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País entra em fase
decisiva de reformas estruturais. Concessão de empresa açucareira à brasileira
Odebrecht marcou abertura do agronegócio no país, mas especialistas divergem
sobre uma real mudança de filosofia.
O plano de reformas
iniciado há dois anos em Cuba para reverter décadas de crise econômica e
atualizar o modelo econômico da ilha está correndo bem e deve ser aprofundado,
segundo o presidente do país, Raúl Castro. Entre as medidas tomadas
recentemente está a entrada da empresa brasileira Odebrecht no setor açucareiro
da ilha caribenha.
"A atualização
do modelo econômico cubano (...) segue em bom ritmo e está começando a entrar
em questões de maior alcance, complexidade e profundidade", afirmou Castro
no discurso de encerramento da Assembleia Nacional, em dezembro.
Castro pretende
preservar e desenvolver em Cuba "uma sociedade socialista, sustentável e
próspera", que, para ele, seria a única garantia da independência e
soberania nacional. Mesmo assim, analistas têm opiniões divergentes sobre as
intenções de Cuba em promover uma abertura real desta vez.
Equilíbrio entre
socialismo e crescimento
Michael Zeuske,
professor de História da Universidade de Colônia, na Alemanha, duvida que venha
a haver uma grande abertura. "Odebrecht é uma exceção, e a mensagem é
também que Cuba não quer investimentos estrangeiros. Eu considero que isso é
apenas uma experiência", frisou.
Para Carlos Eduardo
Vidigal, professor do curso de História da Universidade de Brasília (UnB), as
reformas são lentas. Mas o governo tem se comprometido com a sua continuidade e
abrangência, avançando na liberalização de pequenas e médias empresas, assim
como na modernização de cooperativas urbanas de produção e serviço.
"A questão é a
'calibragem' necessária para prosseguir nas reformas sem afetar a estrutura
socialista do país, o que explica a manutenção da propriedade estatal das
terras, propriedades, subsolos e indústrias", frisou Vidigal.
Ele acrescentou,
ainda, que essas iniciativas têm ligação com o fim da ajuda soviética a Cuba
nos anos 1990, o desempenho sofrível da economia a partir deste período e o
exemplo chinês de abertura ao mercado, sem abandonar a "matriz
socialista".
Sobre facilitar
investimentos brasileiros na ilha, Vidigal acredita que a possibilidade é
grande, mas um passo nesse sentido será dado de forma extremamente cuidadosa,
para evitar que a ilha caribenha se torne muito dependente de um ou de outro
país.
"Os
investimentos brasileiros podem dinamizar o setor açucareiro, o turismo e até
mesmo a exploração de petróleo, mas isso exigiria um grande esforço diplomático
para encontrar o ponto de equilíbrio entre os interesses dos dois países",
frisou.
Para o professor de
Relações Internacionais da UnB, Argemiro Procópio Filho, mais do que uma
experiência isolada, a parceria com a Odebrecht é o início da abertura
econômica de Cuba e também um passo estratégico para que o país volte a ser
membro da Organização dos Estados Americanos (OEA). "É um movimento de
abertura com muita determinação e deve prosperar", acrescentou.
Contrato com a
Odebrecht
A concessão de uma
central de colheita e produção de açúcar para o grupo brasileiro Odebrecht,
pelo período de 13 anos, marca a abertura do setor agrícola de Cuba para
empresas de outros países. Trata-se do primeiro investimento estrangeiro no
setor agrícola desde o triunfo da Revolução de 1959.
O presidente Raúl
Castro tenta, assim, recuperar a indústria com a modernização tecnológica e com
a abertura ao capital estrangeiro. Espera-se que o setor açucareiro da ilha –
cuja produção caiu de cerca de 8 milhões de toneladas na década de 1970 para
apenas 1,4 milhão de tonelada na última safra – ganhe novos impulsos.
A Odebrecht vai
gerenciar a usina 5 de Septiembre, localizada na província de Cienfuegos, a 225
quilômetros de Havana. A empresa, em comunicado, pretende aumentar a produção
de cerca de 30 mil toneladas para 90 mil toneladas por safra.
A abertura do setor
para uma empresa brasileira é um sinal de que a ilha caribenha valoriza as
relações com o Brasil. De acordo com Vidigal, da UnB, o Brasil é visto em Cuba
como um país confiável.
"Além disso,
cito a competência técnica dos empresários brasileiros no setor sucroalcooleiro
e nossa inserção no mercado mundial de açúcar e até mesmo do álcool
combustível", frisou Vidigal.
Sucateamento da
indústria açucareira
O setor açucareiro,
que era um dos motores econômicos da ilha, entrou em forte decadência nas
últimas décadas em Cuba. Justamente o fato de os Estados Unidos deixarem de
comprar açúcar de Cuba a preços preferenciais fez com que a economia cubana
entrasse em crise.
Desde a dissolução
da União Soviética, em 1991, e do fim da "parceria" entre Havana e
Moscou, Cuba passou por dificuldades econômicas extraordinárias, cuja superação
exige, segundo especialistas, a abertura ao mercado internacional, mesmo que
essa abertura seja de modo progressivo e calculado. "Um exemplo é a China,
que desenvolve seu projeto de potência econômica sem abandonar o
comunismo", frisou Vidigal, da UnB.
Oito engenhos de
cana em Cuba foram construídos nas décadas de 1970 e 1980, mas o resto já
estava na ilha antes da revolução de 1959. E até o ano de 2000, Cuba investiu
pouco na modernização do setor açucareiro.
Zeuske lembra
também que a decisão do então presidente Fidel Castro em fechar as principais
centrais de colheita e produção de açúcar em 2000-2002 foi um erro. "Essa
foi uma das grandes decisões de estruturação econômica de Fidel Castro.
Infelizmente, uma decisão errada, como quase todas que ele tomou, como mostrou
a crise a partir do ano de 2008", frisou.
A entrada da
Odebrecht na modernização da reprimida indústria açucareira aumenta o papel do
Brasil na ilha e confirma a estratégia brasileira de promover a
internacionalização de suas empresas.
"O Brasil,
desde que alcançou a sua estabilidade financeira, resgatou uma antiga ambição,
que é a de se projetar em sua vizinhança, começando pela América do Sul, pela
costa oriental da África e, em terceiro lugar, o Caribe", frisou Vidigal,
da UnB.
Com isso, a própria
Odebrecht já executa obras no valor de mais de 900 milhões de dólares para
modernizar o porto de contêineres de Mariel, localizado no oeste da capital
Havana.
O governo cubano
aporta 15% do valor do projeto e o resto é financiado pelo Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico Social (BNDES) do Brasil. O porto é visto como uma
plataforma comercial chave caso os Estados Unidos aumentem seu embargo de meio
século contra a ilha caribenha.
O embaixador
brasileiro em Cuba, José Felício, afirmou em entrevista à revista cubana Excelencias
que o Brasil não pode se desenvolver isoladamente no contexto da América
Latina.
"Não cremos
que seja possível, por exemplo, um crescimento do nosso país em meio de uma
pobreza sul-americana. Queremos aproveitar o momento econômico que temos para
ver se crescemos juntos", frisou.
Autor: Fernando
Caulyt - Revisão: Francis França
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