DER
SPIEGEL, HAMBURGO – Presseurop – imagem PE Sanchez
Na Alemanha, o
mínimo descuido pode ter efeitos desproporcionados. Os ministros sofrem as
consequências uns atrás dos outros por plagiar teses ou viajar para locais
tropicais. Por que será a Alemanha tão suscetível? Excertos.
Escândalo! O líder
do grupo FDP [no parlamento alemão], Rainer Brüderle, acaba de proporcionar um
vasto debate sobre o sexismo pelos seus comentários depreciativos sobre [uma
jornalista] e por lançar um olhar furtivo [ao peito desta última].
Escândalo! O
candidato a chanceler, Peer Steinbrück pelo [SPD] ganhou cerca de
€1,25 milhões com atividades legais, e devidamente declaradas.
Escândalo! O antigo presidente
da República Federal Horst Köhler indignou metade da Alemanha ao
declarar, numa viagem ao Afeganistão, que o exército alemão também representava
interesses económicos – algo que já constava num documento do Ministério da
Defesa.
Escândalo! Suspeito
de ter tido um comportamento desonesto [num caso de pagamento de um quarto de
hotel], o
presidente federal Christian Wulff foi forçado a demitir-se – apesar
da quantia em questão rondar apenas os €400.
Pecadilhos
Se refletirmos
sobre os escândalos políticos da legislatura em vigor, chegamos à conclusão de
que não há matéria para nos indignar. Algo que também se aplica à demissão
da ministra da Defesa, Karl-Theodor zu Guttenberg, que plagiou grande parte
da sua tese. No estrangeiro, estes pecadilhos que ofenderam os alemães são
motivos para se rir. Ou são incrivelmente rigorosos, ou então por estarem na
posição em que estão, aproveitam o mínimo descuido para se irritarem.
Há outros países
com casos que chamam muito mais a atenção. O antigo ministro austríaco Ernst
Strasser foi recentemente condenado a quatro anos de prisão por corrupção.
O antigo candidato às presidenciais, o francês
Dominique Strauss-Kahn foi suspeito de ter forçado uma empregada de
limpezas a fazer-lhe uma felação. O antigo presidente
do conselho italiano Silvio Berlusconi foi acusado de abuso de poder e
de cumplicidade num caso de prostituição de menores. Está também sujeito a uma
pena de quatro de prisão por fraude fiscal.
Ao lado, a Alemanha
parece um paraíso. Mas nem por isso mostra serenidade. Todos os meios de
comunicação fizeram a cobertura dos casos acima mencionados, procurando
pormenores sobre os casos e imaginando títulos sensacionalistas. Os cidadãos
ficaram chocados com estes casos, e os dirigentes políticos implicados caíram
nos inquéritos. Por tão pouco?
Um país é avaliado
com base nos seus escândalos políticos. O grau de indignação revela muito sobre
o caráter de uma nação. Tal como a falta de indignação. Em 2010, o psicanalista
italiano Sergio Benvenuto evocou o caso da
Itália em Carta Internacional. Silvio Berlusconi, diz ele, faz
política para os clientes de “cafés-bares”, este “império do politicamente
incorreto”, onde reina a vulgaridade e se critica os políticos, a não ser que
sejam “apolíticos” como Silvio Berlusconi. Sergio Benvenuto explicou portanto o
segredo por trás da longevidade deste último.
Não é para os fiéis
clientes de cafés-bares que se faz política na Alemanha. O coração do país bate
nos supermercados biológicos, onde as mulheres e os homens lutam por um mundo
melhor ao comprar produtos biológicos. Por cá prevalecem os princípios de responsabilidade,
sensibilidade, justiça. Este mundo é um mundo limpo, e não um universo com
fraca reputação como é o caso dos cafés-bares. O supermercado biológico coloca
a fasquia ainda mais alta para os políticos, estando estes mais sujeitos a
“escândalos”.
Nação virtuosa
Quais são os pontos
sensíveis? Nos casos de Annette Schavan (CDU) e Karl-Theodor zu Guttenberg
(CSU), é a honestidade. Os líderes políticos não podem mentir nem ser
detentores de títulos que não merecem [doutor, neste caso].
