La
Tribune, Paris – Presseurop - imagem Vlahovic
Uma semana após a
demissão do comissário europeu John Dalli, continuam a crescer as suspeitas de
conspiração contra ele, numa altura em que se preparava para apresentar um
texto de grande severidade em relação aos produtos de tabaco. A um alegado
tráfico de influências, acrescenta-se um estranho caso de assalto à sede dos
ativistas antitabagistas.
É um enredo digno
de John Le Carré, que pode tornar-se uma fonte de embaraço para o presidente da
Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, pois envolve grupos de pressão,
"big money" e agora também manobras de bastidores.
Segundo
um inquérito do OLAF (Organismo europeu de Luta Antifraude), um tal Zammit
Silvio, empresário maltês, teria proposto à Swedish Match, fabricante sueco de
charutos e tabaco de mascar, que interviesse numa modificação do projeto de
diretiva em curso sobre o tabaco, em troca de um envelope com... €60 milhões. O
relatório do OLAF foi enviado a Durão Barroso em 15 de outubro. A 16, a
Comissão Europeia anunciou em
comunicado de imprensa que o comissário John Dalli, responsável pela legislação sobre
tabaco, "apresentou a
demissão", no seguimento desta investigação. Em 17 de outubro, a
Comissão Europeia abriu o gabinete de imprensa – facto de enorme raridade – ao
diretor-geral do OLAF, Giovanni Kessler, para fornecer pormenores sobre esta
investigação aos correspondentes europeus.
Suspensão da
diretiva por tempo indefinido
Como consequência
imediata desta demissão, a adoção do projeto de diretiva sobre os produtos do
tabaco pela Comissão Europeia foi suspensa por tempo indeterminado, por falta
de um comissário que assuma a sua "responsabilidade política". Ora, o
texto devia entrar, em 22 de outubro, na fase final de preparação, para adoção
nas semanas seguintes.
Imediatamente, as
organizações europeias de luta contra o tabaco vieram a terreiro. O SmokeFree Partnership, um grupo
de pressão antitabaco, viu na renúncia do comissário "um facto muito
desajustado", nas palavras da sua diretora, Florence Berteletti Kemp. A
saída da diretiva vem sendo protelada, mês após mês, há mais de um ano. Os
antitabagistas veem esfumar-se as possibilidades de ser adotado ainda durante o
mandato que termina em 2014. Após a aprovação do projeto pelos comissários, há
de facto um longo processo legislativo a percorrer, em Conselho de Ministros e
no Parlamento Europeu, antes da votação final.
Vários computadores
desaparecidos
Em 18 de outubro,
os funcionários da Smokefree Partnership (SFP) tiveram uma surpresa
desagradável, quando entraram na Rue de Trêves, 49-51, no coração do bairro
europeu: os seus escritórios tinham sido revistados durante a noite. Vários
computadores desapareceram, as pastas foram vasculhadas.
Das duas dezenas de
organizações com sede no edifício, apenas três foram assaltadas: a do SFP,
a da European Public Health Association e a
da European Respiratory Society. São
precisamente as ONG que estão em guerra aberta contra as multinacionais do
tabaco, que acusam de "bloquear, alterar e adiar" a nova legislação,
para citar o título de um relatório
de cerca de cem páginas sobre as pressões da indústria do tabaco, encomendado
pela SFP e várias organizações de luta contra o cancro.
De acordo com a
investigação preliminar, os assaltantes conseguiram contornar o sistema de
vigilância. Terão penetrado no edifício de oito andares a partir do telhado,
descendo pela fachada, e entrado pelas varandas, saindo pela porta da entrada
com nada menos de uma dúzia de computadores portáteis debaixo do braço.
Com este assalto, o
escândalo político eclodiu. Depois do anúncio da sua demissão espontânea, o
ex-comissário John Dalli comentou que foi levado a sair. "A porta estava
aberta e, ou eu saía por minha iniciativa, ou era forçado a fazê-lo", contou esta semana no site
euractiv.com. Para a Comissão, esta demissão "foi apresentada"
por John Dalli ao presidente Barroso "na presença de testemunhas".
Queixa por
tentativa de suborno
Nos últimos meses,
o projeto de diretiva foi bloqueado várias vezes, nomeadamente a pedido do
Serviço Jurídico e do Secretariado-Geral da Comissão, o que provocou a ira de
diversos países, nomeadamente a Irlanda, que está tradicionalmente na vanguarda
da luta contra o tabaco.
John Dalli avisou,
em abril de 2012, que seria de uma grande firmeza, para gáudio das organizações
antitabagistas. Segundo raras fugas de informação, a proposta previa a
manutenção da proibição de tabaco de mascar produzido pela sueca Swedish Match,
que só é, presentemente, autorizado na Suécia, e com ressalvas. Aliada desde
2009 ao grupo Philip Morris, a Swedish Match está na origem de uma queixa
contra o comissário Dalli. Este tencionava também contrariar as estratégias de
marketing dos gigantes do tabaco, que jogam a cartada das embalagens de formas
originais para atrair clientes, nomeadamente do sexo feminino. O projeto iria
finalmente impor a "embalagem despojada", ou seja, uma embalagem
neutra e pouco atraente, e a proibição de escaparates visíveis em tabacarias ou
quiosques.
Em maio de 2012, a
Swedish Match apresentou queixa por tentativa de suborno [de Dalli]. O OLAF,
cujos inquéritos se arrastam habitualmente por vários anos, tratou-a com uma
celeridade invulgar, tendo o relatório final sido formalmente apresentado ao
presidente da Comissão cinco meses depois. Não se trata de um documento final e
não determina "nenhuma prova da participação" do comissário, segundo
declaração da Comissão, em 16 de outubro.
Um porta-voz
garantiu, na quarta-feira, que a Comissão irá apresentar o projeto de diretiva
"nas próximas semanas", mas será necessário aguardar a nomeação do
sucessor de John Dalli. Para os ativistas antitabaco, a probabilidade de o
texto chegar ao fim do percurso legislativo antes do final do mandato da
Comissão e do Parlamento são mais remotas que nunca. Se transitar para o
próximo mandato, a indústria do tabaco ganha pelo menos um ano antes da
aplicação das previstas medidas restritivas. Um ano mais, já que, inicialmente,
o projeto estava anunciado para o verão... de 2011.
Diretiva antitabaco
Bruxelas quer
evitar que grandes tabaqueiras tirem partido do “Dalligate”
O comissário
responsável pelas Relações Interinstitucionais e da Administração, o eslovaco
Maroš Ševčovič, foi encarregado, de urgência, de assegurar interinamente a
pasta de John Dalli na Saúde e Política dos Consumidores enquanto espera que
Malta designe o seu substituto, o que deverá acontecer até meados de novembro.
Ševčovič disse ao diário de Bratislava SME que deverá garantir que a nova
diretiva sobre o tabaco em que Dalli estava a trabalhar “seja adotada o mais
depressa possível”. Mais restritiva que as anteriores, entre outras coisas,
prevê avisos mais severos nos maços de cigarros e limitações para os cigarros
aromáticos e eletrónicos.
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