Rui Lamarques – Verdade (mz)
Poucos citadinos de
Maputo e Matola sabem que o carvão vegetal, que a ele recorrem para preparar as
suas refeições, é explorado numa zona onde não há alimentos por cozer nem água
para consumo. Indiferentes à sorte dos nativos, animados pelo lucro e insensíveis
a questões ambientais, os exploradores de carvão não param de desmatar Chigubo,
um distrito a norte de Gaza assolado pela seca. Em muitas localidades não se
conhece água potável, ainda que seja possível encontrar nos pequenos charcos
que se formam depois de uma chuva rarefeita. Milhares de cabeças de gabo bovino
servem como marcador de prestígio: os donos preferem cavar raízes de árvores
para se alimentar a vender um animal.
Em pleno campo, na
localidade de Zinhane, distrito de Chigubo, numa manhã de Verão que acompanhou
a equipa do @Verdade, um charco de água barrenta, inesperado, destoa na
paisagem árida que os nossos olhos alcançam. À beira da poça, um grupo de
mulheres e crianças aprovisiona água em recipientes de 25 litros. Ao lado, duas
dezenas de animais domésticos, entre bois e cabritos, também matam a sede.
Visto de fora, o
quadro poderia fazer lembrar as imagens que o Moçambique urbano conhece de
países como a Somália. Mas, aqui, a presença de uma equipa que não cruzou
nenhuma fronteira não permite pensar que se trata de uma outra nação. Estamos
no Moçambique profundo. Apesar de o charco se encontrar em Zinhane, aqui também
estão residentes de outras localidades. Há pessoas de Machaila, uma localidade
que dista 24 quilómetros.
Há três semanas, nem
este charco existia e as pessoas tinham de comprar água de especuladores que a
transportavam de outros pontos da província. “Alguns camionistas trazem
regularmente água de Mapai e vendem 25 litros por 50 meticais”, conta Celeste,
funcionária do único estabelecimento comercial de Machaila. Mapai é um posto
administrativo do distrito de Chicualacuala e dista 107 quilómetros de Machaila.
O preço da água é
muito cara para os bolsos dos residentes de Machaila, mas quando os
especuladores trazem as pessoas lutam para adquirir.
Em Machaila existe
um fontenário, mas o líquido que jorra é salgado. Tão salgado como a água do
mar. Quando as pessoas daquela localidade não conseguem encontrar aquele bem de
consumo dos charcos recorrem àquela fonte.
Ainda assim,
adquirir por tal preço é um luxo que nem todos bolsos suportam. Mesmo a água
barrenta dos charcos que se formam sempre que o céu liberta algumas gotas é
comercializada por um preço menor, mas igualmente oneroso para os bolsos da
maior parte dos residentes de Chigubo. “10 meticais o bidão”.
Efectivamente,
devido aos padrões de precipitações escassas e erráticas nas áreas áridas e
semiáridas do sul de Moçambique, nos últimos dois anos, Chigubo virou uma zona
de risco de segurança alimentar, segundo os dados da avaliação multissectorial
sobre “Água, Saneamento, Higiene e Segurança Alimentar” da Oxfam. Embora os
números indiquem que 10 mil pessoas (metade da população) foram afectadas, o
cenário no terreno mostra um quadro bem mais negro e preocupante.
67 porcento da
produção esperada ficou afectada. Por outro lado, o Relatório da Monitoria da
Situação de Segurança Alimentar e Nutricional, do Ministério da Agricultura
(MINAG), refere que as reservas alimentares duraram até Agosto. Um dado que é
veementemente desmentido pela realidade no terreno e as vozes dos residentes
que afirmam que o problema da fome começou em 2006 e se agravou nos últimos
dois anos.
O que o documento
do MINAG ignora é que a maior parte da população vive distante das principais
localidades e postos administrativos. Em locais literalmente intransitáveis.
Situação que limita as suas estratégias de sobrevivência e acesso aos
alimentos, como também faz com que tais comunidades sejam deixadas de lado
pelas estatísticas do MINAG.
A título de
exemplo, a área plantada no Posto Administrativo de Chigubo, em 2011, foi de
5442 hectares, dos quais 4352 foram perdidos. Em 2012, 3.865 hectares foram
trabalhados pelos agricultores e a perda foi de 1.284 hectares. A produção
esperada registou 20 porcento no primeiro ano e sofreu uma redução de cerca de
92 porcento no segundo.
A pequena Marta
Com um bidão cheio
equilibrado na cabeça, Marta, de 14 anos de idade, prepara-se para andar 24 dos
48 quilómetros que percorre diariamente para obter água depois que o charco se
formou.
Muitas raparigas
são forçadas a abandonar os estudos por causa das distâncias que têm de
percorrer à procura do precioso líquido.
Em Chigubo, o
acesso a água, segundo a avaliação multissectorial, “é crítico e as mulheres e
as crianças investem muito tempo na sua recolha e no abeberamento dos animais.
No que diz respeito às fontes, a avaliação bem mais simpática diz que se
“situam a uma distância de 14 a 17 quilómetros das comunidades”. A média de
água por família é de 25 litros por dia e 10 nas famílias afectadas.
Embora as crianças,
flores que nunca murcham no discurso oficioso, mereçam a oportunidade de ser
felizes e de frequentar o ensino escolar, no coração de Chigubo as fontes de
água é que determinam o futuro das crianças no que ao ensino diz respeito. A
seca e a impotência da administração local transformaram o distrito no pior dos
pesadelos para quem quer estudar.
Na Escola Primária
Completa de Chamaila, por exemplo, estudam actualmente 215 alunos, mas no
início do ano lectivo o número chegava de quase o dobro de crianças. Na sede
distrital, Dindiza, o cenário repete-se. Nesta altura do ano as turmas têm
metade dos alunos que iniciaram este exercício lectivo.
Custo de vida
O mercado de
Chamaila é disso um exemplo elucidativo. As três bancas que o compõem estão
despidas de produtos de primeira necessidade. A única coisa que pode ser
encontrada é petróleo de iluminação. Em Zinhane e Dindiza, embora haja mais
produtos expostos, a situação não é muito diferente.
No mercado de
Dindiza não é possível comprar uma galinha porque ninguém vende. As festas de
final de ano também desconhecem carne de vaca, embora existam cerca de 20
cabeças de gado em todo o distrito.
Os residentes têm de
trazer quase tudo de Chókwè. Uma recarga de telefone, cujo preço em Maputo é de
100 meticais, aqui custa 120. Um varão de seis milímetros custa 48 meticais em
Chókwè, mas quando chega ao posto Administrativo de Dindiza o custo total,
incluindo transporte, fica 25 meticais mais caro.
Que Moçambique
pertence a um grupo de países em vias de desenvolvimento – o chamado terceiro
mundo – torna-se mais palpável quando se pisam os 13952 quilómetros quadrados
da superfície de Chigubo onde há muita fome, mas quase nada para comprar. (continua)
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