segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Portugal: ANDAR AOS PAPÉIS

 

Ana Sá Lopes – Jornal i, opinião
 
Passos Coelho garantiu ontem que nunca quis dizer o que disse na entrevista à TVI
 
O primeiro-ministro aludiu na entrevista que deu à TVI que teria “um problema de comunicação”. É verdade, mas não é esse o seu principal problema – o mais grave é andar literalmente aos papéis, em busca de um corte irreal a que se comprometeu com a troika e que o prof. Marcelo revelou ontem no seu programa dominical – vão ser 4,4 mil milhões a retirar à despesa pública.
 
Primeiro, inventou a “refundação” do Memorando que, no entanto, não era “renegociação”. Depois, chamou o PS para a “grande causa” de repensar as funções do Estado e o PS fez o que costuma fazer nestas ocasiões – uma abstenção violentíssima, uma autêntica abstenção veemente, irascível e arrebatada. Depois, veio Gaspar convocar todos, sociedade civil e universidades, para discutir tudo, as fundações e refundações, a equação entre aquilo que “os portugueses estão dispostos a pagar de impostos” e o Estado que querem. Por fim, percebeu-se que não iria haver nenhum debate, como não existiu antes nem existirá relativamente ao Memorando da troika – enquanto este governo continuar no sítio. A troika exige, o governo manda fazer, o povo acata – até um dia.
 
É neste contexto de “andar aos papéis” que se tem de enquadrar o acontecimento da entrevista à TVI em que o primeiro- -ministro afirmou claramente que a Constituição lhe permitia – mais na Educação do que na Saúde – obrigar os cidadãos a “repartirem” o esforço do Estado. Isso é uma coisa que já acontece no ensino superior, com as propinas.
 
Passos Coelho demorou quatro dias a desmentir que tivesse o objectivo de instituir os co-pagamentos da Educação – ideia que sempre defendeu antes de se tornar primeiro-ministro, como o i recorda hoje. Na quinta-feira da semana passada, no fim de um longo dia de polémica, com o PSD em profundo silêncio, o Ministério da Educação veio anunciar não estar em causa a “gratuidade” do ensino obrigatório. Ontem, os excelentes ares do Mindelo inspiraram Passos Coelho para decidir rejeitar ter dito o que efectivamente disse. A versão oficial, agora, é que o primeiro-ministro se limitou a concluir que os estudantes do ensino superior já pagam propinas. And so what? E afinal vai mudar alguma coisa na Educação? Neste momento, e depois da polémica, o primeiro-ministro não sabe. Ninguém sabe. Só sabe que são 4,4 mil milhões (e a precisão do número também só o prof. Marcelo sabe, porque mais ninguém a esclarece) e anda absolutamente aos papéis.
 

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