sábado, 24 de novembro de 2012

250 MIL MOÇAMBICANOS COM FOME

 

Verdade (mz)
 
Há pelo menos 250 mil pessoas a passar fome em Moçambique. O número, avançado pelo Relatório de Monitoria da Situação de Segurança Alimentar e Nutricional (RMSSAN), do Ministério da Agricultura, poderá estar muito aquém da realidade. Contudo, os dados estatísticos escasseiam...
 
O nome é Regininha. Tem 14 anos e vive com a família em Cahora Bassa, na agreste província de Tete. A grande seca deixou os pais e os irmãos de Regininha com um problema: comer. Regina é uma menina esperta e trabalhadora. Tem uma força de vontade incomum e resistência ao sofrimento surpreendente.
 
A sua experiência de vida, em Changara, é muito diferente da que tiveram os adolescentes que vivem na capital do país. Já percorreu quilómetros para encontrar água. A sua mãe estava junto dela nessas longas maratonas.
 
A personagem descrita nas linhas acima percorreu quilómetros para não morrer de fome. Hoje tem 54 anos de idade, mas ainda conserva o apelido de infância, Regininha. Regina saiu de Changara e agora trabalha como doméstica na Vila de Songo, há muitos anos, e a sua história de vida não é uma excepção. Neste exacto momento, milhares de Regininhas experimentam a força da fome em todo o país.
 
Ainda comem regularmente, mas comem pouco, muito menos do que gostariam ou, mais grave, do que necessitam para se manter medianamente nutridos. A situação nos distritos onde a fome montou uma tenda é tenebrosa. A fome está apenas a começar em alguns distritos mais castigados. Mas deve piorar. Não há sinal de chuva, nem previsão de que venha.
 
O fenómeno da fome em Moçambique não leva à subnutrição evidente e nem mata “de um dia para o outro”, mas tem consequências graves a longo prazo, afirma Manuel Macamo, professor universitário, que calcula que entre 35 a 40 porcento das famílias que vivem em zonas de risco possam ter “uma despesa com alimentação inferior àquela que se estima necessária para satisfazer as suas necessidades alimentares básicas”.
 
Efectivamente, cerca de 255.300 estão em situação de insegurança alimentar, necessitando de assistência num período compreendido entre 1 a 6 meses, dependendo da situação nos distritos.
 
Refira-se, contudo, que os distritos mais críticos em termos de insegurança alimentar são: Maputo (Magude, Moamba, Namaacha e Boane), Gaza (Chigubo e Chicualacula), Inhambane (Funhalouro, Panda e Mabote), Sofala (Búzi, Machanga, Muanza, Nhamatanda, Chemba, e Gorongosa) e Tete (Mutarara, Changara, Cahora Bassa, Chiúta, Moatize e Magoe).
 
Efectivamente, os baixos níveis da resiliência dos agregados familiares, devido à pobreza causada por vários factores, tais como a imprevisibilidade dos rendimentos e o esgotamento das reservas alimentares e de outros bens produtivos, nos últimos três anos e com condições de períodos de seca, provocaram baixos níveis de poder de compra o que limita o acesso económico aos alimentos, especialmente provenientes de mercados.
 
De acordo com o RMSSAN a situação de vulnerabilidade está “a ser agravada pelo impacto negativo das condições de seca moderada, que afecta especialmente a produção de alimentos e outras fontes de rendimento das famílias” tais como o “autoemprego nas zonas áridas e semiáridas do país".
 
Refira-se, contudo, o Índice de Satisfação das Necessidades Hídricas (WRSI), actualizado em Março de 2012, deu a indicação de que a seca de meia estação que afectou a zonas sul e centro de Moçambique poderia provocar quebras nas colheitas abaixo da média nacional. Contudo, a zona norte do país registou um desempenho relativamente satisfatório das culturas. Porém, teve um desempenho entre médio e medíocre nas áreas semi-áridas na zona centro.
 
A dureza da seca pode, às vezes, dar a impressão de que a tragédia está em toda a parte. Mas é falso imaginar que a totalidade dos cidadãos que vive em áreas afectadas pela seca passam fome. Nas áreas atingidas pela fome vivem 650 mil pessoas. Desse total, 253 moram nas zonas mais críticas. Estima-se que nesse grupo de 253 haja perto de 100 mil indefesos em épocas de onde a chuva escasseia como esta.
 
Não há, no país, aquelas pessoas esquálidas das fomes da Somália, que aparecem na televisão com uma camada finíssima de pele enrugada sobre o esqueleto totalmente visível. Mas as vítimas da seca já estão começando a experimentar a sensação de estômago vazio dia após dia, noite após noite. E a situação pode ficar escandalosamente pior.
 
Em Chigubo, dados do relatório do MINAG estimam que pelo menos 150 mil pessoas tenham apenas uma refeição por dia. Outros há que comem uma única vez dia sim, dia não. Em Funhalouro, a situação é igualmente crítica. Em Cahora Bassa, bem perto da barragem que leva corrente eléctrica para a vizinha África do Sul, as reservas de alimentos acabaram em Agosto de 2012. Portanto, se não chover, a vida dessas pessoas deve piorar cada vez mais.
 
O campeonato da fome
 
A fome que paira sobre o país afecta alguns distritos. Chigubo é o campeão e há muito que esgotou as suas reservas. Contudo, Mutarara, em Tete, é o ponto do país onde mais pessoas se debatem com a falta de alimentos. 75 mil pessoas estão desde Agosto a viver uma situação de precaridade.
 
