Rui Peralta, Luanda
I - Decorre na cidade
do Waka-Kungo, na província do Kwanza Sul, o IV Encontro Nacional de Balanço
dos Programas Municipais Integrados de Desenvolvimento Rural e Combate á
Pobreza, que terminam no dia 23 do corrente mês. Sendo o combate á Pobreza uma
das prioridades do Executivo, no sentido da construção de uma sociedade
socialmente mais justa, constitui este IV Encontro um ponto de referência no
balanço a efectuar aos resultados até agora alcançados pelo Programa.
Segundo a
Coordenadora do Programa, a Ministra do Comercio, Rosa Pacavira, que abriu os
trabalhos do IV Encontro, o crescimento da despesa afecta ao sector social no
Orçamento Geral de Estado (OGE) para 2013 e demonstrativo do compromisso do
Executivo. Salientou também o importante papel que a descentralização
administrativa desempenha na optimização dos impactos do Programa, constituindo
um dos aspectos essenciais da sua execução, incidindo nos serviços
municipalizados.
Outro aspecto
importante salientado pela coordenadora foi o papel do Comercio Rural, fonte de
dinamização dos centros de comercialização dos produtos agrícolas e de feiras
rurais. Um aspecto importante foi focado pelo governador do Kwanza Sul, Eusébio
de Brito Teixeira ao referir-se á situação actual neste sector, caracterizada
pelo desperdício da produção por falta de escoamento.
II - No primeiro dia do
IV Encontro os debates concentraram-se em torno dos temas ligados aos
mecanismos de execução do Programa e do OGE de 2013 para os municípios. Também
as metodologias de aplicação e de execução foram temas de discussão, assim como
a importância do Programa para o desenvolvimento rural e a visão estratégica
para o desenvolvimento do comércio rural e escoamento da produção.
Foram debatidos
temas como o crédito agrícola de campanha e de investimento, o fundo de apoio
ao comércio rural, o micro fomento e o apoio às cooperativas e associações.
Serão ainda abordados no último dia, temas sobre o combate á pobreza, a
melhoria da saúde pública, a merenda escolar, as cozinhas comunitárias, a
defesa do consumidor, o Programa Água para Todos e a questão energética no
mundo rural.
Estando o painel
completo, podemos realçar que dois assuntos foram salientados pela sua
importância na Execução do Programa: a descentralização e a reorganização do
comércio rural. Mas o que eu gostaria de salientar é uma frase da coordenadora
do Programa, Rosa Pacavira, dita no discurso de abertura: O combate á pobreza
deve ser enquadrado na política macroeconómica.
III - Essa frase da
coordenadora nacional e ministra do comércio é basilar no que respeita a um
efectivo combate á pobreza. Não porque seja uma verdade inédita (é uma verdade
evidente, mas não inédita), mas pelas contradições que o conceito envolve.
Uma política
macroeconómica virada para o desenvolvimento é, aparentemente, uma política
macroeconómica que implica o combate á pobreza. Mas só e apenas aparentemente.
Porque quando falamos de desenvolvimento, a componente pobreza, não é um
elemento necessariamente patente ou potencial. Vamos por partes.
Podemos ter uma
política de desenvolvimento (mais ou menos como o que se passou até ao momento
presente) que não leva em conta a componente da política social. Não por lacuna
ou por ideologia, mas porque pode partir do pressuposto (errado) do
desenvolvimento implicar riqueza para todos. Este pressuposto, inerente a
grande parte das teorias e práticas desenvolvimentistas, é gerador de riqueza,
é certo, mas não da distribuição da riqueza. Ou seja, gera riqueza para um
pequeno grupo, núcleo ou nicho da sociedade, mas que não é sentida pela grande
maioria dos cidadãos.
Depois temos as
teorias e prácticas desenvolvimentistas, que baseiam-se num compromisso
distribuidor, são as teorias do desenvolvimento integral, apostadas em medidas
distributivas da riqueza. É, aparentemente, a práctica mais correcta e aquela
que desenvolve políticas sociais mais justas. Mas só na aparência. Porque na
realidade objectiva, longe do mundo das ideias e dos gabinetes, estas politicas
mantem um resíduo de pobreza, essencial ao seu prosseguimento. Elas tornam-se
integrais não porque impliquem um desenvolvimento a partir da base económica
real, da produção, mas porque mantendo as estruturas fundamentais das politicas
macroeconómicas assentes em estruturas de relações de mercado (capitalistas),
fazem a sua correção através da aplicação das politicas sociais, que neste
sentido serão almofadas paliativas, cujo objectivo é apresentar níveis
“decentes” de pobreza ou dados estatísticos que comprovem que a nossa pobreza
já não é tao pobre como já foi antes, ou é menos pobre do que nos países A, B,
ou C.
IV - Combater a pobreza,
mantendo as bases de uma economia política geradora de pobreza, que no melhor
dos casos necessita de manter um diferencial de pobreza para o seu
funcionamento, não é uma política é um paliativo. Por isso eu considerar
importantes as palavras de Rosa Pacavira: os problemas respeitantes ao combate
á pobreza serem enquadrados na política macroeconómica. Agora a questão é: Que
politica(s) macroeconómica(s)?
