Eduardo White (Vou
voltar a repetir-me)
Pensei que nós, os
moçambicanos, estávamos cansados de guerra. De morrer, de
conviver com o sangue e com a violência.
Pensei que tínhamos aprendido a falar.
Uns com os outros. A dizer e a escutar.
Pensei que havíamos
aprendido a resolver os nossos problemas, sentados, calmamente, dialogando.
Pensei muitas
coisas que, afinal, começo a acabar por descobrir que não tenho pensado nada.
Mas pensei, por
exemplo, que já éramos todos fortes, coesos, que sabíamos ouvir e encorajar os
que ainda não o eram e que disso também aprendíamos algumas coisas, com
humildade, com sapiência.
Afinal, são tantas
feridas as que ainda não saramos, tantos os mortos que ainda não enterramos,
tantas as lágrimas do passado que nos custam substituir por um sorriso hoje.
Assim, julguei do que a história nos ensinara algo havia ficado para recordar
que não deveríamos repetir, mas, celebrar: as diferenças e o respeito por elas,
a tolerância e a dignidade de exercê-la, a moçambicanidade e o chão que a faz.
Sonhei até, que os
meus filhos e os filhos deles pudessem viver construindo o seu País sem que
disparassem ou ouvissem, novamente, o tiro de uma única arma. Se levantavam,
levantando. Se plantavam, semeando-se. Mas, como eu sou um sonhador, sou, como
posso dizer, um irredutível sonhador, eu acreditei no meu sonho.
Porque... sonhar
nunca fez mal.
Por isso, é que eu
pensei que tínhamos aprendido algo. Que não voltaríamos a ter medo dos canhões
em redor das cidades, dos distritos e das aldeias a ensurdecerem-nos para a
música, para a ternura, para amizade, para a fraternidade e o amor.
Que os beijos
lânguidos às nossas namoradas já não voltariam a ser mais uma infracção, mas um
dever nosso e um direito delas, agora.
Que já não seria
preciso bichar para vestir, lavar e perfumar os nossos bebés, nem as nossas
adolescentes mulheres se zangariam por, embora serem diferentes, os nossos
bebés parecessem iguais nas cores das suas roupinhas.
Eu, vejam lá só,
atrevido que sou nesta coisa de sonhar, até vi sonhados os nossos dirigentes
sem o culto da arrogância, da prepotência, do nepotismo - aquelas palavras
antigas que ouvíamos antigamente nos obrigatórios comícios da nossa
escolaridade e que me pareciam estar a voltar de novo. Julguei que aquilo de
que nos falavam, daquela coisa muito complicada que nos mandavam fazer, chamada
como?
– deixa lá eu
lembrar... ahhhhh, já sei – crítica e auto-crítica, era hoje o culto deles, a
sua terapia preferida.
Julguei, ainda, que
tinham aprendido a ouvir antes mesmo de falar. Mas só sonhei, mais nada. E
sonhar, como disse, não faz mal.
Só que neste
trabalho, dormido e despertado, de imaginar coisas, fui acordado de repente,
com o pânico a suar no meu angélico sono.
Falavam-me os
medias de tiros para aqui, tiros para acolá, lojas a arder, carros queimados,
crianças a guerrear em vez de brincar, granadas que explodiam, pessoas
entricheirando-se, outras fugindo, uma confusão que eu gritei a perguntar:
Regressei no tempo?
Ao pesadelo dos
pesadelos?
Voltámos à guerra,
a lutar contra nós mesmos?
Ainda duvidei. Mas
da janela das televisões, tudo se confirmava nos meus desorbitados olhos. Então
me entristeci, fui para a cama, chamei a minha companheira e disse-lhe:
- Diz-me que não é
verdade.
Combalidamente
chorei, (des) sonhado e desiludido por constatar que nós nos tínhamos esquecido
de que, não há muito tempo, nos havíamos ensinado a falar. A pormos as armas e
as baionetas de lado, o sangue, o ódio, a violência, a inveja, essas coisas
todas que sabemos para que pelas estradas do diálogo devamos e possamos
encontrar as pontes comuns a nós mesmos. As que nos abraçam, as que nos juntam,
as que nos tornam uns mais perto uns dos outros.
Porém, é pena que
eu só tenha sonhado. Tão simplesmente isso.
Mas, como vou
voltar a repetir, sonhar não faz mal. Um dia, um dia tudo será realidade e o
País, então e finalmente, se cumprirá.
Canal de Moçambique
– 31.10.2012 - Retirado de Macua Blogs
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