Eduardo Oliveira
Silva – i online, opinião
Quem não quer ser
lobo não lhe pode vestir a pele
O lume baixou, o
fervilhar interior da panela diminuiu, o pipo actuou e a pressão interna desceu
por via da evaporação. Em síntese, foi isso que as últimas horas trouxeram, o
que permite admitir que o governo vai ultrapassar esta fase de grande dificuldade,
embora poucos acreditem que tem condições para chegar ao fim dos três anos que
lhe faltam, incluindo alguns dos seus integrantes ou apoiantes
É natural que,
depois de ter engolido um enorme sapo, o CDS actue por pequenas bravatas na
discussão do Orçamento na especialidade, para tentar não sair esmagado pelo
contra-ataque fulgurante de Passos Coelho que deixou Portas no pau da roupa.
O melhor que o CDS
conseguiu apresentar ao fim de mais uma guerra em que se andou perto da
ruptura, da demissão do ministro Vítor Gaspar (o verdadeiro numero dois do
governo), foi a garantia de que votará o Orçamento mas procurando “melhorar
aspectos da proposta” (!!!).
Há depois mais uma
série de palavras que resumidamente significam pura e simplesmente o seguinte:
com certeza que aceitamos porque não há outra solução e não queremos fazer cair
o governo.
Ponto final na
história. Portas foi derrotado. Passos e Gaspar ganharam. Outras conclusões não
se podem tirar. É de esperar que Portas tome boa nota da lição e recorde que
quem não quer ser lobo não lhe deve vestir a pele.
Noutros momentos, a
tensão na coligação voltará a subir para níveis tão graves como este, ou mais.
E, se não for antes, tome-se nota na agenda de que, se subsistir, o governo
terá dentro de exactamente um ano momentos muito difíceis, ao ver-se
confrontado com outro Orçamento, mas aí em vésperas de autárquicas, o que
também pode ser explosivo.
Nessa altura é bem
provável que os ecos dispersos de descontentamento que o aparelho do PSD deu
este ano tenham uma outra sonoridade e até eventualmente outra repercussão.
A esperança é que
até lá a economia não estoire totalmente, como alguns admitem.
O Orçamento deste
ano, para além do napalm fiscal que destrói a classe média, sustenta o Estado e
o sistema social, comporta um número que não deixa de ser muito estranho.
Baseia-se num
pressuposto de que a recessão andará por 1%, enquanto as instâncias
internacionais apontam para 2% e uma análise à vista desarmada por um qualquer
cidadão apontará para valores próximos do deste ano, ou seja perto de 3%.
A questão essencial
com que os portugueses se confrontam agora prende-se com o efeito concreto que
terão as medidas inscritas no Orçamento que vai passar.
Por muito que se
concorde com a necessidade de austeridade, há um ponto que parece impossível de
ultrapassar a contento. É que o aumento de impostos vai pesar muito nas
famílias e nas empresas, já altamente endividadas, e, assim sendo, o
agravamento tributário irá impedi-las de fazer face às dívidas contraídas.
Entre as duas
coisas, os visados pagarão obviamente os impostos, até porque lhes são em regra
deduzidos de imediato e porque o Estado tem mecanismos coercivos rapidíssimos.
Também por isso é
de esperar que a recessão tenha uma expressão maior que o previsto, mas desta
vez Vítor Gaspar até pode acertar.
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