LE
MONDE, Paris – Presseurop – imagem Dieter Hanitzsch
A França e a
Alemanha comemoram o aniversário do Tratado do Eliseu em que viria a assentar o
entendimento entre os dois países, num momento em que a relação entre ambos
está em crise. Os franceses fazem má cara ao sucesso económico dos alemães, que
não se privam de sublinhar as fraquezas dos seus vizinhos. Apesar de tudo, é
preciso que a dupla continue a entender-se.
Recebemos
tardiamente os parabéns pelo 31 de dezembro. Não os do Presidente da República,
mas os de Angela Merkel. Foi como que uma visão. A chanceler foi majestosa.
Angela Merkel conseguiu um exercício perfeito. Os anais registaram as previsões
pessimistas da chanceler: "A crise está longe de ter sido superada."
Não foi isso que
nós vimos. Vimos a chanceler reinar sobre uma Alemanha tranquilizada, a nove
meses das eleições gerais [previstas para 22 de setembro de 2013]. Estava
radiosa, vestida de cetim cinzento, olhando do alto da sua chancelaria o
edifício do Reichstag, incarnação da democracia parlamentar alemã. Um tom grave
e um sorriso muito ligeiro. Alguns acusam esta doutorada em Física, filha de um
pastor [luterano] criada na Alemanha de Leste, de preferir as ciências duras às
ciências humanas, de não ter consciência histórica, quando se coloca a questão
europeia.
Angela Merkel
esforça-se arduamente por se inscrever na tradição dos pais da República
Federal. Assim, ao congratular-se pelo aniversário, recuou 50 anos: citou
Walter Bruch, inventor do sistema de televisão a cores PAL, que rivalizou com o
nosso sistema Secam [cor sequencial com memória] nacional; recordou Kennedy,
proclamando "Ich bin ein Berliner" [Eu sou um berlinense] diante do
Muro de Berlim; prestou homenagem a Charles de Gaulle e Konrad Adenauer, que
selaram a reconciliação franco-alemã.
Suor e lágrimas
Antes de disputar o
terceiro mandato, Angela Merkel quer firmar para si mesma uma estatura digna
dos seus grandes antecessores. Num encontro em novembro de 2012, antes da
entrega do Prémio
Nobel da Paz atribuído à União Europeia, o "Presidente normal"
François Hollande explicou, de mau humor, que iam receber um prémio que era
merecido pelos heróis do passado, Schuman, Monnet, Adenauer. "Mas nós
também devemos ser heróis", replicou Angela Merkel, que, no entanto, geriu
muito mal a crise do euro, no seu início, recusando-se a afastar a hipótese de
falência de países-membros da união monetária.
Um bom herói deve
sofrer e Angela Merkel exige sempre suor e lágrimas. Nas suas palavras de
felicitações, não referiu os esforços dos gregos e de outros povos da Europa
postos à prova pela crise do euro. Mas, antes de pedir "a bênção de
Deus" para os seus compatriotas, citou o filósofo grego Demócrito (470-370
antes de Cristo): "A coragem é o começo da ação e a felicidade é o seu
fim."
No entanto, para
quem ouvir a sua chanceler, os alemães estão perto da felicidade. Enquanto a
França se dilacera, ontem com Nicolas Sarkozy, hoje entre os partidários dos
75% e os que cometem fraudes fiscais, entre defensores do casamento de
homossexuais e os opositores católicos, a chanceler incarna uma nação unida.
Neste 31 de dezembro, Angela Merkel contou uma história. Contou como os colegas
da sua equipa de futebol tinham convencido um miúdo de Heidelberg a não
abandonar a escola: na Alemanha, o sucesso individual é coletivo. E que
sucesso! O desemprego tem a taxa mais baixa de depois da reunificação: foi
reduzido a metade sob o mandato de Angela Merkel e o país ainda criou 416 mil
empregos em 2012. Nunca tantos alemães tiveram emprego.
No mesmo dia,
François Hollande tentava convencer os seus compatriotas de que o
desemprego, que aumentou ao longo de dezanove meses seguidos, iria
finalmente recuar no fim do ano. Mas é preciso merecer a felicidade de Angela
Merkel. Para a manter, é preciso perseverar no esforço. Sem esperar a epifania,
que assinala o reinício da vida política alemã, o ministro das Finanças,
Wolfgang Schäuble, anunciou novas medidas de poupança.
Hollande terá de
fingir
Dura parceria para
François Hollande, que esperava não passar demasiado tempo na companhia de
Angela Merkel. Angela Merkel é mais
popular do que nunca, amada por sete alemães em cada dez. Portanto,
François Hollande vai ter de fingir que aprecia a companhia da chanceler. Os
ministérios dos Negócios Estrangeiros francês e alemão estão a preparar um
magnífico "baile dos hipócritas" em Berlim, em 21 e 22 de janeiro,
para assinalar o cinquentenário do Tratado do Eliseu. As populações terão
direito aos refrãos do costume: conselho de ministros franco-alemão, discursos
de Angela Merkel e François Hollande, no Reichstag. O culminar das festividades
será um concerto na Filarmónica de Berlim. E é tudo.
A repercussão
mediática do acontecimento vai revelar um desejo de franco-alemão, mas os dois
dirigentes não previram nenhuma iniciativa política importante. Pelo contrário,
nas duas margens do Reno, reina a impaciência: os alemães desprezam os
franceses que retrocedem economicamente, os franceses clamam energicamente
contra o desejo de poder germânico. Os alemães são acusados de querer matar a
Peugeot, de não reconhecerem a superioridade da França na indústria espacial e
na meteorologia, etc. Angela Merkel é majestosa, a Alemanha um rebento
imperialista, e a França está na senda preocupante da germanofobia.
Traduzido por Fernanda
Barão
VISTO DA ALEMANHA
Disputar para se
poder avançar
“As disputas geram
amizades” [em alemão, Streiten macht Freunde]: a verdadeira força da
relação entre Berlim e Paris resulta precisamente das eternas controvérsias
entre os dois países, considera Die Welt am Sonntag.
Obviamente que,
constata a edição de domingo de Die Welt, é muito o que opõe franceses e
alemães. Os primeiros veem a sua relação de “casal” como a relação de Marianne,
beleza de seios nus e sedenta de liberdade, e de Bismarck, de bigode farfalhudo
e um virtuoso do poder. Os segundos preferem a metáfora técnica do “motor
franco-alemão”. Mas isto acaba por ser uma vantagem:
A unidade, por si
só, não garante o avanço da Europa. [...] Foi eterna a disputa entre Adenauer e
De Gaulle sobre a relação com a América e sobre a autonomia da Europa; entre
Helmut Kohl e Mitterrand, sobre a reunificação e sobre o euro. Sempre houve
tensões em todos os sentidos mas, no fim, havia um compromisso que fazia
avançar a Europa.
É neste espírito,
sublinha Welt am Sonntag, que o tratado do Eliseu quis que os cidadãos
pudessem aprender a língua do outro e estabelecer contactos permanentes a todos
os níveis.
Assim se criou uma
rede única na Europa onde ninguém deve renunciar à sua identidade. E assim se
explica também por que motivo a França e a Alemanha conservam hoje o papel de
líderes da Europa. Não formam uma associação bilateral exclusiva. Continuam a
disputar, de uma forma exemplar, os grandes conflitos da União — integrando
também os outros.
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