Pedro Marques Lopes
– Diário de Notícias, opinião
1 Não passa um dia
sem que o óbvio seja afirmado pelas mais diversas personalidades e
instituições: é fundamental renegociar o memorando de entendimento com a
troika.
A renegociação é do
interesse dos nossos credores, é notório que já perceberam que por este caminho
jamais receberão o seu dinheiro: um devedor falido não pode pagar dívidas. E é
obviamente do nosso interesse tentar corrigir erros de gerações em dois ou três
anos numa conjuntura internacional adversa e tendo de suportar todos os
disparates das políticas europeias recentes é absolutamente impossível.
O que duas
entidades sérias e realistas normalmente fazem é muito simples: sentam-se à
mesa e negoceiam. Só que para haver negociação é preciso que as duas partes
estejam interessadas em fazê-lo e, neste caso, há uma que decididamente não
quer: o Governo de Portugal.
Aliás, durante a
visita da chanceler alemã, Passos Coelho fez questão de mais uma vez o afirmar.
Disse claramente que não renegociaria e não existiria segundo resgate. Está
claro que vai ter de engolir as suas próprias palavras, mas parece que o
primeiro-ministro tem um certo gozo em dizer hoje uma coisa e amanhã o seu
contrário.
Mas há algo em que Passos Coelho
tem sido constante: a sua crença no memorando de entendimento. Foi ele a dizer
que mesmo que o acordo não existisse ele o implementaria. Mais: disse que
queria ir, e foi, para além dele.
Não admira, pois,
que durante a quinta avaliação não tivesse existido negociação e, para espanto
da troika, o Governo português nem abrisse a boca para pedir o que quer que
fosse.
Temos uma situação
quase masoquista: é o devedor a pedir ao credor para não o ajudar.
Não há quem não
saiba que o memorando vai ter de ser renegociado, a questão é saber quem o vai
renegociar. O Governo pôs-se numa situação em que não o pode fazer. Não é pelo
facto de já ter dito mil vezes que não o quer fazer, já estamos habituados aos
ziguezagues governamentais. É pelo facto de ser evidente que contra ventos e
marés, contra todas as evidências, contra toda a lógica, o Governo acha que o
acordo é o melhor para Portugal.
Mais: o Governo
trocou a legitimação popular pela legitimação baseado no acordo com a troika no
momento em que deitou fora as promessas pré-eleitorais e fez dos 4,5% e das
medidas lá constantes o seu objectivo supremo. Se o acordo cai ou é renegociado
em profundidade (como será), não lhe resta fonte de legitimação.
De um segundo
resgate nem vale a pena falar. Foi Passos Coelho a dizer que isso seria a prova
do fracasso do Governo.
Das duas uma: ou há
uma renegociação ou o País entra em colapso e alguém terá de pedir um segundo
resgate. Em nenhum destes casos o actual Governo poderá fazer parte da solução.
E ainda há quem acredite que este Governo está para durar.
2 Durante a visita
de Angela Merkl, Passos Coelho qualificou o debate em torno do Orçamento do
Estado para 2013 de doentio. O primeiro-ministro não entende como é possível
todos os especialistas, todas as instituições independentes, todas as pessoas
que já tiveram responsabilidades governativas, todos os ex-presidentes da
República, o Banco de Portugal, o Conselho Económico e Social e toda a gente
capaz de fazer contas numa folhinha quadriculada e viva no mundo real e não
numa folha de cálculo, pensarem que o grande feiticeiro Gaspar possa estar
errado. Uma gente claramente doentia, uns contra-revolucionários, uns patetas
que não percebem que depois da destruição total do País surgirá o homem novo, o
empreendedor, o vencedor que nos resgatará.
Claro que Passos
Coelho entenderá que a gente não crente nas profecias de Gaspar pode pensar que
doentio pode ser ouvir o primeiro-ministro de Portugal dizer que tudo fará para
que a Grécia fique no euro, numa altura em que a cada dia que passa a nossa
situação é mais semelhante à grega.
Não sei se se pode
considerar doentio ver a sra. Merkel a moderar os ímpetos revolucionários de
Passos Coelho. Enquanto o primeiro--ministro discorria sobre as razões da
crise, exibindo uma vez mais que ainda só percebeu uma pequena parte das razões
da crise portuguesa e europeia, resumindo tudo ao excessivo endividamento e às
questões estruturais portuguesas, a chanceler lá foi dizendo que, pois muito
bem, havia sobre-endividamento, que, sim senhor, as finanças públicas não
podiam continuar desequilibradas, mas que convinha não nos esquecermos dos
desequilíbrios estruturais internos da Zona Euro, do problema duma mesma moeda
se aplicar a países em estádios de desenvolvimento económico diferentes. E a
sra. Merkel terá considerado o discurso de Passos Coelho doentiamente
seguidista? Às tantas.
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