No campeonato da fome no que diz respeito ao número de população, Buzi queda-se na segunda posição com 37 mil habitantes. No último lugar do pódio fica outro distrito da zona centro: Changara. Govuro (Inhambane, Namaacha e Boane (Maputo) com 2000, 2200 e 2500 habitantes a debaterem-se com insegurança alimentar desceriam de divisão neste campeonato.
 
Se combater a seca de forma a eliminá-la é uma coisa complexa, lutar contra seus efeitos imediatos é de uma simplicidade atroz. Neste momento, a prioridade é mandar o carro-pipa e abastecer o armazém local de comida ou, numa versão mais atualizada, distribuir cestas básicas e frentes de trabalho, para que as vítimas tenham algum dinheiro no bolso. O dado estarrecedor é que, sendo a seca previsível, nada se tenha feito para tomar as providências que remedeiam a fome.
 
Promover uso e consumo da moringa
 
“Prestar assistência social e alimentar, directa e produtiva a 255.300 em situação de insegurança alimentar, para efeitos de protecção e recuperação de formas de vida e criação de bens e infra-estruturas comunitários com vista a aumentar a capacidade de prevenção e resposta aos efeitos dos choques”, refere o documento.
 
No que diz respeito ao precioso líquido recomenda o “uso de técnicas de captação de água melhoradas para uso doméstico e pecuária”.
 
Por outro lado, realça a importância do “uso de variedades de culturas de crescimento rápido e sementes tolerantes à seca” para garantir a provisão de alimentos. O recurso a tecnologias adequadas tais como “a agricultura de conservação e silvicultura” também são recomendadas.
 
O relatório sugere o acesso ao crédito para actividades produtivas. No entanto, grande parte desses distritos não gozam da presença de serviços financeiros. A única solução viável apontada pelo mesmo prende-se com a promoção de uso do consumo da moringa, algo que ainda não acontece.
 
Má nutrição
 
Os níveis de crescimento insuficiente (CI) em todas as províncias encontram-se dentro dos padrões normais definidos pela OMS (igual ou inferior 16%). Isto deve-se em parte aos programas relacionados com o aleitamento materno exclusivo nos primeiros seis meses, educação nutricional feita nas unidades sanitárias e na comunidade, oficinas culinárias, suplementação com micro nutrientes e desparasitação.
 
Em relação ao Baixo Peso à Nascença (BPN) continua preocupante e acima dos níveis recomendados (igual ou inferior a 7%) o que indica a existência de problemas estruturais que podem estar relacionados com deficiências no acesso aos alimentos, cuidados básicos de saúde, doenças como malária, HIV/SIDA, excesso do trabalho da mulher grávida, falta de espaçamento recomendado nos intervalos entre nascimentos, gravidez precoce, dieta inadequada ou hábitos alimentares.
 
Custo da Cesta Básica
 
A cesta básica de alimentos foi calculada com base nos seguintes factores por pessoa por mês: 3 kg de arroz, 9,2 kg de farinha de milho, 2 kg de feijão manteiga, 0,5 kg de amendoim, 0,5 litros de óleo, 1,2 kg de açúcar e 3,5 kg de peixe seco.
 
Não foram incluídos na cesta básica do relatório do MINAG o custo das folhas verdes e sal, de forma que o custo real seria mais alto se incluísse todos os produtos. Os dados indicam que em Abril de 2012 a cesta básica foi mais cara nas cidades de Lichinga e Tete onde o custo atingiu mais de 8.200,00 Mts/mês por agregado familiar composto por cinco membros.
 
Na zona Sul, a maior subida do custo da cesta básica teve lugar na cidade de Maputo em 3,1% entre Junho de 2011 e Abril de 2012. No centro, os maiores aumentos no custo da cesta básica foram observados na Beira em 4,6%, Tete em 3,6% e em Chimoio em 2,4%. Na zona norte, a subida não foi além de 1,1%.
 
Fontes de rendimento
 
Dados das províncias indicam que as principais fontes de rendimento dos agregados familiares são a produção e venda de produtos da produção própria (culturas alimentares e de rendimento), produtos pecuários, pesca artesanal e actividades relacionadas (carpintaria naval, venda de insumos de pesca, processamento, venda de pescado), artesanato (fabrico de tijolos, esteiras, chapéus, cestos, outros), materiais de construção, produtos naturais e florestais, ganho nas machambas e na actividade madeireira, venda de bebidas alcoólicas, de carne de caça, e através de transporte de pessoas e bens usando carroça de tração animal.
 
O comércio informal de produtos industrializados tem-se mostrado mais rentável do que a produção agrícola, estando a motivar os pequenos agricultores a deixar de produzir para se tornarem vendedores informais.
 
A venda de produtos florestais e o fabrico caseiro de bebidas alcoólicas são a principal fonte de rendimento para os agregados familiares mais vulneráveis dos distritos mais afectados pela seca. Nestes distritos a possibilidade de diversificação das fontes de rendimento são reduzidas dificultando o acesso aos alimentos para uma dieta adequada.
 
Outra actividade de rendimento que passou a ter influência na renda familiar é o garimpo de ouro e pedras preciosas e semipreciosas e a venda de pedra, estacas e outros materiais de construção em alguns distritos das Províncias de Tete, Sofala, Niassa, Cabo Delgado e Zambézia.
 
A actividade garimpeira tem prejudicado as populações que se beneficiam dos rios em causa, devido à poluição das águas destes rios (os produtos químicos que usam destroem a flora e fauna dos rios e as águas ficam saturadas com terra que é remexida pelos garimpeiros durante a actividade), tornando a água imprópria para consumo humano e animal.
 
*Com quadros e gráficos no original
 

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