Deutsche Welle
A regra se
confirma: em vez de intimidar, massacre de Newtown incentiva norte-americanos a
comprar ainda mais armas. Repórter da DW vai às lojas e confere a simplicidade
do procedimento.
"Ah, leve uma
Glock 9mm", aconselha, simpático, o rapaz louro do meu lado, "ela
atravessa paredes, portas, praticamente qualquer coisa". E acrescenta,
prestativo: "Depende um pouco do tamanho da sua mão" – ambos olhamos
para minha mão esticada – "mas com uma Glock, não tem erro".
Assim como eu, o
jovem, que calculo ter em torno de 20 anos, encontra-se na fila de compradores
de uma loja de armamentos na Virgínia. Ele me conta que está procurando uma
pistola bem específica, por isso já esteve aqui na semana passada. "Mas
eles estavam com o estoque praticamente esgotado."
A loja, ao sul da
capital norte-americana Washington DC, abriu há uns 20 minutos, mas os três
vendedores mal dão conta da grande afluência de fregueses. Segundo as
estatísticas, nove entre dez norte-americanos possuem uma arma de fogo, e
continuam comprando mais. Quantas armas trocam de proprietário, de fato,
ninguém sabe, pois em muitos casos não é necessária qualquer formalidade.
Como se fosse uma
bicicleta
Porém, quão fácil
é, realmente, comprar uma pistola nos Estados Unidos? A alternativa mais
simples é uma feira de armas de fogo, as populares gun shows. Aqui não há
qualquer tipo de verificação de antecedentes nem se fazem perguntas. Tanto
negociantes quanto particulares podem colocar à venda suas pistolas e
espingardas.
Uma outra
possibilidade é a internet. Mas, para mim, como compradora de primeira viagem,
acho muito arriscado. Quem é que vai querer dar suas informações pessoais a um
site anônimo? Para me informar o mínimo sobre o tema, encontro-me com um
conhecido, "John" – que prefere não ter seu nome verdadeiro
publicado.
Ele cresceu num
lugarejo do estado da Virgínia, onde, como relata, as armas de fogo faziam
parte do cotidiano. "Eu tinha uns 9 anos quando atirei pela primeira
vez." Aos 18 anos, comprou sua primeira espingarda, uma Winchester.
Atualmente, ele possui diversas armas. John insiste nas formalidades, ao vender
ou comprá-las, embora isso não seja obrigatório em seu estado.
Quem lá reside pode
vender uma arma a outros cidadãos da Virgínia como se fosse uma bicicleta, sem
checagem de antecedentes, sem documentos. John não concorda com isso. "Se
eu não possuo mais a arma, isso deve estar documentado, para que eu não seja
mais responsável por ela", diz, pois quem sabe o que o comprador terá
feito, em dez anos.
Sem tempo para
jornalistas
Quando se compra
uma arma numa loja da Virgínia, a checagem de antecedentes transcorre
rapidamente, conta John. Caso nada conste, dentro de duas ou três horas o
comprador já pode levar o objeto consigo, pelo menos no caso de uma pistola ou
de um fuzil semiautomático.
Decido ir
diretamente a uma loja, alguns dias mais tarde, porém no estado de Maryland,
onde estou registrada. Já no primeiro estabelecimento que visito pela manhã, o
movimento é grande. Ele se situa numa rua comercial típica, entre um
restaurante taiwanês e uma loja de animais.
Chega a minha vez.
Eu me identifico como jornalista que gostaria de saber se e como se pode
comprar uma arma. "Hum, deixe ver se eu posso falar com a senhora",
diz o vendedor, e desaparece num aposento adjacente. Pouco mais tarde, o
gerente me comunica que devo me dirigir ao assessor de imprensa. Este se
encontra numa outra loja e infelizmente não tem tempo para falar comigo.
Caminho aberto a
calouros
Vou a outra loja de
armamentos em Maryland, mais para o leste da cidade. Também aqui o movimento é
intenso, pouco após a abertura. Desta vez, sou simplesmente uma cliente.
"Como posso
ajudá-la?", me interpela, gentil, a vendedora. "Antes de mais nada,
tenho uma série de perguntas", replico. "Primeira vez?",
pergunta, e quando faço que sim, ela prossegue: "Sem problema, meu colega
pode ajudá-la, temos muita gente que compra uma arma pela primeira vez, homens
e mulheres."
Seu colega, que
acaba de atender uma senhora de meia idade, aponta para um cartaz. "Então
primeiro a senhora tem que ir a este site e fazer o curso. No fim, recebe um
certificado, que traz aqui, e eu posso lhe vender uma arma."
Eu quero saber:
"Eu moro em Maryland, mas não sou norte-americana. Posso comprar uma
pistola, mesmo assim?" "Tem o green card?", ele pergunta.
Eu digo sim, que possuo o visto oficial de trabalho e permanência. "Então
não tem problema", é a resposta.
"Curso"
de meia hora
Ninguém vê qualquer
problema em me vender uma arma, embora esteja claro que eu não tenha a menor
noção de como lidar com uma. Ainda pergunto quanto dinheiro vou precisar
investir. "De 300 a 600 dólares", é a resposta.
Vou para casa e me
sento diante do computador. No site da polícia de Maryland, fico sabendo que o
"curso de segurança para armas de fogo" dura cerca de 30 minutos.
Digito meu nome,
data de nascimento e número de carteira de motorista e vou clicando adiante.
Aprendo algo sobre os diferentes tipos de revólver, sou instada a guardar
separadas a arma e a munição e, se possível, a manter a arma num cofre.
Pergunto-me: então
como é que vou estar a postos, à noite, quando vier o gângster de máscara de
esqui, contra o qual os sites das lojas de armamentos tanto me alertam?
Dentro de 30
minutos, de fato, terminei o curso online, e como prova posso imprimir o
certificado. Parte dele devo enviar de volta para a polícia. E aí não há mais
nada que me impeça de comprar a minha primeira pistola.
Agora, só falta
comprar
Falta ainda o
comerciante realizar uma checagem de antecedentes, ou seja, enviar meus dados
pessoais para a polícia. "Normalmente demora sete dias", ele me
avisara, "mas eles estão tão atrasados que a senhora precisa contar com
duas ou três semanas".
No fim do dia,
ainda vou até aquela loja na Virgínia, onde espero quase três quartos de hora
até ser atendida. Quero saber se também posso comprar uma pistola aqui, onde
tudo é mais simples e rápido?
O vendedor
esclarece: "A senhora pode comprar aqui, mas teríamos que enviar a arma
para um comerciante em Maryland, para a senhora a receber lá e completar as
formalidades. Só que estamos com tanto trabalho que no momento não fazemos
isso, lamento".
Eu agradeço e saio
da loja. Agora, eu poderia ir até o negociante em Maryland, escolher uma
pistola e, em duas a três semanas, simplesmente levá-la para casa comigo. Uma
perspectiva que não me deixa especialmente à vontade.
Autoria: Christina
Bergmann (av) - Revisão: Alexandre Schossler
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