domingo, 18 de novembro de 2012

DUAS GERAÇÕES “EMPURRADAS” PARA MACAU POR UM PAÍS SEM HORIZONTE

 

Diana do Mar, da agência Lusa
 
Macau, China, 18 nov (Lusa) - António Azevedo deixou Portugal para trás, pela primeira vez, na década de 1970. Mais de 30 anos depois, Sandra segue as pegadas do pai e ruma a Macau, reescrevendo a história do 'era uma vez um país sem perspetivas'.
 
Corria o ano de 1978, quando António Azevedo 'aterrou' em Macau - um ano depois da estreia do Fundo Monetário Internacional (FMI) em Portugal -, respondendo a um anúncio do jornal Expresso, movido sobretudo pela precária situação de emprego em que se encontrava.
 
"Estávamos a recibos verdes, um pouco como agora, infelizmente, portanto não havia qualquer perspetiva de futuro", conta António Azevedo, que, na altura, trabalhava num dos Gabinetes de Apoio Técnico às Autarquias Locais, na vila histórica de Castro Verde, no Alentejo.
 
Engenheiro eletrotécnico de profissão, conquistou o primeiro emprego a Oriente na Companhia de Eletricidade de Macau (CEM), onde esteve até ao fim de 1981, altura em que um problema de saúde da primeira filha, Marta, ditaria o regresso.
 
Daqueles tempos permanece até hoje a memória de um período muito difícil: "Estive seis meses desempregado em casa dos meus pais, já casado. Entretanto, nasceu a Inês, em 1982. Tenho muitos irmãos também e, nessa altura, ainda estavam na casa dos meus pais".
 
"À medida que o tempo ia passando, aquilo ia piorando. Em 1983, estava convencido de que iria melhorar, que a minha vida ia ser gradualmente melhor, mas foi sendo pior. Havia aumentos, mas a inflação comia-os". Por isso, "decidimos, em fins de 1983, procurar regressar a Macau", explica António Azevedo, 61 anos, que volta a fazer as malas no início de 1984.
 
As dificuldades de emprego "foram muito notórias" durante aquela época em que os funcionários públicos também ficaram sem subsídio de natal face à necessidade de mais um resgate, aponta. "Não sei se na altura chamavam resgate, mas, enfim, o FMI entrou em Portugal. Foi muito complicado".
 
Desde o retorno, em 1984, e até ao último ano da administração portuguesa em Macau, o percurso foi "suave", diz António Azevedo que, apesar de ter saído da CEM, em 1988, mantinha um escritório de consultadoria.
 
Em 1999, a família decide voltar: "As minhas filhas mais velhas - a Marta e a Inês - acabavam um ciclo, estavam no fim do secundário, e a opção de estudos seria em Portugal (...). A Lena era funcionária pública e tinha pedido integração em Portugal. Eu fui também, fomos todos e eu fui fazer aquilo que estava a fazer cá, mas aí foi difícil".
 
Estava perto dos seus 50 anos e começar do zero foi muito diferente. Tudo era "muito complicado" e "nada transparente" principalmente ao nível do sistema e dos impostos para uma microempresa.
 
Em 2006, arrisca uma terceira investida em Macau, onde agarra uma oportunidade no Gabinete para o Desenvolvimento de Infraestruturas. Ali ficou até hoje.
 
Já Sandra Azevedo, 25 anos, chegou no verão do ano passado a Macau. Ou melhor, regressou. Apesar de ter nascido e vivido os primeiros 12 anos da sua vida no território, a filha mais nova de António Azevedo escolheu Portugal para prosseguir os estudos e, entretanto, conheceu outras paragens.
 
Depois de concluir a licenciatura em Lisboa, embarcou na aventura de um par de estágios, que se traduziu numa experiência "espetacular", mas sem qualquer perspetiva.
 
"A minha perspetiva era continuar a fazer estágios não remunerados e isso já não dava depois de um ano. (...) Aí decidi sair de Portugal", conta Sandra Azevedo, que opta por 'abandonar' o jornalismo por uma vivência "diferente" em Inglaterra, onde trabalhou como ama.
 
Contudo, volvidos nove meses, começou a sentir falta daquilo que realmente queria: "Tentei em Portugal encontrar trabalho e fiz a minha pesquisa, mas depois comecei a pensar que o melhor era mesmo ir para fora e a primeira coisa que me surgiu foi mesmo Macau".
 
"É uma situação muito difícil, uma precariedade de emprego gigante, as pessoas querem sair. Agora existe mesmo uma sede que eu nunca tinha visto, e quando surgiu a oportunidade de vir para Macau com as condições que me ofereciam - muito melhores do que qualquer coisa que em Portugal pudesse surgir -, as pessoas diziam 'arranja-me qualquer coisa em Macau', e isso ainda se nota".
 
"Quase todos os dias recebo uma mensagem dessas e isso faz-me muita confusão, porque acima de tudo é triste. As pessoas estudam, querem ser úteis, fazer aquilo por que lutaram e depois não conseguem, não têm oportunidades", constata Sandra Azevedo, que quando chegou a Macau delineou uma meta temporal que, entretanto, rasurou.
 
"Pensei para mim mesma num limite de três a quatro anos para depois dar o 'salto'. Mas, sinceramente, agora já não sei. Portugal não é para já nem para os próximos três a quatro anos, uma opção", diz a jornalista da Teledifusão de Macau (TDM).
 
A voz experiente do pai também não antecipa estarem reunidas as condições para um regresso a Portugal em breve: "Seria muito bom que fosse daqui a cinco anos". Mas, "diria dez anos".
 
"Deus queira que me engane, seria muito bom que me enganasse", diz.
 
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