sábado, 20 de outubro de 2012

Angola: “VOU TE MATÁ”

 

O País (ao)
 
Há sempre um quê de insegurança nas ruas angolanas, não apenas as de Luanda, porque o crime tem vários rostos e as “justificações” mais “absurdas”.
 
E não apenas nas ruas, a insegurança está também instalada entre paredes de famílias, quer as mais agarradas a crenças sem sentido como as mais poderosas, algumas com poder financeiro chegado de rompante, e que fazem da arrogância um cartão de visitas para o novo status que ostentam.
 
E os crimes sucedem-se, chocando a sociedade vezes sem conta.
 
Para os analistas, olhando superficialmente para o assunto, a falta de iluminação pública está entre as mais importantes para o cometimento de crimes. Isso se olharmos para a delinquência, para o roubo, para os assaltos e violações, mas não explica tudo.
 
Para o superintendente Divaldo Martins, “há uma relevância significativa e um valor preventivo na iluminação dos espaços. Por um lado, as pessoas sentem-se mais seguras a andar onde há luz e os delinquentes com maiores dificuldades de executar o crime num local iluminado e movimentado”. E continua: “Mas estamos a falar de que crimes? Do crime espontâneo, aquele realizado sem preparação, aproveitando a oportunidade. Nem a luz evitaria crimes como o que vitimou “Tucho” Valério ou do jovem que atirou a rapariga do sétimo andar depois de a violar, muito menos do jovem que matou a namorada por não querer abortar. Nestes há uma falta de luz interior, um apagamento das suas consciências, uma diminuição, momentânea ou permanente, dos seus factores internos de controlo, induzida por uma escuridão social”.
 
Desde pequenos
 
É corrente nas escolas registarem-se lutas entre crianças. Algumas delas com uma violência inesperada. E se não bastassem os gargalos de garrafas, as facas e pedras, vem a linguagem que ilustra o perigo do descontrolo. Não raro, se ouve um deles a ameaçar com um “vou te matá”.
 
Uma expressão demasiado pesada para crianças e adolescentes, mas também um sinal da convivência com a violência que ocupa os dias de muita gente, ao ponto de se banalizar a agressão e a morte. O pior, diz um professor, é “a tendência da criação de grupos de colegas, mas que actuam fora do perímetro escolar, e os pais a leste de tudo”.
 
Crime e desemprego
 
Por outro lado, o desemprego não explica todos os crimes. Segundo Divaldo Martins, os chamados crimes de colarinho branco são em regra cometidos por pessoas normalmente bem empregadas. Da mesma forma, o desemprego, a pobreza e todas as outras muletas explicativas do crime, não justificam as violações, as agressões, os homicídios”.
 
Os bancos angolanos, por exemplo, são vítimas de roubos praticados por funcionários, portanto, gente empregada. O PAÍS soube de um caso em que um funcionário de uma agência bancária roubou o salário de uma colega que estava na pasta dela, três mil dólares. A busca pelo dinheiro fácil poderá então ter muitas outras explicações que não o desemprego apenas.
 
O país por igual
 
Se as causas podem ser diversas para o mesmo crime, variando com o estatuto da pessoa, modo de vida, crenças e locais, uma verdade deve ser conhecida, e essa verdade diz que fora a mediatização, os crimes violentos e os de luva branca acontecem por todo o país e tocam todas as classes sociais, o que aconselha a um estudo profundo e à busca de soluções que, boa parte delas, passará pela melhoria das condições de vida, pela mudança da mentalidade e pela formação.
 
No fundo, pode dizer-se, pelo aumento das expectativas do cidadão para a resolução dos seus problemas. Mas esta é apenas uma parte.
 
O PAÍS, na conversa com Divaldo Martins, ouviu histórias que levantam, necessariamente, uma reflexão que se impõe. E disse ele: “Há cerca de três meses, aqui em Saurimo” (porque o oficial está a trabalhar na Lunda Sul, onde é segundo comandante da Polícia) “um jovem na casa dos 20-30 anos assassinou a sua avó. Espancou-a até à morte, depois cortou-lhe a cabeça, abandonando o corpo no local do delito, tendo transportado a cabeça dentro de um saco para uma zona a mais de 20 km. Questionado sobre os motivos, alegou que a velha era feiticeira, que impedia o desenvolvimento dos membros mais jovens da família e teria sido responsável pela morte de um primo, dias antes, por acidente de motorizada”. Uma nota que explica o papel das crendices no cometimento de crimes e como para muita gente mais vulnerável o espaço familiar é também um local inseguro.
 
“No mesmo período, continuou o superintendente, “um grupo constituído por quatro jovens violou uma rapariga. A seguir pegaram numa lâmina e cortaramlhe o clítoris, abandonando-a a esvair-se em sangue. Felizmente a jovem foi socorrida por um jovem que passava na zona e esta foi evacuada para Luanda”.
 
Mas se estamos a falar de crimes horríveis, há o caso do “canibal”.
 
E conta-se de forma rápida: Um jovem em Luanda vai visitar a irmã no Golfe. Esta, porque precisava de ir ao mercado, pede-lhe para tomar conta do filho, um recém-nascido. Quando ela regressa, não encontra nem um nem outro.
 
Investigações feitas, o jovem é detido. E confessa que comeu o sobrinho. Acendeu um fogareiro, esquartejou-o, assou algumas partes e, literalmente, comeu-o, incluindo os genitais. Questionado, respondeu que o tinha feito porque uma kimbandeira o havia garantido que procedendo assim arranjaria o emprego que tanto buscava.
 
“Lembro ainda do caso do Edson Mauro. No prédio defronte à Nilo, aos Coqueiros, um jovem descia as escadas do seu prédio, apressado para ir ter com os amigos que o esperavam na pastelaria. Poucos lances antes da saída, esbarra contra um outro jovem que ia a subir. Não havia luz. Trocaram empurrões e bofetões e só não continuaram porque um casal morador os afastou. Cada um seguiu à sua vida. Quando ia a regressar à casa, o Mauro é travado à entrada do prédio por um grupo de jovens, entre os quais o seu adversário de há instantes. Estava com os amigos, Os Sandálias, um grupo da Maianga, que espancaram o Mauro até à morte. Era filho único e tinha acabado de entrar para a universidade”, contou o oficial da Polícia Nacional. Um outro exemplo de como a falta de iluminação pode facilitar a criminalidade, mas também expõe o papel do grupo como activante de comportamentos delinquentes e expõe as fragilidades da orientação familiar.
 
Há, portanto, muitas linhas de reflexão a seguir e muito trabalho a fazer quanto à criminalidade e à insegurança. Para já, o despertar da sociedade que marcha contra a violência é apenas o começo.
 

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