sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

ÁFRICA: DECOLAGEM OU RAPINA COLONIAL




A África foi sinônimo durante décadas de guerra, genocídio, corrupção, fome e extrema pobreza. Esta imagem está mudando graças a uma sequência de bons dados econômicos. Muitos países africanos se encontram diante de uma nova encruzilhada marcada por uma disjuntiva: repetição do fracasso ou salto para a frente. A China e as potências ocidentais procurarão tirar o máximo proveito dos recursos naturais do continente. O artigo é de Marcelo Justo, direto de Londres.

Marcelo Justo - Carta Maior

Londres - A África foi sinônimo durante décadas de guerra, genocídio, corrupção, fome e extrema pobreza, um continente de extraordinária beleza natural abandonado por Deus. Esta imagem está mudando graças a uma sequência de bons dados econômicos. Segundo a revista especializada britânica The Economist, seis dos países com maior crescimento do mundo nos últimos dez anos foram africanos. A empresa de consultoria estadunidense McKinsey aponta para a mesma direção com uma medição diferente. Neste século XXI, o Produto Interno Bruto (PIB) da África cresceu o dobro que nas décadas perdidas de 80 e 90. 

A bonança estratégica é a chave destes índices de crescimento econômico em um momento em que o mundo desenvolvido segue lutando com a austeridade e o sobre endividamento. Graças a este boom, a segunda economia do leste do continente, a Tanzânia, crescerá 7% este ano e o próximo, enquanto que duas de suas nações mais pobres e atribuladas, Serra Leoa e Gana, deverão apresentar índices de 14 e 7,8%, respectivamente. Moçambique, Etiópia, Uganda, Quênia, Serra Leoa e Somália são outros países tocados pela varinha mágica do petróleo e do gás que beneficiou antes Nigéria e Angola. 

Deus finalmente despertou para a África? O subdiretor da revista especializada “África Confidencial”, Andrew Weir, encontra-se entre os céticos com boa memória histórica. “O tema é que a África já viveu esse fenômeno. A pergunta chave é a quem ele beneficia e de que modo contribui para o desenvolvimento. Está muito claro que a China, as companhias energéticas e o setor financeiro estão vivendo grandes oportunidades. A questão é se isso vai beneficiar os africanos”, disse Weir à Carta Maior. 

O lado obscuro da história 

O século XIX foi marcado pelas disputas colonialistas entre potências ocidentais e a superexploração tão esplendidamente retratada por Joseph Conrad em seu “Coração das Trevas”. O longo caminho da independência que começou depois da Segunda Guerra Mundial gerou enormes expectativas que se desfizeram em meio a divisões étnicas, lutas de poder e uma corrupção galopante. Os cinco bilhões de dólares que acabaram nas contas suíças do ditador do Zaire, Mobutu Sese Seko, a paranoia desatada por Idi Amin em Uganda, a fome no Sudão e o genocídio em Ruanda simbolizaram entre os anos 60 e os 90 o destino do continente. 

Hoje a China é a nova estrela no firmamento das superpotências e multinacionais que disputam entre si os recursos do continente. Em 1999, o comércio China-África era de seis bilhões de dólares. Uma década mais tarde já superava a casa dos 90 bilhões de dólares. Hoje a China é o principal sócio comercial do continente. Em uma cúpula em Pequim realizada no ano passado com 50 chefes de estado da África, o presidente Hu Jintao prometeu créditos de 20 bilhões de dólares para o investimento em infraestrutura e “desenvolvimento sustentável”. 

A estratégia chinesa aponta para um desenvolvimento da infraestrutura básica – estradas, portos, etc. – que facilite o acesso aos produtos primários do continente de que necessita sua indústria. Seus investimentos na Zâmbia, que tem grandes reservas de cobre e carvão, constituem cerca de 20% do PIB desse país e 75% de suas exportações. Cerca de 20% do algodão de que precisa sua indústria têxtil chega de Mali, Benin e Burkina Fasso. Uma terça parte do petróleo importado pelo gigante asiático vem da África e, sobretudo, de Angola. E é precisamente esse setor energético, chave do suposto “renascimento” africano, o grande eixo da polêmica. 