Como todos nós
sabemos, evoluímos naquilo que poderá ser considerado um modelo hibrido, ou
seja, optámos em Angola, por um modelo de desenvolvimento capitalista, assente
num discurso socialista (o socialismo democrático, um produto hibrido da Teoria
Politica burguesa) e corrigido por paliativos, necessários a um mínimo de
coesão social e factor essencial para a aparente estabilidade politica. Esta
opção macroeconómica, aparentemente realista e a priori efectuada em nome da
soberania nacional (e legitimada pela soberania popular), mantem no curto e
médio prazo uma pax romana entre os diversos componentes das elites económicas
nacionais e das suas aspirações políticas, ao mesmo tempo que garante o bom
relacionamento com os interesses do capitalismo ocidental, parceiro necessário
às elites nacionais.
No curto e medio
prazo garantimos, assim, uma via de desenvolvimento aparente, que tal como os
icebergues, torna possível a verificação do cume, mas não da base submersa, que
é a sua maior componente. Vamos todos ver, no curto e medio prazo a realização
daquilo que já vimos e daquilo que vai ser efectuado na mesma base e no mesmo
princípio e vamos todos ignorar o fundo da questão., que por estar submerso,
vai ser transformado em função das correntes subterrâneas inerentes às
dinâmicas capitalistas.
V - É um objectivo
patriótico, que deve ser assumido por todos nós, cidadãos conscientes dos seus
deveres e dos seus direitos, as metas do Programa de Combate á Pobreza: redução
da taxa de pobreza extrema em 50% até 2015, um pressuposto, também, dos
Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Todos nós, angolanos, estamos
empenhados na concretização desse objectivo.
A realização destes
encontros nacionais constitui, também, um acto de fundamental importância, no
sentido do acompanhamento e do balanceamento das actividades em curso e da
análise objectiva da situação do Programa. Repare-se na objectiva referencia
efectuada pelo Governador do Kwanza Sul, Eusébio de Brito Teixeira, respeitante
aos problemas do escoamento dos produtos agrícolas ou às diversas e riquíssimas
contribuições explanadas nos painéis do comércio rural.
Portanto, são duas
coisas distintas. Uma a execução do Programa, que é um objectivo programático e
outra a base macroeconómica sobre a qual o programa assenta e essa tem a ver
com as opções de desenvolvimento assumidas, mas potencialmente destruidoras da
concepção de justiça social que está inerente aos objectivos do Executivo.
VI - Se no curto e medio
prazo as opções desenvolvimentistas e a política macroeconómica de modelo
hibrido, garantem um nível elevado de baixa conflitualidade social e atenuam o
risco de confrontação directa com os núcleos duros do Capital, principalmente
no relacionamento externo com os USA e a OTAN, para alem de estarmos bem
inseridos debaixo do chapéu-de-chuva dos BRICS, no longo prazo sofreremos as
pressões inerentes às dinâmicas criadas pela nossa opção.
O leque da crise no
continente africano avança de norte para sul, numa direcção e sentidos únicos,
sendo multidireccional e com vários sentidos no vector Atlântico / Indico. Hoje
os pontos de conflitualidade instrumental (conflitualidade programada a partir
do exterior, aproveitando a conflitualidade interna potencial) no Continente
são: o Norte de Africa, que alterna entre diversos níveis de conflitualidade; a
região da CEDAO, com especial incidência no Mali (conflito aberto e ingerência
estrangeira) e na Nigéria, no vector Atlântico, caracterizada por um nível
medio de instabilidade instrumental; a África Oriental, (vector Indico) sendo o
Quénia o actual país a desestabilizar. Temos depois a RDC, com um elevado nível
de instabilidade, directamente problemático porque nas nossas fronteiras, mas
sofrendo de uma crise sistémica e estrutural desde a sua independência,
misturando-se actualmente factores dinâmicos históricos e factores dinâmicos da
geoeconomia actual.
Se analisarmos a
evolução do leque da crise nas dinâmicas interior / litoral, poderemos
verificar que a instabilidade instrumental actua a partir do litoral (mantendo
em aberto as rotas internacionais de escoamento e ganhando posição nos recursos
marítimos), sendo o interior o objectivo principal (a zona de produção e de
extração, a área de exploração de recursos naturais e das reservas aquíferas).
Todos os países
actualmente afectados (Mali, Nigéria, Quénia) optaram por políticas de
desenvolvimento capitalistas. Isso não os livrou, de forma alguma, das pressões
externas e da pressões criadas pelas dinâmicas internas, quando chegou a altura
de serem essas regiões a serem perturbadas pelo redesenhar dos mapas do
Capital.
VII - O combate á pobreza
só será resolvido quando optarmos por políticas de socialização do aparelho
produtivo, ou seja quando optarmos por políticas integradas macroeconómicas não
geradoras de pobreza. Essa será a nossa real integração na globalização. Até lá
seremos sempre a periferia periférica, independentemente da deslocação dos
centros financeiros, mais para Oriente, mais para Sul ou para o Pacifico.
Não quero terminar
sem antes saudar os participantes IV Encontro Nacional de Balanço dos Programas
Municipais Integrados de Desenvolvimento Rural e Combate á Pobreza e relevar a
importância do Programa.
Estamos juntos!
Sem comentários:
Enviar um comentário