Quais as relações entre mega-furacão Sandy e aquecimento global? Até quando governos permanecerão apáticos diante dos riscos de catástrofe climática?
Antonio Martins –
Outras Palavras
Os desastres
provocados pelo aquecimento global podem assumir novas dimensões — concretas e
simbólicas — nas próximas horas. Depois de se formar nas águas quentes do
Caribe por volta do dia 20 e de ter provocado ao menos 67 mortes (51 das quais
no Haiti), o furacão Sandy desviou-se para noroeste, ontem à noite,
adquiriu velocidade e força e deve atingir, esta noite (29/10) a região mais
povoada e rica dos Estados Unidos — a costa Nordeste. Os riscos de que castigue
Nova York são, a esta altura (29/10, 15h), calculados em 93%.
Todas as
observações feitas até o momento sugerem tratar-se de uma tormenta com poder de destruição extremo — a ponto de “ocupar um lugar
na história do clima”, segundo escreveu,
impressionado, o meteorologista Stu Ostro, do Weather Channel. Por isso, até
mesmo poder, dinheiro e técnica, símbolos do domínio humano sobre a natureza,
curvaram-se. Barack Obama e Mitt Rommey suspenderam suas campanhas, a uma
semana das eleições para a Presidência. Em Nova York, as bolsas de valores
sequer abriram hoje. Metrô, trens e ônibus deixaram de operar desde ontem à
noite. Mais de 8 mil voos foram cancelados. Cerca de 370 mil pessoas foram
removidas de suas casas e abrigadas em colégios. Numa cidade muito próxima do
nível do mar, teme-se, além dos ventos, os efeitos das ondas e inundações.
Uma coincidência
infeliz pode fazer com que o Sandy choque-se, ao derivar para o continente, com
dois outros fenômenos atmosféricos graves, no nordeste dos EUA. De oeste para
leste, desloca-se uma zona de baixas pressões, em altitude média. Do ártico,
chega uma massa de ar frio polar. Alguns estudiosos temem que o choque acabe
ampliando o poder destrutivo da tormenta principal.
Mas a força
principal por trás de tempestades desta magnitude é o aquecimento global. Em
fevereiro deste ano, Outras Palavras publicou “A era dos extremos climáticos começou“, um artigo de dois
estudiosos ligados ao Earth
Policy Institute. Baseados em vasta pesquisa de dados estatísticos, eles
apontavam a clara correlação entre a elevação da temperatura atmosférica da
Terra — 2011 integra uma sequência de anos muito quentes, conforme o gráfico
acima — e fenômenos como grandes tempestades, cheias, secas ou ondas de calor.
A análise é abrangente (os dados compilados vão das chuvas devastadoras na
região serrana do Rio de Janeiro, naquele ano, à estiagem prolongada no Chifre
da África, que pode ter causado 50 mil mortes por inanição). Um dos pontos
destacados, porém, é o aumento da incidência e da força das tempestades
tropicais.
Estudos mais
específicos ajudam a compreender em detalhes a relação entre fenômenos como o
Sandy e o aquecimento global. Em junho deste ano, três cientistas publicaram,
no jornal da Academia Nacional de Ciências dos EUA, uma análise de todas as grandes tempestades tropicais
registradas no país desde 1923. Sua conclusão é clara: fenômenos climáticos com
a intensidade do furacão Katrina (que devastou Nova Orleans, em 2005) são são
duas vezes mais frequentes em anos de temperaturas elevadas. Ainda mais
eloquentes são os trabalhos científicos [1 2 3] que estão relacionando o aumento da extensão e do poder
destrutivo das grandes tempestades com o derretimento do Oceano Ártico e as
mudanças de temperatura no Atlântico Norte.
Uma estonteante
cegueira tem impedido, até agora, que a sociedade norte-americana compreenda os
riscos a que está submetida pela mudança climática. Noam Chomsky aponta, em
outro texto recente (“Alienação à moda dos EUA“) como o tema é ocultado da
opinião pública mesmo durante a campanha eleitoral. Sobre aquecimento global,
diz ele, as diferenças entre os dois partidos “dizem respeito a quão
entusiasticamente os ratos devem marchar até o abismo”…
Ontem, quando ficou
claro que a tempestade Sandy rumaria para o nordeste dos Estados Unidos, um
grupo de ativistas tentou quebrar este silêncio. Articulados pela rede 350.org, eles abriram, em plena Times Square, de Nova York,
uma grande faixa exigindo: “chega de silêncio sobre o clima”.
Chomsky encerra seu
artigo sobre campanhas eleitorais e alienação lembrando que, em épocas de
declínio da democracia, a política institucional conduz de fato para o
supérfluo e banal — mas as sociedades não estão obrigadas a aceitar este
declínio. “A passividade costuma ser o caminho mais fácil, porém, quase nunca,
o honroso”, lembra ele. Oxalá os desastres causados pelo Sandy sejam moderados
— e ele sirva de alerta para evitar a grande catástrofe climática que
continuará se armando, se as sociedades não forem capazes de pressionar os
Estados.
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