Análise de
economista do Banco de Portugal esvazia discurso do FMI sobre apoios sociais.
Redução de subsídios e mudanças nas regras de atribuição de prestações poderão
ter agravado desigualdades.
O Governo chamou o
país ao debate. O Fundo Monetário Internacional (FMI) dividiu argumentos na
praça pública. Agora, um artigo de um economista do Banco de Portugal (BdP) vem
desconstruir a linha de argumentação que atravessa o documento no que toca às prestações
sociais, contrariando a ideia de que as medidas de protecção social do Estado
favorecem quem tem rendimentos mais altos em Portugal.
Numa análise
incluída no Boletim Económico de Inverno, divulgado nesta terça-feira pela
instituição, Nuno Alves, do Departamento de Estudos do banco, conclui que
Portugal é um dos países da União Europeia (UE) em que as prestações sociais
(excluindo as pensões) mais são orientadas para quem tem menores rendimentos. E
o facto de a despesa com prestações ser mais baixa do que a média europeia
impede que o impacto destas medidas seja mais significativo, sustenta o
economista.
Quando Pedro Passos
Coelho abordou a questão das prestações sociais a propósito do corte de 4.000
milhões de euros na despesa do Estado a apresentar à troika (2013 e
2014), falava de rendimentos de pensões e de outras prestações sociais (como os
subsídios de desemprego, subsídios familiares ou rendimento social de
inserção). Isso mesmo consta do relatório do FMI que veio a público na semana
passada.
Mas no mesmo
documento em que se diz que 33,8% de todas as medidas de protecção social (ou
seja, incluindo pensões) se concentram na franja de beneficiários com
rendimentos mais elevados, o FMI reconhece que só 8,9% das medidas de
assistência social (excluindo as pensões) abrangem na verdade essa franja de
20% de rendimentos mais altos.
O artigo do
economista Nuno Alves agora conhecido mostra que as medidas de protecção social
se dirigem a quem tem menores rendimentos.
O impacto das
prestações em dinheiro “na diminuição da desigualdade é ligeiramente inferior
ao registado na média da União Europeia” – 6% do rendimento base em Portugal,
contra mais de 8% na zona euro e na UE. Este facto, diz o economista, “é
usualmente interpretado como revelando não só uma menor eficácia mas também uma
menor eficiência das prestações em dinheiro”. Mas, na verdade, aponta, “este
resultado decorre exclusivamente da dimensão relativamente modesta daquelas
prestações”. E acrescenta: “Portugal é mesmo um dos países em que as prestações
em dinheiro (excluindo pensões) são mais orientadas para os rendimentos mais
baixos. No que se refere aos impostos sobre o rendimento, o seu efeito
redistributivo em Portugal é superior à média europeia, o que resulta de uma
maior progressividade dos impostos sobre o rendimento em Portugal”.
O artigo de Nuno
Alves deixa de fora a análise do sistema de pensões e, como o próprio assume,
não aborda outras “questões incontornáveis no debate em curso sobre políticas
de redistribuição”.
Há, porém, um dado
que não passa em branco: as mudanças recentes nas regras de atribuição de
prestações sociais, como é o caso do cálculo do subsídio de desemprego, a
redução de algumas das prestações ou o facto de outras terem sido restringidas.
“Estas alterações deverão ter contribuído para mitigar o impacto redistributivo
destas prestações em Portugal — devido à diminuição de transferências com um
elevado grau de progressividade — e, neste sentido, deverão ter contribuído
para um aumento da desigualdade na distribuição do rendimento”.
Com o aumento da
taxa de desemprego, os gastos do Estado com subsídios aumentou. Mas, no seu
conjunto, a despesa do Estado em prestações sociais manteve-se “relativamente
estável” entre 2009 e 2012. Tal deve-se ao facto de haver “uma diminuição dos
gastos do Estado com subsídios de família, subsídios a jovens e do rendimento
social de inserção, o que contrabalança o “aumento significativo [na despesa]
do subsídio de desemprego — associado fundamentalmente a um aumento sem
precedentes do desemprego”.
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