sábado, 8 de dezembro de 2012

Portugal: A DUPLA

 

Constança Cunha e Sá – Jornal i, opinião
 
Num primeiro momento, a dupla Passos Coelho/Vítor Gaspar rejubilou intensamente com a aplicação a Portugal de algumas medidas acordadas para a Grécia. Os benefícios que daí viriam foram entusiasticamente dados como adquiridos com base no princípio de igualdade – que o intrépido Passos Coelho disse ter imposto na cimeira europeia de Julho de 2011. Uns dias depois, este idílico estado de coisas caiu por terra graças ao ministro das Finanças alemão que, paternalmente, aconselhou o governo português a não enveredar por este ínvio caminho que nos colaria irremediavelmente à Grécia.
 
Perante este precioso conselho, a dupla desdobrou-se numa série de malabarismos que culminaram apoteoticamente numa pirueta de 180 graus: Passos Coelho, dando o dito por não dito, viu nas palavras do alemão um portentoso elogio ao seu programa de ajustamento. Por seu lado, Vítor Gaspar apressou-se a explicar que os portugueses, para além de piegas, preguiçosos e outros mimos afins, são também essencialmente burros, não tendo, por isso, capacidade para apreender as questões complexas com que ele, na sua infinita sabedoria, é obrigado a lidar.
 
Escusado será dizer que, por uma vez, as declarações do ministro das Finanças na Assembleia da República tinham sido de uma clareza cristalina. Mas isso é um pormenor que não incomoda este nosso sábio de serviço: depois do entusiasmo nacional, o que era importante mostrar é que qualquer conselho alemão é visto, por ele e por Passos Coelho, como uma ordem a que não se podem furtar.
 
Seguiu-se a algazarra do costume, com cada ministro a dizer o que lhe passava pela cabeça, numa harmoniosa cacofonia que ganhou contornos épicos com a intervenção do Presidente da República. Num rasgo de lucidez, Cavaco Silva limitou-se a dizer o óbvio: independentemente da situação da Grécia, Portugal tem o direito (e o dever) de defender os seus próprios interesses, nomeadamente quanto ao prazo do pagamento da dívida e à redução das comissões que nos são impostas. Só um “burro” que não compreende as complexidades de Vítor Gaspar é que não percebe a crítica do Presidente ao governo que, como se depreende das suas palavras, não tem defendido o interesse nacional junto dos seus parceiros.
 
No meio de tudo isto sobra a dramática situação da Grécia, que teve a felicidade de unir todas as luminárias do burgo: nesta patética semana, não houve ninguém que não achasse por bem dizer, com indesmentível orgulho, que nós não somos a Grécia. Pois não, nós ainda não somos, de facto, a Grécia. Mas para lá caminhamos a passos largos: com uma economia de rastos, um desemprego galopante, um empobrecimento brutal, uma dívida a subir para além do que estava previsto e um Orçamento para 2013 que ameaça destruir a vida de milhares e milhares de pessoas. Mais cedo do que se pensa, o nosso “sucesso” vai transformar-se no irremediável falhanço da Grécia.
 

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