domingo, 18 de novembro de 2012

Portugal: A DOENTIA RENEGOCIAÇÃO

 


Pedro Marques Lopes – Diário de Notícias, opinião
 
1 Não passa um dia sem que o óbvio seja afirmado pelas mais diversas personalidades e instituições: é fundamental renegociar o memorando de entendimento com a troika.
 
A renegociação é do interesse dos nossos credores, é notório que já perceberam que por este caminho jamais receberão o seu dinheiro: um devedor falido não pode pagar dívidas. E é obviamente do nosso interesse tentar corrigir erros de gerações em dois ou três anos numa conjuntura internacional adversa e tendo de suportar todos os disparates das políticas europeias recentes é absolutamente impossível.
 
O que duas entidades sérias e realistas normalmente fazem é muito simples: sentam-se à mesa e negoceiam. Só que para haver negociação é preciso que as duas partes estejam interessadas em fazê-lo e, neste caso, há uma que decididamente não quer: o Governo de Portugal.
 
Aliás, durante a visita da chanceler alemã, Passos Coelho fez questão de mais uma vez o afirmar. Disse claramente que não renegociaria e não existiria segundo resgate. Está claro que vai ter de engolir as suas próprias palavras, mas parece que o primeiro-ministro tem um certo gozo em dizer hoje uma coisa e amanhã o seu contrário.
 
Mas há algo em que Passos Coelho tem sido constante: a sua crença no memorando de entendimento. Foi ele a dizer que mesmo que o acordo não existisse ele o implementaria. Mais: disse que queria ir, e foi, para além dele.
 
Não admira, pois, que durante a quinta avaliação não tivesse existido negociação e, para espanto da troika, o Governo português nem abrisse a boca para pedir o que quer que fosse.
 
Temos uma situação quase masoquista: é o devedor a pedir ao credor para não o ajudar.
 
Não há quem não saiba que o memorando vai ter de ser renegociado, a questão é saber quem o vai renegociar. O Governo pôs-se numa situação em que não o pode fazer. Não é pelo facto de já ter dito mil vezes que não o quer fazer, já estamos habituados aos ziguezagues governamentais. É pelo facto de ser evidente que contra ventos e marés, contra todas as evidências, contra toda a lógica, o Governo acha que o acordo é o melhor para Portugal.
 
Mais: o Governo trocou a legitimação popular pela legitimação baseado no acordo com a troika no momento em que deitou fora as promessas pré-eleitorais e fez dos 4,5% e das medidas lá constantes o seu objectivo supremo. Se o acordo cai ou é renegociado em profundidade (como será), não lhe resta fonte de legitimação.
 
De um segundo resgate nem vale a pena falar. Foi Passos Coelho a dizer que isso seria a prova do fracasso do Governo.
 
Das duas uma: ou há uma renegociação ou o País entra em colapso e alguém terá de pedir um segundo resgate. Em nenhum destes casos o actual Governo poderá fazer parte da solução. E ainda há quem acredite que este Governo está para durar.
 
2 Durante a visita de Angela Merkl, Passos Coelho qualificou o debate em torno do Orçamento do Estado para 2013 de doentio. O primeiro-ministro não entende como é possível todos os especialistas, todas as instituições independentes, todas as pessoas que já tiveram responsabilidades governativas, todos os ex-presidentes da República, o Banco de Portugal, o Conselho Económico e Social e toda a gente capaz de fazer contas numa folhinha quadriculada e viva no mundo real e não numa folha de cálculo, pensarem que o grande feiticeiro Gaspar possa estar errado. Uma gente claramente doentia, uns contra-revolucionários, uns patetas que não percebem que depois da destruição total do País surgirá o homem novo, o empreendedor, o vencedor que nos resgatará.
 
Claro que Passos Coelho entenderá que a gente não crente nas profecias de Gaspar pode pensar que doentio pode ser ouvir o primeiro-ministro de Portugal dizer que tudo fará para que a Grécia fique no euro, numa altura em que a cada dia que passa a nossa situação é mais semelhante à grega.
 
Não sei se se pode considerar doentio ver a sra. Merkel a moderar os ímpetos revolucionários de Passos Coelho. Enquanto o primeiro--ministro discorria sobre as razões da crise, exibindo uma vez mais que ainda só percebeu uma pequena parte das razões da crise portuguesa e europeia, resumindo tudo ao excessivo endividamento e às questões estruturais portuguesas, a chanceler lá foi dizendo que, pois muito bem, havia sobre-endividamento, que, sim senhor, as finanças públicas não podiam continuar desequilibradas, mas que convinha não nos esquecermos dos desequilíbrios estruturais internos da Zona Euro, do problema duma mesma moeda se aplicar a países em estádios de desenvolvimento económico diferentes. E a sra. Merkel terá considerado o discurso de Passos Coelho doentiamente seguidista? Às tantas.
 

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