A maldição do ouro negro 

O exemplo da Nigéria é o que melhor ilustra as oportunidades e perigos da atual etapa. Maior produtor de petróleo da África, a Nigéria sobre o que muitos chamam de “maldição do ouro negro” ou “doença holandesa”. Nestas duas “sintomatologias”, a posse de um recurso invejável termina sendo uma obscura maldição que condena uma nação ao atraso, à pobreza e à corrupção. 

As ONGs calculam que, na última década, cerca de 29 bilhões de dólares se perderam na Nigéria em um obscuro labirinto de bolsos oficiais e de prebendas das multinacionais. Este labirinto significa não só uma perda de riqueza em termos de arrecadação de impostos e investimento em desenvolvimento – infraestrutura, educação, etc. -, como também a aparição e consolidação de núcleos de poder e práticas institucionais que são muito difíceis de desfazer. 

A outra cara desta maldição é a chamada “doença holandesa”, um termo cunhado em 1997 pela The Economist para descrever a decadência do setor manufatureiro na Holanda após o descobrimento de uma importante jazida de gás em 1959. Os sintomas dessa enfermidade aparecem a partir do fluxo de investimentos que são atraídos pelo petróleo e gás e a inevitável valorização da moeda local gerada por eles. Essa valorização torna pouco competitiva o resto da economia, afoga a indústria nacional e gera processos inflacionários. 

“A isso se soma o fato de que os países vendem o recurso bruto em vez de desenvolver produtos com valor agregado. A Nigéria não tem uma refinaria de petróleo porque há uma elite que faz dinheiro importando e distribuindo os produtos petroleiros que chegam do exterior. E isso não ocorre só no campo da energia. O cacau poderia ser exportado como chocolate, mas isso não ocorre pela teia de interesses que se interpõe no caminho”, assinalou Weir. 

A encruzilhada 

Existem alguns sinais que apontam para esta direção. Nos últimos anos, Botswana se converteu em um dos poucos países africanos que conseguiu dar o salto da exploração de um produto primário – diamantes – para um com valor agregado – gemas -, multiplicando o emprego e a riqueza nacional. Com um olho posto neste exemplo e outro no modelo da Noruega, um país que converteu a riqueza petroleira em uma fonte de desenvolvimento por meio da criação de um Fundo Soberano, Gana, Moçambique e Tanzânia criaram fundos especiais autônomos para administrar a riqueza energética e utilizá-la para o desenvolvimento econômico-social. 

Nas eleições de dezembro em Gana, que deram a vitória ao atual presidente John Dramani Mahama, o eixo da campanha foi o investimento dos recursos energéticos. Segundo apontou áo Financial Times, o professor de política da Universidade de Gana, Emmanuel Gymah-Boadi, a eleição “foi uma batalha encoberta pelo controle do petróleo e do gás”. No papel, as coisas podem funcionar. A lei de investimento do petróleo de Gana estipula que cerca de 30% dos lucros deve fazer parte de um fundo soberano especial para o reinvestimento. Mas o próprio presidente eleito fez um chamamento à vigilância logo após a instauração desse fundo. “Não resta dúvida que mesmo depois de 55 anos de independência somos um país jovem. Como tal tivemos nossa porção de instabilidade e dificuldades”, disse Mahama. 

O século XXI não tem que ser necessariamente o XIX. Neste sentido muitos países africanos se encontram diante de uma nova encruzilhada marcada por uma disjuntiva de ferro: repetição do fracasso ou salto para a frente, Nigéria ou Noruega. A China e as potências ocidentais procurarão tirar o máximo proveito dos recursos naturais do continente. Da conduta que será adotada pelos dirigentes africanos e da vigilância por parte da sociedade civil dependerá que a África volte a ser uma região de guerras e fome ou então que se converta em um polo de crescimento mundial. 

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

Fotos: Common Dreams 

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