Eduardo Oliveira Silva – Jornal i, opinião
A política exige um
discurso claro quanto aos objectivos
A carta de que
Mário Soares é o primeiro subscritor e que foi enviada a Passos Coelho,
pedindo-lhe para mudar de rumo ou para se demitir, tem evidentemente como
destinatário final o Presidente Cavaco Silva, como garante da Constituição.
O documento é um
exercício de constatação de que o governo está a extravasar o seu mandato,
agindo nas entrelinhas da Constituição ou até fora dela.
É isso que está em causa e, também, o facto de o executivo estar a tentar fazer reformas do Estado que não pré--anunciou em campanha eleitoral, quando o deveria ter feito de forma transparente.
Não se está a falar
da eterna questão de os governos aumentarem impostos assim que tomam posse,
alegando que não conheciam a situação do país. Com o devido respeito, a
população já deu para esse peditório e até o aceita.
Os políticos sabiam que esta legislatura tem poderes de revisão constitucional e foi por isso que o PSD chegou a ter um projecto de revisão que, por se verificar que era excessivamente liberal, foi arquivado.
Mas o arquivamento
foi só mesmo do opúsculo constitucional, porquanto a intenção e execução
sub-reptícia avança.
Por isso se questiona hoje a legitimidade democrática de medidas para as quais o governo não pediu aval, o que pode configurar uma espécie de abuso de confiança político.
Por comparação, com que cara ficaria um cidadão que cede ou aluga a casa a outro para uns escassos dias de férias e, quando a recupera, tem a sala virada ao contrário, os quartos trocados e todos os objectos em sítios diferentes? No mínimo, acharia que quem por lá pernoitou abusou da cedência.
Se é assim com uma
casa de férias, o que dizer de um país inteiro? É certo que as dificuldades e a
falência colectiva da economia impõem uma forte austeridade e uma limitação de
regalias sociais, mas isso é uma coisa e outra diferente é suprimi-las.
Para mexer em
valores estruturantes da nossa sociedade tem de se dizer o que se pretende
antes e durante a campanha eleitoral, e depois procurar consensos. Foi isso que
aconteceu quando Francisco Balsemão e Freitas do Amaral conseguiram, em 1982,
um entendimento que deu acesso a uma revisão constitucional que eliminou o
Conselho da Revolução com o acordo do PS, onde pontificava Mário Soares. Os
três fizeram história e souberam estar à altura dela.
Desse acordo saiu
também uma lei de delimitação dos sectores e a consensualização da criação do
que é hoje o Tribunal Constitucional, eliminando um Estado que era uma espécie
de laboratório do eurocomunismo, como dizia o saudoso Lucas Pires.
Poucos se lembram, porventura, da dificuldade que houve em proceder a estes ajustamentos e fixar os novos poderes do Presidente da República. Mas há um dado indiscutível e incontroverso: tudo foi feito às claras e de forma transparente do ponto de vista democrático.
Nota: Afinal, o que
foi o primeiro-ministro fazer a Cabo Verde? Explicar que não há propinas no
ensino obrigatório de cá? Explicar a sua relação com a Tecnoforma? Faltando-se
ao princípio de não falar no estrangeiro de assuntos internos, diminui-se o
impacto de uma visita de Estado essencial.
Sem comentários:
Enviar um comentário