segunda-feira, 19 de novembro de 2012

América Latina: Academia deve preservar e modernizar língua guarani

 

 
Paraguai cria instituição para salvar o guarani, idioma que sobreviveu às colonizações espanhola e portuguesa e é hoje uma das principais línguas indígenas da América do Sul.
 
Antes de os conquistadores espanhóis e portugueses chegarem à América do Sul, o guarani era um pequeno representante da grande família do idioma tupi. Hoje é uma das poucas línguas indígenas de uso corrente numa ampla região do continente. Dependendo da estimativa, entre 4 milhões e 12 milhões de pessoas falam o idioma no Paraguai e nas regiões fronteiriças da Argentina, da Bolívia e do Brasil.
 
Mas só no Paraguai o guarani é a língua materna da maioria da população. Desde 1967 ele é considerado uma língua nacional e, desde 1992, é um dos idiomas oficiais do país, ao lado do espanhol. É única língua indígena na América Latina com esse status, um motivo de orgulho para os paraguaios.
 
Em torno de 90% dos paraguaios são bilíngues. O guarani é muito utilizado nas conversas entre amigos e familiares, mas não desfruta de grande prestígio entre a população. Os pais acham cada vez menos necessário que seus filhos aprendam o idioma nativo.
 
Os documentos oficiais, os jornais e a televisão usam o espanhol. Até a sinalização nas cidades é traduzida para o idioma dos colonizadores, apesar de a maioria dos nomes geográficos terem origem no guarani. Paraguai, por exemplo, significa "água que flui para o mar".
 
Segundo o especialista em línguas indígenas Wolf Dietrich, da Universidade de Münster, essa diferente valorização dos dois idiomas é majoritariamente aceita pela população paraguaia. Para se manter, porém, o guarani precisa ser modernizado.
 
O idioma, muito rico em nomes de plantas e animais, conta com poucos termos políticos ou técnicos. Outra grande limitação é a contagem numérica, que vai apenas do um ao cinco. Para que essa língua indígena possa ser preservada, se faz necessário um processo de modernização.
 
Regras uniformes para a língua
 
Em 2010 o governo paraguaio criou uma legislação para regular o uso dos idiomas nacionais e fortalecer o guarani. O resultado foi a criação da Secretaria de Políticas Linguísticas, que apoiou o diretor da Associação da Língua e Cultura Guarani, Miguel Ángel Verón, e outros 14 ativistas na fundação da Academia da Língua Guarani.
 
Verón diz que a iniciativa já era aguardada há muito tempo. "Há décadas o guarani vem sendo preterido no Paraguai, assim como em outros países, mesmo sendo o alicerce da nossa cultura. O fundação da academia é um ato de justiça com o idioma e a identidade paraguaia", afirmou o diretor.
 
Os estatutos da academia preveem a padronização da ortografia, a compilação de um dicionário atual e outro científico, além da elaboração de uma gramática. Essas iniciativas incluem também a coleta e análise de palavras novas, extraídas, por exemplo, da linguagem dos jovens e da internet.
 
O pesquisador literário e cultural Wolf Lustig afirma que essas mudanças deverão representar um avanço, uma vez que até o momento não existem normas ortográficas do idioma guarani estabelecidas com base legal.
 
Até hoje não há consenso no Paraguai se termos modernos devem ser tirados direto do espanhol ou criados usando outras palavras do guarani. "Nas escolas prevalece ora uma tendência, ora outra. A academia deve criar regras uniformes para acabar com essa discrepância", defende Dietrich. Ele ressalta também que é muito importante que os novos dicionários incluam verbetes científicos.
 
Latim da América do sul
 
Mesmo que o idioma seja pouco adequado para o uso científico, ainda assim é um dos maiores fornecedores de nomes científicos para as línguas europeias, depois do latim e do grego, especialmente no que diz respeito a nomes de plantas e animais.
 
Palavras como jaguar, ananás e maracujá – existentes em várias línguas – são originais do idioma guarani e fazem parte, por exemplo, do vocabulário cotidiano na Alemanha. "O guarani é um língua cultural, uma espécie de latim da América do Sul", ressalta Lustig. Claro que não se trata de uma língua morta, mas, ainda assim, precisa ser adaptada aos novos tempos.
 
Nos anos 50 já existiram duas academias que se ocuparam do guarani no Paraguai. Mas essas instituições tiveram vida curta e acabaram produzindo muito pouco. Dietrich observa que as condições são muito melhores agora, e afirma que há muitos indivíduos competentes envolvidos, que conhecem muito bem essa área.
 
Lustig é mais cético quanto ao futuro da academia. Os estatutos dizem que a instituição deverá atuar de maneira independente do governo, diz o linguista, mas ainda não se sabe quais serão as fontes de financiamento. Certo é que não há nenhum interesse econômico envolvido na preservação do idioma guarani.
 
Autora: Christina Weise (rc) - Revisão: Alexandre Schossler
 

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