Fernando Santos –
Jornal de Notícias, opinião
A Europa tem-se
agitado em sucessivas cimeiras marcadas por promessas e mãos-cheias de nada.
Agonizante, não obstante viver entre um círculo mais amplo (o da desUnião) e
outro ainda pior e claustrofóbico (o da Zona Euro), o Velho Continente está em
vias de deitar borda fora algumas das principais conquistas civilizacionais de
que é farol - o Estado Social, por exemplo. À mercê de diretórios políticos
montados sem a legitimação do voto popular, os pratos da balança do exercício
estratégico parecem simples de se reconhecerem: de um lado pesa um certo
romantismo dos povos economicamente mais débeis e do outro a avidez
imperialista de rosto germânico para o esmagamento.
O dedo na ferida
sobre as razões e o fito para o estado comatoso da atual Europa assinou-o há
pouquíssimos dias Joseph Stiglitz, Prémio Nobel da Economia em 2001. Assessor
económico de Bill Clinton entre 1995 e 1997 e distinguido pela Academia
"por criar os fundamentos da teoria dos mercados por informações
assimétricas", Joseph Stiglitz considerou, em entrevista ao jornal
financeiro "Haldesblatt", que "o euro e as políticas destinadas
a salvar o euro dividem os europeus. Trata-se de divisões entre estados, mas
também no interior destes, onde os movimentos extremistas e nacionalistas se
tornam cada vez mais fortes. E isto não é bom para a paz".
Ora aí está um foco
de clarividência avisada. A depauperada condição económico-financeira de uma
parte dos países integrantes da Zona Euro, sobretudo os do Sul, tende a gerar
convulsões sociais cujas consequências será avisado travar quanto antes. De
critério pouco ou nada explicado, o recente Prémio Nobel atribuído à União
Europeia fundamenta-se, sobretudo, nas décadas de pacificação entretanto
registadas.
Ao ter trocado o
processo de união política pelos ditames abastados das exigências da Alemanha
para satisfazer padrões mínimos do estado de necessidade financeira de uma
parte da Zona Euro - Grécia, Irlanda, Portugal, amanhã Espanha, Itália,
França... - a Europa está num processo de degradação que não adivinha, de
facto, nada de bom.
A cimeira de
líderes (pomposa definição...) europeus deu nota nas últimas horas de como se
continua a cavar um caminho cada vez mais estreito para não apunhalar de vez os
fundamentos da criação da União Europeia. Ao preconizar outra vez o poder de
veto da Comissão Europeia sobre os orçamentos nacionais que excedam os 3% de
défice e os 60% de dívida pública, a chanceler alemã mostra como está obcecada na
opressão de vários povos europeus. Angela Merkel quer a Europa de cócoras
perante os seus desígnios e faz de conta que não percebe estar a agitar um
barril de pólvora. Assim como assim, está por provar que o poderio
económico-financeiro se substitua à força das armas na subjugação dos povos.
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