As declarações de
Horst Köhler fizeram chover críticas porque o país é particularmente sensível
ao tema da guerra. Após dois conflitos mundiais, a Alemanha já não quer ter
qualquer ligação com intervenções militares. Nomeadamente quando implicam
interesses económicos, torna-se totalmente insuportável, porque a Alemanha só
tolera a guerra quando esta serve causas moralmente irrepreensíveis, e mesmo
assim... Os interesses económicos levantam suspeitas de um país que também é
uma potência económica. Os escândalos colocam muitas vezes à luz do dia uma
forma de hipocrisia.
Nos casos de
Christian Wulff (CDU) e de Peer Steinbrück (SPD), o caso gira à volta do
dinheiro e do facto de os políticos levarem um estilo de vida que os afasta do
comum dos mortais. Christian Wulff é também suspeito de práticas desonestas. A
Alemanha apresenta-se como um país irrepreensível, onde tudo funciona na
perfeição por não haver corrupção. Apresenta-se também como um país que defende
a igualdade e onde é mal visto ser rico.
O resultado disto
tudo é uma nação que quer ser virtuosa em matéria de dinheiro, de guerra, de
biografias, que promove a coesão social e que não gosta de disputas violentas.
Somos o país das boas pessoas.
A expressão de uma
necessidade
O facto de
concedermos tanta importância a um escândalo insignificante deve-se ao facto
das grandes questões políticas não criarem divisões na Alemanha. Temos um amplo
consenso político no que toca a questões relacionadas com a política da União
Europeia face à crise, as reformas energéticas e o exército. Além disso, os
escândalos estrondosos políticos são raros. Se o ministro das Finanças Wolfgang
Schäuble fosse condenado por fraude fiscal, os “extras” de Steinbrück e a tese
de Annette Schavan deixariam de ser notícias de primeira página.
Apesar de ligeiramente
ridícula, esta hipersensibilidade pode estar a desempenhar uma função
preventiva ao instaurar princípios que fazem deste país um dos mais prósperos
do globo e um dos que melhor funcionam. A reação suscitada por estes escândalos
derisórios deve-se também ao medo de escândalos de maior dimensão, serve
portanto de sinal de alarme. O temperamento alemão não se acomodaria a uma
gestão italiana. O supermercado biológico é também um refúgio para angustiados:
esperemos que não aconteça nada de grave ao planeta.
Esta verticalidade
extrema é digna, sem dúvida alguma, de uma atitude de pequeno burguês. O que
não é forçosamente algo sedutor, e por cá também sonhamos com impetuosidade e
com a Itália, apesar de, em caso de apuros, preferirmos lidar com a justiça
alemã.
Na mente dos
alemães, os descuidos dos líderes políticos colocam em causa a sua aptidão em
exercer as suas funções. Portanto, os escândalos permitem fazer a distinção
entre os que são capazes de desempenhar altas funções e os que não o são.
A severidade dos
critérios alemães não deve ser motivo de satisfação. É a expressão de uma
necessidade. É provável que o ambiente nos cafés-bares seja muito mais
divertido do que nos corredores dos supermercados biológicos, mas os alemães
precisam de se manter íntegros para conseguir, sobretudo, viver juntos.
HISTÓRIA
A intocável
universidade alemã
Duas letras, uma
acusação e uma longa história: “No Dr. [doutor] alemão estão várias centenas de
anos de história cultural”, afirma oSüddeutsche Zeitung. O
diário de Munique explica por que é que um título universitário adquirido de
maneira desleal acaba de fazer cair uma ministra, Annette Schavan.
Para os alemães,
esse título honra o seu portador com “uma espécie de nobreza” herdada do século
XIX, época em que a universidade era a instituição mais importante da
comunidade, em todos os Estados germanófonos, escreve o SZ.
Ao contrário dos
italianos, para quem a comédia veneziana se ri do "dottore", dos
austríacos, para quem o “Dr.” Satisfaz o gosto comum pela pompa, dos franceses,
para quem uma “alta escola” vale bem mais do que uma Universidade ou do que os
britânicos, que olham mais para o nome da escola do que para o diploma, os
alemães estão convencidos “que a universidade alemã é o único e singular lugar
do saber”. Mesmo quando “a realidade de hoje já não corresponde” a essa ideia.
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