O País (ao)
Há sempre um quê de
insegurança nas ruas angolanas, não apenas as de Luanda, porque o crime tem
vários rostos e as “justificações” mais “absurdas”.
E não apenas nas
ruas, a insegurança está também instalada entre paredes de famílias, quer as
mais agarradas a crenças sem sentido como as mais poderosas, algumas com poder
financeiro chegado de rompante, e que fazem da arrogância um cartão de visitas
para o novo status que ostentam.
E os crimes
sucedem-se, chocando a sociedade vezes sem conta.
Para os analistas,
olhando superficialmente para o assunto, a falta de iluminação pública está
entre as mais importantes para o cometimento de crimes. Isso se olharmos para a
delinquência, para o roubo, para os assaltos e violações, mas não explica tudo.
Para o superintendente
Divaldo Martins, “há uma relevância significativa e um valor preventivo na
iluminação dos espaços. Por um lado, as pessoas sentem-se mais seguras a andar
onde há luz e os delinquentes com maiores dificuldades de executar o crime num
local iluminado e movimentado”. E continua: “Mas estamos a falar de que crimes?
Do crime espontâneo, aquele realizado sem preparação, aproveitando a
oportunidade. Nem a luz evitaria crimes como o que vitimou “Tucho” Valério ou
do jovem que atirou a rapariga do sétimo andar depois de a violar, muito menos
do jovem que matou a namorada por não querer abortar. Nestes há uma falta de
luz interior, um apagamento das suas consciências, uma diminuição, momentânea
ou permanente, dos seus factores internos de controlo, induzida por uma
escuridão social”.
Desde pequenos
É corrente nas
escolas registarem-se lutas entre crianças. Algumas delas com uma violência
inesperada. E se não bastassem os gargalos de garrafas, as facas e pedras, vem
a linguagem que ilustra o perigo do descontrolo. Não raro, se ouve um deles a
ameaçar com um “vou te matá”.
Uma expressão
demasiado pesada para crianças e adolescentes, mas também um sinal da
convivência com a violência que ocupa os dias de muita gente, ao ponto de se
banalizar a agressão e a morte. O pior, diz um professor, é “a tendência da
criação de grupos de colegas, mas que actuam fora do perímetro escolar, e os
pais a leste de tudo”.
Crime e desemprego
Por outro lado, o
desemprego não explica todos os crimes. Segundo Divaldo Martins, os chamados
crimes de colarinho branco são em regra cometidos por pessoas normalmente bem
empregadas. Da mesma forma, o desemprego, a pobreza e todas as outras muletas
explicativas do crime, não justificam as violações, as agressões, os
homicídios”.
Os bancos angolanos,
por exemplo, são vítimas de roubos praticados por funcionários, portanto, gente
empregada. O PAÍS soube de um caso em que um funcionário de uma agência
bancária roubou o salário de uma colega que estava na pasta dela, três mil
dólares. A busca pelo dinheiro fácil poderá então ter muitas outras explicações
que não o desemprego apenas.
O país por igual
Se as causas podem
ser diversas para o mesmo crime, variando com o estatuto da pessoa, modo de
vida, crenças e locais, uma verdade deve ser conhecida, e essa verdade diz que
fora a mediatização, os crimes violentos e os de luva branca acontecem por todo
o país e tocam todas as classes sociais, o que aconselha a um estudo profundo e
à busca de soluções que, boa parte delas, passará pela melhoria das condições
de vida, pela mudança da mentalidade e pela formação.
No fundo, pode
dizer-se, pelo aumento das expectativas do cidadão para a resolução dos seus
problemas. Mas esta é apenas uma parte.
O PAÍS, na conversa
com Divaldo Martins, ouviu histórias que levantam, necessariamente, uma reflexão
que se impõe. E disse ele: “Há cerca de três meses, aqui em Saurimo” (porque o
oficial está a trabalhar na Lunda Sul, onde é segundo comandante da Polícia) “um
jovem na casa dos 20-30 anos assassinou a sua avó. Espancou-a até à morte,
depois cortou-lhe a cabeça, abandonando o corpo no local do delito, tendo
transportado a cabeça dentro de um saco para uma zona a mais de 20 km.
Questionado sobre os motivos, alegou que a velha era feiticeira, que impedia o
desenvolvimento dos membros mais jovens da família e teria sido responsável
pela morte de um primo, dias antes, por acidente de motorizada”. Uma nota que
explica o papel das crendices no cometimento de crimes e como para muita gente
mais vulnerável o espaço familiar é também um local inseguro.
“No mesmo período,
continuou o superintendente, “um grupo constituído por quatro jovens violou uma
rapariga. A seguir pegaram numa lâmina e cortaramlhe o clítoris, abandonando-a
a esvair-se em sangue. Felizmente a jovem foi socorrida por um jovem que
passava na zona e esta foi evacuada para Luanda”.
Mas se estamos a
falar de crimes horríveis, há o caso do “canibal”.
E conta-se de forma
rápida: Um jovem em Luanda vai visitar a irmã no Golfe. Esta, porque precisava
de ir ao mercado, pede-lhe para tomar conta do filho, um recém-nascido. Quando
ela regressa, não encontra nem um nem outro.
Investigações
feitas, o jovem é detido. E confessa que comeu o sobrinho. Acendeu um
fogareiro, esquartejou-o, assou algumas partes e, literalmente, comeu-o,
incluindo os genitais. Questionado, respondeu que o tinha feito porque uma
kimbandeira o havia garantido que procedendo assim arranjaria o emprego que
tanto buscava.
“Lembro ainda do
caso do Edson Mauro. No prédio defronte à Nilo, aos Coqueiros, um jovem descia
as escadas do seu prédio, apressado para ir ter com os amigos que o esperavam
na pastelaria. Poucos lances antes da saída, esbarra contra um outro jovem que
ia a subir. Não havia luz. Trocaram empurrões e bofetões e só não continuaram
porque um casal morador os afastou. Cada um seguiu à sua vida. Quando ia a
regressar à casa, o Mauro é travado à entrada do prédio por um grupo de jovens,
entre os quais o seu adversário de há instantes. Estava com os amigos, Os
Sandálias, um grupo da Maianga, que espancaram o Mauro até à morte. Era filho
único e tinha acabado de entrar para a universidade”, contou o oficial da
Polícia Nacional. Um outro exemplo de como a falta de iluminação pode facilitar
a criminalidade, mas também expõe o papel do grupo como activante de
comportamentos delinquentes e expõe as fragilidades da orientação familiar.
Há, portanto,
muitas linhas de reflexão a seguir e muito trabalho a fazer quanto à
criminalidade e à insegurança. Para já, o despertar da sociedade que marcha
contra a violência é apenas o começo.
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