Verdade (mz)
Há pelo menos 250
mil pessoas a passar fome em
Moçambique. O número, avançado pelo Relatório de Monitoria da
Situação de Segurança Alimentar e Nutricional (RMSSAN), do Ministério da
Agricultura, poderá estar muito aquém da realidade. Contudo, os dados estatísticos
escasseiam...
O nome é Regininha.
Tem 14 anos e vive com a família em Cahora Bassa , na agreste província de Tete. A
grande seca deixou os pais e os irmãos de Regininha com um problema: comer.
Regina é uma menina esperta e trabalhadora. Tem uma força de vontade incomum e
resistência ao sofrimento surpreendente.
A sua experiência
de vida, em Changara, é muito diferente da que tiveram os adolescentes que
vivem na capital do país. Já percorreu quilómetros para encontrar água. A sua
mãe estava junto dela nessas longas maratonas.
A personagem
descrita nas linhas acima percorreu quilómetros para não morrer de fome. Hoje
tem 54 anos de idade, mas ainda conserva o apelido de infância, Regininha.
Regina saiu de Changara e agora trabalha como doméstica na Vila de Songo, há
muitos anos, e a sua história de vida não é uma excepção. Neste exacto momento,
milhares de Regininhas experimentam a força da fome em todo o país.
Ainda comem
regularmente, mas comem pouco, muito menos do que gostariam ou, mais grave, do
que necessitam para se manter medianamente nutridos. A situação nos distritos
onde a fome montou uma tenda é tenebrosa. A fome está apenas a começar em
alguns distritos mais castigados. Mas deve piorar. Não há sinal de chuva, nem
previsão de que venha.
O fenómeno da fome
em Moçambique não leva à subnutrição evidente e nem mata “de um dia para o
outro”, mas tem consequências graves a longo prazo, afirma Manuel Macamo,
professor universitário, que calcula que entre 35 a 40 porcento das famílias
que vivem em zonas de risco possam ter “uma despesa com alimentação inferior
àquela que se estima necessária para satisfazer as suas necessidades
alimentares básicas”.
Efectivamente,
cerca de 255.300 estão em situação de insegurança alimentar, necessitando de
assistência num período compreendido entre 1 a 6 meses, dependendo da situação
nos distritos.
Refira-se, contudo,
que os distritos mais críticos em termos de insegurança alimentar são: Maputo
(Magude, Moamba, Namaacha e Boane), Gaza (Chigubo e Chicualacula), Inhambane
(Funhalouro, Panda e Mabote), Sofala (Búzi, Machanga, Muanza, Nhamatanda, Chemba,
e Gorongosa) e Tete (Mutarara, Changara, Cahora Bassa, Chiúta, Moatize e
Magoe).
Efectivamente, os
baixos níveis da resiliência dos agregados familiares, devido à pobreza causada
por vários factores, tais como a imprevisibilidade dos rendimentos e o esgotamento
das reservas alimentares e de outros bens produtivos, nos últimos três anos e
com condições de períodos de seca, provocaram baixos níveis de poder de compra
o que limita o acesso económico aos alimentos, especialmente provenientes de
mercados.
De acordo com o
RMSSAN a situação de vulnerabilidade está “a ser agravada pelo impacto negativo
das condições de seca moderada, que afecta especialmente a produção de
alimentos e outras fontes de rendimento das famílias” tais como o “autoemprego
nas zonas áridas e semiáridas do país".
Refira-se, contudo,
o Índice de Satisfação das Necessidades Hídricas (WRSI), actualizado em Março
de 2012, deu a indicação de que a seca de meia estação que afectou a zonas sul
e centro de Moçambique poderia provocar quebras nas colheitas abaixo da média
nacional. Contudo, a zona norte do país registou um desempenho relativamente
satisfatório das culturas. Porém, teve um desempenho entre médio e medíocre nas
áreas semi-áridas na zona centro.
A dureza da seca
pode, às vezes, dar a impressão de que a tragédia está em toda a parte. Mas é
falso imaginar que a totalidade dos cidadãos que vive em áreas afectadas pela
seca passam fome. Nas áreas atingidas pela fome vivem 650 mil pessoas. Desse
total, 253 moram nas zonas mais críticas. Estima-se que nesse grupo de 253 haja
perto de 100 mil indefesos em épocas de onde a chuva escasseia como esta.
Não há, no país,
aquelas pessoas esquálidas das fomes da Somália, que aparecem na televisão com
uma camada finíssima de pele enrugada sobre o esqueleto totalmente visível. Mas
as vítimas da seca já estão começando a experimentar a sensação de estômago
vazio dia após dia, noite após noite. E a situação pode ficar escandalosamente
pior.
Em Chigubo, dados
do relatório do MINAG estimam que pelo menos 150 mil pessoas tenham apenas uma
refeição por dia. Outros há que comem uma única vez dia sim, dia não. Em
Funhalouro, a situação é igualmente crítica. Em Cahora Bassa , bem
perto da barragem que leva corrente eléctrica para a vizinha África do Sul, as
reservas de alimentos acabaram em Agosto de 2012. Portanto, se não chover, a
vida dessas pessoas deve piorar cada vez mais.
O campeonato da
fome
A fome que paira
sobre o país afecta alguns distritos. Chigubo é o campeão e há muito que
esgotou as suas reservas. Contudo, Mutarara, em Tete, é o ponto do país onde
mais pessoas se debatem com a falta de alimentos. 75 mil pessoas estão desde
Agosto a viver uma situação de precaridade.
