Constança Cunha e Sá – Jornal i, opinião
Num primeiro
momento, a dupla Passos Coelho/Vítor Gaspar rejubilou intensamente com a
aplicação a Portugal de algumas medidas acordadas para a Grécia. Os benefícios
que daí viriam foram entusiasticamente dados como adquiridos com base no
princípio de igualdade – que o intrépido Passos Coelho disse ter imposto na
cimeira europeia de Julho de 2011. Uns dias depois, este idílico estado de
coisas caiu por terra graças ao ministro das Finanças alemão que, paternalmente,
aconselhou o governo português a não enveredar por este ínvio caminho que nos
colaria irremediavelmente à Grécia.
Perante este
precioso conselho, a dupla desdobrou-se numa série de malabarismos que
culminaram apoteoticamente numa pirueta de 180 graus: Passos Coelho, dando o
dito por não dito, viu nas palavras do alemão um portentoso elogio ao seu
programa de ajustamento. Por seu lado, Vítor Gaspar apressou-se a explicar que
os portugueses, para além de piegas, preguiçosos e outros mimos afins, são também
essencialmente burros, não tendo, por isso, capacidade para apreender as
questões complexas com que ele, na sua infinita sabedoria, é obrigado a lidar.
Escusado será dizer
que, por uma vez, as declarações do ministro das Finanças na Assembleia da República
tinham sido de uma clareza cristalina. Mas isso é um pormenor que não incomoda
este nosso sábio de serviço: depois do entusiasmo nacional, o que era
importante mostrar é que qualquer conselho alemão é visto, por ele e por Passos
Coelho, como uma ordem a que não se podem furtar.
Seguiu-se a
algazarra do costume, com cada ministro a dizer o que lhe passava pela cabeça,
numa harmoniosa cacofonia que ganhou contornos épicos com a intervenção do
Presidente da República. Num rasgo de lucidez, Cavaco Silva limitou-se a dizer
o óbvio: independentemente da situação da Grécia, Portugal tem o direito (e o
dever) de defender os seus próprios interesses, nomeadamente quanto ao prazo do
pagamento da dívida e à redução das comissões que nos são impostas. Só um “burro”
que não compreende as complexidades de Vítor Gaspar é que não percebe a crítica
do Presidente ao governo que, como se depreende das suas palavras, não tem
defendido o interesse nacional junto dos seus parceiros.
No meio de tudo
isto sobra a dramática situação da Grécia, que teve a felicidade de unir todas
as luminárias do burgo: nesta patética semana, não houve ninguém que não
achasse por bem dizer, com indesmentível orgulho, que nós não somos a Grécia.
Pois não, nós ainda não somos, de facto, a Grécia. Mas para lá caminhamos a
passos largos: com uma economia de rastos, um desemprego galopante, um
empobrecimento brutal, uma dívida a subir para além do que estava previsto e um
Orçamento para 2013 que ameaça destruir a vida de milhares e milhares de pessoas.
Mais cedo do que se pensa, o nosso “sucesso” vai transformar-se no irremediável
falhanço da Grécia.
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