quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Portugal: André, filho de Miguel Portas, organiza manifestações estudantis

 
Miguel, o pai – André, o filho
Pedro Rainho – Jornal i
 
É um entre os muitos activistas que nos últimos meses tomaram a rua. Mas tem passado único, cujas pisadas faz questão de seguir
 
De megafone em punho, palavras de ordem ensaiadas, aos 19 anos André Portas preparava-se para ocupar a Cantina Nova da Universidade de Lisboa (UL), esta terça-feira, juntamente com outros elementos do Movimento Artigo 74. Um grupo de 50 alunos passou a noite no local em protesto contra o encerramento do serviço, anunciado há dias pela UL. Quatro décadas antes, o pai, o eurodeputado e fundador do Bloco de Esquerda Miguel Portas, era preso pela polícia política do Estado Novo por participar numa Assembleia Universitária na faculdade de Medicina de Lisboa. Era então estudante do Liceu Camões, em Lisboa.
 
Da semana na prisão – a que sempre preferiu chamar “detenção” –, Miguel Portas saiu de cabeça rapada, marca que o regime impunha aos estudantes desordeiros. André mantém o cabelo claro e comprido que quase lhe esconde os olhos, e não esteve nem perto de ser detido pela polícia. Mas do pai recebeu essa “influência decisiva” que o levou a integrar o activismo social. “São pisadas que quero seguir – não que tenho de seguir – e são influências decisivas, quanto mais não seja pelos valores morais que me foram transmitidos”. Sobretudo pela mãe, Ana Isabel Entrudo, com quem passou a infância e a maior parte da juventude. O pai, habituou-se a vê-lo sob os holofotes mediáticos, e através dessa janela foi absovendo a inspiração para o caminho que veio a seguir. “Quando uma pessoa liga a televisão e vê o pai, quando muda de canal e vê uma intervenção no parlamento, percebe os frutos que a vida política pode dar”.
 
Mas não para si. Pelo menos para já. “Ideologicamente próximo do comunismo”, André admite sentir “simpatia” pelo Bloco de Esquerda, mas o tempo não é de responder a apelas partidários. É o tempo de “desempenhar um papel político de activismo social, até por uma questão de coerência. A mudança tem de ser feita pelas pessoas, elas têm de ter um papel activo para que essa mudança ocorra, por isso, eu próprio tenho de desempenhar o meu papel”, justifica.
 
Chegou a Portugal há menos de seis meses, regressado de um temporada de dois anos em Bruxelas para terminar o ensino secundário, na Escola Europeia, e para passar algum tempo mais próximo do pai. Foi nessa altura que Miguel Portas viu ser-lhe diagnosticado um tumor no pulmão. Acompanhou a doença de perto – apesar de Portas ter sempre protegido o filho das notícias mais duras – e dele guardou uma máxima que diz que “é preciso encontrar um equilíbrio, também na forma como vivemos, entre tudo o que se faz. Não fazer nada de forma obsessiva, não ser extremista, porque os extremos fazem mal”.
 
Entrar em acção É com essa ideia em mente que André Portas regressa a um país afundado num lamaçal chamado crise, e é nesse momento que se dá o verdadeiro clique. A greve de 14 de Novembro serviu de mote para que se juntasse a outros jovens e formasse o grupo “Estudantes pela Greve Geral”, que teve continuidade no recém-baptizado Movimento Artigo 74. Nos últimos meses, ao mesmo tempo que se apresentava na licenciatura em História Moderna e Contemporânea do ISCTE-IUL, conheceu outros activistas, organizou manifestações e foi para a rua gritar contra os cortes que o Orçamento do Estado consagra para o Ensino Superior no próximo ano. Com a experiência, foi também ganhando forma uma consciência política que de alguma forma tinha nascido dois anos antes mas que se mantivera adormecida durante esse tempo. “Há uma grande influência do meu pai que me leva a participar no activismo, mas creio que é também uma questão moral, porque quando olhas à volta e vês pobreza, quando vês certas medidas a serem tomadas e um governo que apoia a austeridade – ao ser confrontado com estas situações, senti necessidade de intervir”.
 
Na cantina da UL passa agora um filme sobre o Maio de 68. Na plateia da sala de projecção improvisada estão perto de 40 estudantes universitários. André olha à volta, mas pensa sobretudo na realidade que fica para lá das paredes do edifício quando diz que entre os jovens “não há uma grande politização, não há grande consciência política nem vontade de intervir”. A culpa, garante, é da qualidade do ensino em Portugal, em particular do secundário, que promove “um incentivo à imbecilidade” dos adolescentes, ainda que a tendência seja a de que cada vez mais os jovens estejam atentos e queiram participar.
 
Decidido a dar o seu contributo, o discurso político revela-se na plenitude quando André vaticina que “já temos a assinatura no testamento, o caminho está praticamente marcado e não é um caminho bom”. Numa palavra, o país ainda não bateu no fundo. “Vamos ter níveis de desemprego brutais, fome e se neste momento já estamos muito, muito mal, vamos ficar pior”. Depois, espera, virá a reviravolta, rumo a “um futuro mais consistente, mais equilibrado, menos destrutivo, menos consumista e que seja mais sustentável”.
 
Da História, para a qual olha com a certeza de que se repetem os grandes momentos, André Portas destaca um ponto central: “Mudámos muito ao longo dos séculos, mas a questão estrutural é sempre a mesma: temos muita distância entre as classes – esta palavra já está cristalizada. O grande problema é sempre a desigualdade”.
 
*Foto com André: José Fernandes, em Jornal i
 

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