O investigador da
Universidade do Minho Sergio Denicoli afirmou, esta terça-feira, que há
"fortes indícios" de corrupção na implementação da Televisão Digital
Terrestre em Portugal e sublinhou que o processo foi conduzido de forma a
"não funcionar".
"Houve uma
Televisão Digital Terrestre (TDT) planeada muito diferente da que foi
implementada. Foram prometidos, por exemplo, muitos canais, mas ficou-se apenas
pelos quatro que já existiam no analógico. Isso ocorreu por interferências
políticas e económicas, o que nos leva a crer que pode ter havido a captura do
regulador pela Portugal Telecom [PT], ou seja, a Anacom teria trabalhado em
favor da PT", disse à Lusa o investigador.
Sérgio Denicoli
defendeu hoje, na Universidade do Minho, a sua tese de Doutoramento em Ciências
da Comunicação, especialidade de Sociologia da Comunicação e da Informação,
intitulada "A implementação da televisão digital terrestre em
Portugal".
O investigador
sublinhou à Lusa que a PT foi, "de longe, a principal beneficiada"
com a TDT, tendo conseguido 715 mil novos clientes para a MEO.
"Naturalmente,
não interessava à PT que a TDT tivesse muitos canais e a entidade reguladora
[Anacom] permitiu isso, beneficiando grupos económicos em detrimento do
interesse público", referiu.
E acrescentou que,
segundo a organização não-governamental Transparência Internacional, esta
atuação configura "uma espécie de corrupção, pois utiliza algo público de
forma a garantir lucros privados".
"Não posso
afirmar categoricamente que houve corrupção, pois cabe à Justiça tal
constatação, mas posso dizer que há fortes indícios e que é importante que as
autoridades competentes façam uma averiguação", acrescentou.
O investigador
disse que as questões técnicas não foram devidamente explicadas à população,
numa estratégia "deliberada ou não" que serviu para "legitimar
decisões contrárias ao interesse público", beneficiando sobretudo grupos
económicos, cujos laços com o poder político são evidentes".
"No caso da
Portugal Telecom, que receberia o direito de utilização de frequências da TDT,
a ligação era mesmo simbiótica, oficializada por meio de 'golden shares' do
Estado na empresa e também através de ações da PT detidas pelo banco público
Caixa Geral de Depósitos", afirmou.
Segundo Sergio
Denicoli, a TDT que existe hoje em Portugal "foi feita para não funcionar,
para apresentar falhas, para oferecer poucos canais e serviços interativos
limitados, de forma a incentivar a migração da população para serviços de TV
por subscrição".
O investigador
referiu que, somente no período de implementação da TDT (2009 a 2012), a TV
paga em Portugal cresceu mais de 32,3%.
"E estamos a
falar de um período de crise económica. Isso, certamente, deve-se à fraca
oferta da TDT. Hoje, o que verificamos é que o sinal da TDT apresenta falhas
constantes, devido a erros técnicos que poderiam ser evitados", apontou.
Para o
investigador, em Portugal, ao contrário do que acontece noutros países da União
Europeia, "as autoridades públicas legislaram respondendo primordialmente
aos interesses empresariais" e não se preocuparam sistematicamente com a
população ou com a inclusão digital.
O país "não
aproveitou a tecnologia disponível para proporcionar às pessoas uma televisão
em sinal aberto de qualidade equiparável aos serviços de TV por subscrição,
mesmo havendo plenas condições para tal", considerou.
"Os lóbis
económicos, que, no caso português, parecem ser intrínsecos aos lóbis
políticos, conseguiram fazer com que fosse estabelecido um modelo de TDT de
qualidade muito inferior ao apresentado pela maioria dos países da União
Europeia e muito aquém do que os operadores de TV paga ofereciam aos seus
clientes", criticou.
Sem comentários:
Enviar um comentário