No campeonato da
fome no que diz respeito ao número de população, Buzi queda-se na segunda
posição com 37 mil habitantes. No último lugar do pódio fica outro distrito da
zona centro: Changara. Govuro (Inhambane, Namaacha e Boane (Maputo) com 2000,
2200 e 2500 habitantes a debaterem-se com insegurança alimentar desceriam de
divisão neste campeonato.
Se combater a seca
de forma a eliminá-la é uma coisa complexa, lutar contra seus efeitos imediatos
é de uma simplicidade atroz. Neste momento, a prioridade é mandar o carro-pipa
e abastecer o armazém local de comida ou, numa versão mais atualizada,
distribuir cestas básicas e frentes de trabalho, para que as vítimas tenham
algum dinheiro no bolso. O dado estarrecedor é que, sendo a seca previsível,
nada se tenha feito para tomar as providências que remedeiam a fome.
Promover uso e
consumo da moringa
“Prestar
assistência social e alimentar, directa e produtiva a 255.300 em situação de
insegurança alimentar, para efeitos de protecção e recuperação de formas de
vida e criação de bens e infra-estruturas comunitários com vista a aumentar a
capacidade de prevenção e resposta aos efeitos dos choques”, refere o
documento.
No que diz respeito
ao precioso líquido recomenda o “uso de técnicas de captação de água melhoradas
para uso doméstico e pecuária”.
Por outro lado,
realça a importância do “uso de variedades de culturas de crescimento rápido e
sementes tolerantes à seca” para garantir a provisão de alimentos. O recurso a
tecnologias adequadas tais como “a agricultura de conservação e silvicultura”
também são recomendadas.
O relatório sugere
o acesso ao crédito para actividades produtivas. No entanto, grande parte
desses distritos não gozam da presença de serviços financeiros. A única solução
viável apontada pelo mesmo prende-se com a promoção de uso do consumo da
moringa, algo que ainda não acontece.
Má nutrição
Os níveis de
crescimento insuficiente (CI) em todas as províncias encontram-se dentro dos
padrões normais definidos pela OMS (igual ou inferior 16%). Isto deve-se em
parte aos programas relacionados com o aleitamento materno exclusivo nos
primeiros seis meses, educação nutricional feita nas unidades sanitárias e na
comunidade, oficinas culinárias, suplementação com micro nutrientes e
desparasitação.
Em relação ao Baixo
Peso à Nascença (BPN) continua preocupante e acima dos níveis recomendados
(igual ou inferior a 7%) o que indica a existência de problemas estruturais que
podem estar relacionados com deficiências no acesso aos alimentos, cuidados
básicos de saúde, doenças como malária, HIV/SIDA, excesso do trabalho da mulher
grávida, falta de espaçamento recomendado nos intervalos entre nascimentos,
gravidez precoce, dieta inadequada ou hábitos alimentares.
Custo da Cesta
Básica
A cesta básica de
alimentos foi calculada com base nos seguintes factores por pessoa por mês: 3
kg de arroz, 9,2 kg de farinha de milho, 2 kg de feijão manteiga, 0,5 kg de
amendoim, 0,5 litros de óleo, 1,2 kg de açúcar e 3,5 kg de peixe seco.
Não foram incluídos
na cesta básica do relatório do MINAG o custo das folhas verdes e sal, de forma
que o custo real seria mais alto se incluísse todos os produtos. Os dados
indicam que em Abril de 2012 a cesta básica foi mais cara nas cidades de
Lichinga e Tete onde o custo atingiu mais de 8.200,00 Mts/mês por agregado
familiar composto por cinco membros.
Na zona Sul, a
maior subida do custo da cesta básica teve lugar na cidade de Maputo em 3,1%
entre Junho de 2011 e Abril de 2012. No centro, os maiores aumentos no custo da
cesta básica foram observados na Beira em 4,6%, Tete em 3,6% e em Chimoio em
2,4%. Na zona norte, a subida não foi além de 1,1%.
Fontes de
rendimento
Dados das
províncias indicam que as principais fontes de rendimento dos agregados
familiares são a produção e venda de produtos da produção própria (culturas
alimentares e de rendimento), produtos pecuários, pesca artesanal e actividades
relacionadas (carpintaria naval, venda de insumos de pesca, processamento,
venda de pescado), artesanato (fabrico de tijolos, esteiras, chapéus, cestos,
outros), materiais de construção, produtos naturais e florestais, ganho nas
machambas e na actividade madeireira, venda de bebidas alcoólicas, de carne de
caça, e através de transporte de pessoas e bens usando carroça de tração
animal.
O comércio informal
de produtos industrializados tem-se mostrado mais rentável do que a produção
agrícola, estando a motivar os pequenos agricultores a deixar de produzir para
se tornarem vendedores informais.
A venda de produtos
florestais e o fabrico caseiro de bebidas alcoólicas são a principal fonte de
rendimento para os agregados familiares mais vulneráveis dos distritos mais
afectados pela seca. Nestes distritos a possibilidade de diversificação das
fontes de rendimento são reduzidas dificultando o acesso aos alimentos para uma
dieta adequada.
Outra actividade de
rendimento que passou a ter influência na renda familiar é o garimpo de ouro e
pedras preciosas e semipreciosas e a venda de pedra, estacas e outros materiais
de construção em alguns distritos das Províncias de Tete, Sofala, Niassa, Cabo
Delgado e Zambézia.
A actividade
garimpeira tem prejudicado as populações que se beneficiam dos rios em causa,
devido à poluição das águas destes rios (os produtos químicos que usam destroem
a flora e fauna dos rios e as águas ficam saturadas com terra que é remexida
pelos garimpeiros durante a actividade), tornando a água imprópria para consumo
humano e animal.
*Com quadros e gráficos
no original
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