Jornal de Notícias,
opinião
Quem não teve
disponibilidade de tempo ou suficiente abertura de espírito para seguir os
trabalhos da comissão parlamentar do Orçamento, ontem de manhã, não sabe o que
perdeu. Só por si, a presença do ministro das Finanças é toda uma atração...
O ar catedrático de
Vítor Gaspar aplica-se a muitos cidadãos; já o misto de um estilo entre o
pausado e o cínico andará perto de ser exclusivo, o bastante para ser apreciado
pelos seus apoiantes - em número cada vez mais reduzido - e exasperar o mais
pachorrento dos membros da legião de críticos em crescimento todos os dias.
As projeções
orçamentais do ministro das Finanças são um fiasco mês a mês? A decisão de
tentar corrigir défices através de novas doses de austeridade pela via da
receita tem todos os condimentos para fazer afundar ainda mais o país? Sim, a
factualidade negativa não leva o ministro a tergiversar e, por isso, a
caracterização do seu perfil passa em muito pela crendice de vão de escada, a
obediência cega a interesses terceiros ou, na melhor das hipóteses, a uma
inconfessada agenda ideológica para a qual lhe têm dado rédea solta.
Se as decisões de
Vítor Gaspar legitimam ângulos de análise mais ou menos benignos, difícil é não
qualificar alguns dos seus raciocínios de absolutamente cínicos ou despojados
de sentido.
O ministro das
Finanças será um poço de defeitos, mas, até agora, não se lhe conhecem
"lapsus linguae". Diz, de modo metódico, o que quer que se saiba ou
decifre. E ontem repetiu a graça ao considerar existir "um enorme desvio
entre o que os portugueses acham que devem ter como funções do Estado e os
impostos que estão dispostos a pagar". Ou seja: em tradução livre Vítor
Gaspar considerará terem os portugueses a predileção de viver sempre na dependência
de um Estado tutor, mas torcendo o nariz à necessidade de sustentar pela via
fiscal as despesas de um esquema tão monstruoso. Numa visão desapaixonada,
Vítor Gaspar até tem razão atendendo à estafada tendência nacional apologista
da socialização dos custos e privatização dos lucros.
O que seria a
verificação de um comportamento nacional defeituoso peca, porém, pela
contradição do ministro. Por um lado, os portugueses (também) rezingam ao
excesso de impostos pela ineficácia de muitos serviços do Estado por si pagos
e, por outro, é Vítor Gaspar a colocar o dedo na ferida quando admite que
"a verdadeira carga fiscal é a despesa pública" e a sua redução
"exige repensar funções do Estado e alterar profundamente a estrutura do
Estado".
Aí está o pecadilho
principal: o Governo de que às vezes Vítor Gaspar parece ser primeiro-ministro
está em funções há bem mais de um ano e foi até agora incapaz de emagrecer a
estrutura de um Estado clientelar. O ministro das Finanças é um dos que tiveram
até agora coragem para castigar os bolsos dos portugueses, mas foi incapaz de
afrontar os interesses instalados.
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