24 Chassa, Sófia - Presseurop
Catalães,
escoceses, flamengos… Chegou a vez de a Europa Ocidental ser tentada pelas
sereias do separatismo. Para o ensaísta búlgaro Ivaïlo Ditchev, a coberto da
defesa da sua identidade, os novos nacionalistas entrincheiram-se, como os
senhores feudais, por trás do seu bem-estar económico.
Para compreendermos
os movimentos separatistas europeus dos últimos 20 anos, proponho que
procedamos à seguinte simulação.
Lança-se a ideia de
uma autonomia substancial de Sófia, a capital búlgara, com o objetivo final de
a separar do território nacional. Para tal, mobilizamos uma brigada de
historiadores mediáticos para provar – por exemplo – as raízes celtas da cidade
que ficou sob o jugo de invasores do Norte, responsáveis pelo massacre de
milhares de cristãos pacíficos e inocentes. A História é vasta e os temas não
faltam! A independência de Sófia do resto do país, economicamente muito menos
desenvolvido, conduz automaticamente ao aumento da prosperidade dos seus
habitantes – de 37% da média europeia, os seus rendimentos passam para os 70%
e, com a exclusão hábil dos bairros ciganos da cidade, mesmo para os 100%. Só
nos falta proclamar que a nossa capital é "o Luxemburgo dos Balcãs".
Fácil!
Seria o mesmo se,
um dia, a cidade de Munique começasse também a querer libertar-se do
"jugo" alemão; idem para Londres. Neste caso, os rendimentos dos seus
habitantes atingiriam números astronómicos: de 300% da média da UE para uns, e
600% para os segundos!
Interesses motivam
sede de independência
O que pode impedir
os ricos de se libertarem do peso dos seus compatriotas mais pobres? Recordemos
que, quando da queda do Império Otomano, os Balcãs mergulharam numa crise que
durou várias décadas. Ao longo de todo o século XIX, por exemplo, a economia
grega dependeu de transfusões dos grandes bancos internacionais – exatamente
como hoje. Das ruínas do Império Austro-Húngaro nasceu um pequeno país rural,
provincial e folclórico – a Áustria. No tempo do seu esplendor, estas entidades
possuíam vastos territórios controlados pelo Estado central – uma fonte de
matérias-primas e de mão de obra à qual, em troca, a indústria vendia os seus
produtos. Um intercâmbio que requeria uma boa dose de solidariedade: os ricos
dedicavam uma parte dos seus rendimentos para instruir os seus futuros
empregados, construir estradas, defender as fronteiras do país. Tudo isto
deixou de se aplicar à situação de hoje: se declarar a independência, Sófia não
terá este tipo de preocupações. A economia é agora global e a segurança é
garantida pela Aliança Atlântica. Em vez de comprar tomates em Plovdiv (Sul), a
cidade poderá comprá-los em Esmirna (na Turquia); em vez de contratar
motoristas de autocarro em Vidin (Norte), poderá empregar indianos de Nova
Deli.
Mesmo que
fantástica, a construção identitária tem a sua importância – é certo. Mas é
sobretudo um meio, na luta pelo poder e pelos recursos económicos. Ao contrário
de Sófia, a Catalunha tem realmente uma história milenar, uma cultura e até uma
língua próprias. Mas o argumento mais sério dos independentistas continua a ser
o facto de esta região ser sensivelmente mais rica que o resto de Espanha: os
separatistas conquistam a simpatia dos eleitores, graças à sua recusa de pagar
para os outros. Em comparação, os independentistas bascos, que não hesitam em
recorrer à força e ao terror, parecem muito mais determinados na sua luta
contra Madrid. Mas a sua independência parece-me muito mais distante que a dos
seus compatriotas catalães pela simples razão de que são muito mais pobres. O
discurso é mais ou menos o mesmo na Escócia, que se prepara para organizar um
referendo sobre a independência, daqui a dois anos. Também ali, temos uma
história antiga, diferenças culturais e as marcas do imperialismo britânico –
em suma, todo o arsenal de identidade necessário para apoiar este movimento de
separação. Mas será que esta sede de independência seria a mesma, se não
tivessem sido descobertas no Mar do Norte jazidas de petróleo que poderão fazer
da Escócia uma segunda Noruega – um país que, por outro lado, se recusa
obstinadamente a aderir à UE? Em comparação, o nacionalismo irlandês é mais
antigo, feroz mesmo. Contudo, a maioria dos irlandeses do Norte tem-se
pronunciado regularmente contra a independência.
Uma lógica
neoliberal destruidora
Os flamengos da
Bélgica pedem igualmente a independência por causa do empobrecimento dos seus
compatriotas valões, nos anos 1970. Talvez a única coisa – tirando o Rei, a
cerveja e o futebol – que faz com que este simpático pequeno país continue a
existir seja a cidade de Bruxelas, que as duas entidades não conseguem dividir
entre si. Por outro lado, o processo de desintegração está bastante avançado e
a maior parte dos belgas que conheço habituou-se à ideia de, um dia, assistir
ao desaparecimento do seu país. Em contrapartida, o nacionalismo corso, muito
mais barulhento, tem muito menos hipóteses de chegar a algum lado, pois é pouco
provável que a população da Ilha da Beleza (onde, todos os anos no verão, são
incendiadas moradias do "intruso francês") renuncie aos generosos
subsídios e vantagens proporcionados pela metrópole.
Por que motivo a
Europa Ocidental sucumbe, por seu turno, aos separatismos e à desintegração que
se verificam no Leste do continente? Será preciso procurar esse motivo na
política irresponsável dos regionalismos pregada pela UE? Essa política tinha
por objetivo enfraquecer os Estados nacionais em proveito de Bruxelas. A ideia
falhou, porque os Estados enfraqueceram realmente, mas Bruxelas enfraqueceu
ainda mais.
Em meu entender, a
principal razão da desintegração dos territórios nacionais é a lógica
neoliberal, para a qual o lucro económico imediato continua a ser o critério
único e universal. E é por isso que um país, uma região ou mesmo uma cidade se
tomam por empresas e agem de maneira egoísta no mercado mundial. O aspeto
visível deste processo é o endurecimento do discurso identitário, que se torna
mais agressivo ou mesmo fascizante. Britânicos cada vez mais antieuropeus,
alemães que não querem pagar pelas extravagâncias dos gregos… O novo
nacionalismo é defensivo e, para além dos símbolos, exprime o desejo de um
pequeno grupo de ricos de se entrincheirarem atrás das muralhas do seu castelo,
abandonando os outros à sua sorte. Bem-vindos à Idade Média!
Muita tinta irá por
certo correr ainda sobre todos estes assuntos. Mas não esqueçamos as lições da
História: enquanto a Europa regressa ao feudalismo, os grandes impérios vão de
vento em popa. Foi
o que aconteceu com a Sublime Porta, e é o que continua a acontecer hoje com a
China e os Estados Unidos.
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