quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Portugal: GASPAR, O FINÓRIO CÍNICO

 

Jornal de Notícias, opinião
 
Quem não teve disponibilidade de tempo ou suficiente abertura de espírito para seguir os trabalhos da comissão parlamentar do Orçamento, ontem de manhã, não sabe o que perdeu. Só por si, a presença do ministro das Finanças é toda uma atração...
 
O ar catedrático de Vítor Gaspar aplica-se a muitos cidadãos; já o misto de um estilo entre o pausado e o cínico andará perto de ser exclusivo, o bastante para ser apreciado pelos seus apoiantes - em número cada vez mais reduzido - e exasperar o mais pachorrento dos membros da legião de críticos em crescimento todos os dias.
 
As projeções orçamentais do ministro das Finanças são um fiasco mês a mês? A decisão de tentar corrigir défices através de novas doses de austeridade pela via da receita tem todos os condimentos para fazer afundar ainda mais o país? Sim, a factualidade negativa não leva o ministro a tergiversar e, por isso, a caracterização do seu perfil passa em muito pela crendice de vão de escada, a obediência cega a interesses terceiros ou, na melhor das hipóteses, a uma inconfessada agenda ideológica para a qual lhe têm dado rédea solta.
 
Se as decisões de Vítor Gaspar legitimam ângulos de análise mais ou menos benignos, difícil é não qualificar alguns dos seus raciocínios de absolutamente cínicos ou despojados de sentido.
 
O ministro das Finanças será um poço de defeitos, mas, até agora, não se lhe conhecem "lapsus linguae". Diz, de modo metódico, o que quer que se saiba ou decifre. E ontem repetiu a graça ao considerar existir "um enorme desvio entre o que os portugueses acham que devem ter como funções do Estado e os impostos que estão dispostos a pagar". Ou seja: em tradução livre Vítor Gaspar considerará terem os portugueses a predileção de viver sempre na dependência de um Estado tutor, mas torcendo o nariz à necessidade de sustentar pela via fiscal as despesas de um esquema tão monstruoso. Numa visão desapaixonada, Vítor Gaspar até tem razão atendendo à estafada tendência nacional apologista da socialização dos custos e privatização dos lucros.
 
O que seria a verificação de um comportamento nacional defeituoso peca, porém, pela contradição do ministro. Por um lado, os portugueses (também) rezingam ao excesso de impostos pela ineficácia de muitos serviços do Estado por si pagos e, por outro, é Vítor Gaspar a colocar o dedo na ferida quando admite que "a verdadeira carga fiscal é a despesa pública" e a sua redução "exige repensar funções do Estado e alterar profundamente a estrutura do Estado".
 
Aí está o pecadilho principal: o Governo de que às vezes Vítor Gaspar parece ser primeiro-ministro está em funções há bem mais de um ano e foi até agora incapaz de emagrecer a estrutura de um Estado clientelar. O ministro das Finanças é um dos que tiveram até agora coragem para castigar os bolsos dos portugueses, mas foi incapaz de afrontar os interesses instalados.
 

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