a questão de saber se
as pessoas têm fé na União Europeia, por exemplo. Está intimamente ligada ao
nível de educação. Apenas 37% dos que deixaram os estudos antes dos 15 anos
confiam na UE, enquanto a percentagem entre os que continuaram a estudar passa
os 63%.
Temos um quadro
semelhante quando se coloca a questão da atitude das pessoas perante a expansão
da União Europeia. Quase metade dos inquiridos é firmemente contra tal
expansão. Mais uma vez, no entanto, esta atitude é muito mais comum entre
pessoas com pouca instrução (51%) do que entre os que mantiveram os estudos
(29%).
Os cidadãos que se
sentem de alguma forma ameaçados por processos de modernização inclinam-se
geralmente para uma atitude menos otimista, que também se aplica à visão da
Europa. Se se pretende que o projeto europeu se desenvolva, então é essencial
que esta divisão seja superada.
Opiniões e
sensibilidades
No caso do diálogo
"horizontal", proponho que seja criado um verdadeiro intercâmbio
entre pessoas vulgares com raízes no Norte, no Sul, no Oeste e no Leste do
continente. O objetivo deve ser permitir que se familiarizem com outros modos
de vida, por exemplo, passando um ano na região oposta da Europa. Neste
processo, deveria ser dada particular atenção à forma como opiniões e
sensibilidades, valores e ideais, tradições e ambições têm efeito sobre o
quotidiano das pessoas.
O segundo diálogo
que eu aplaudiria dirige-se à divisão vertical. Atualmente, ainda há um mundo
de diferenças no modo como a elite próspera e altamente educada encara o
projeto europeu e a crescente incerteza sentida pelas massas de cidadãos menos
instruídos. Essa divisão não pode ser simplesmente ultrapassada por uma
campanha de informação ou uma estratégia de comunicação sofisticada. Se se
pretende que a noção da Europa seja abraçada, então há que ter em conta as
experiências e expectativas, os valores e as preocupações das pessoas comuns.
Envolvimento e
dignidade humana
Esse diálogo só
será bem-sucedido se os dirigentes que ocupam cargos públicos desenvolverem
novos hábitos. Um grande grupo de cidadãos sente-se abandonado pelas modernas
elites administrativas, que não primam pela empatia nem pelo envolvimento
social, apresentando uma visão do mundo que é simultaneamente liberal e rígida.
É possível um tal
diálogo? Acredito que a dinâmica cultural que nos fez chegar à vida moderna
contém princípios filosóficos que são partilhados – conscientemente ou não –
por inúmeros europeus. Estou a pensar em palavras-chave como liberdade,
justiça, igualdade, autonomia, participação e dignidade humana. Embora o diálogo
também devesse contemplar a forma como entendemos esses princípios na prática,
o próprio facto de tal debate ocorrer implica não se encarar já a integração
europeia como um "processo irreversível".
Na verdade, a
história é um processo dialético. Quem está no poder tem uma palavra a dizer,
mas os cidadãos também. Por isso, quem tentar impor o projeto europeu como um
imperativo não se deve surpreender com o crescente apoio dado a partidos
eurocéticos como o SP e o PVV [nos dois extremos do espetro político holandês].
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