Miguel, o pai –
André, o filho |
É um entre os
muitos activistas que nos últimos meses tomaram a rua. Mas tem passado único,
cujas pisadas faz questão de seguir
De megafone em
punho, palavras de ordem ensaiadas, aos 19 anos André Portas preparava-se para
ocupar a Cantina Nova da Universidade de Lisboa (UL), esta terça-feira, juntamente
com outros elementos do Movimento Artigo 74. Um grupo de 50 alunos passou a
noite no local em protesto contra o encerramento do serviço, anunciado há dias
pela UL. Quatro décadas antes, o pai, o eurodeputado e fundador do Bloco de
Esquerda Miguel Portas, era preso pela polícia política do Estado Novo por
participar numa Assembleia Universitária na faculdade de Medicina de Lisboa.
Era então estudante do Liceu Camões, em Lisboa.
Da semana na prisão
– a que sempre preferiu chamar “detenção” –, Miguel Portas saiu de cabeça
rapada, marca que o regime impunha aos estudantes desordeiros. André mantém o
cabelo claro e comprido que quase lhe esconde os olhos, e não esteve nem perto
de ser detido pela polícia. Mas do pai recebeu essa “influência decisiva” que o
levou a integrar o activismo social. “São pisadas que quero seguir – não que
tenho de seguir – e são influências decisivas, quanto mais não seja pelos
valores morais que me foram transmitidos”. Sobretudo pela mãe, Ana Isabel
Entrudo, com quem passou a infância e a maior parte da juventude. O pai,
habituou-se a vê-lo sob os holofotes mediáticos, e através dessa janela foi
absovendo a inspiração para o caminho que veio a seguir. “Quando uma pessoa
liga a televisão e vê o pai, quando muda de canal e vê uma intervenção no
parlamento, percebe os frutos que a vida política pode dar”.
Mas não para si.
Pelo menos para já. “Ideologicamente próximo do comunismo”, André admite sentir
“simpatia” pelo Bloco de Esquerda, mas o tempo não é de responder a apelas
partidários. É o tempo de “desempenhar um papel político de activismo social,
até por uma questão de coerência. A mudança tem de ser feita pelas pessoas,
elas têm de ter um papel activo para que essa mudança ocorra, por isso, eu
próprio tenho de desempenhar o meu papel”, justifica.
Chegou a Portugal
há menos de seis meses, regressado de um temporada de dois anos em Bruxelas
para terminar o ensino secundário, na Escola Europeia, e para passar algum
tempo mais próximo do pai. Foi nessa altura que Miguel Portas viu ser-lhe
diagnosticado um tumor no pulmão. Acompanhou a doença de perto – apesar de
Portas ter sempre protegido o filho das notícias mais duras – e dele guardou
uma máxima que diz que “é preciso encontrar um equilíbrio, também na forma como
vivemos, entre tudo o que se faz. Não fazer nada de forma obsessiva, não ser
extremista, porque os extremos fazem mal”.
Entrar em acção É
com essa ideia em mente que André Portas regressa a um país afundado num
lamaçal chamado crise, e é nesse momento que se dá o verdadeiro clique. A greve
de 14 de Novembro serviu de mote para que se juntasse a outros jovens e
formasse o grupo “Estudantes pela Greve Geral”, que teve continuidade no
recém-baptizado Movimento Artigo 74. Nos últimos meses, ao mesmo tempo que se
apresentava na licenciatura em História Moderna e Contemporânea do ISCTE-IUL,
conheceu outros activistas, organizou manifestações e foi para a rua gritar
contra os cortes que o Orçamento do Estado consagra para o Ensino Superior no
próximo ano. Com a experiência, foi também ganhando forma uma consciência
política que de alguma forma tinha nascido dois anos antes mas que se mantivera
adormecida durante esse tempo. “Há uma grande influência do meu pai que me leva
a participar no activismo, mas creio que é também uma questão moral, porque
quando olhas à volta e vês pobreza, quando vês certas medidas a serem tomadas e
um governo que apoia a austeridade – ao ser confrontado com estas situações,
senti necessidade de intervir”.
Na cantina da UL
passa agora um filme sobre o Maio de 68. Na plateia da sala de projecção
improvisada estão perto de 40 estudantes universitários. André olha à volta,
mas pensa sobretudo na realidade que fica para lá das paredes do edifício
quando diz que entre os jovens “não há uma grande politização, não há grande
consciência política nem vontade de intervir”. A culpa, garante, é da qualidade
do ensino em Portugal, em particular do secundário, que promove “um incentivo à
imbecilidade” dos adolescentes, ainda que a tendência seja a de que cada vez
mais os jovens estejam atentos e queiram participar.
Decidido a dar o
seu contributo, o discurso político revela-se na plenitude quando André
vaticina que “já temos a assinatura no testamento, o caminho está praticamente
marcado e não é um caminho bom”. Numa palavra, o país ainda não bateu no fundo.
“Vamos ter níveis de desemprego brutais, fome e se neste momento já estamos
muito, muito mal, vamos ficar pior”. Depois, espera, virá a reviravolta, rumo a
“um futuro mais consistente, mais equilibrado, menos destrutivo, menos
consumista e que seja mais sustentável”.
Da História, para a
qual olha com a certeza de que se repetem os grandes momentos, André Portas
destaca um ponto central: “Mudámos muito ao longo dos séculos, mas a questão
estrutural é sempre a mesma: temos muita distância entre as classes – esta
palavra já está cristalizada. O grande problema é sempre a desigualdade”.
*Foto com André:
José Fernandes, em Jornal i
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