quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Algumas reflexões em torno do Programa Nacional de Combate á Pobreza, em Angola




Rui Peralta, Luanda

I - Decorre na cidade do Waka-Kungo, na província do Kwanza Sul, o IV Encontro Nacional de Balanço dos Programas Municipais Integrados de Desenvolvimento Rural e Combate á Pobreza, que terminam no dia 23 do corrente mês. Sendo o combate á Pobreza uma das prioridades do Executivo, no sentido da construção de uma sociedade socialmente mais justa, constitui este IV Encontro um ponto de referência no balanço a efectuar aos resultados até agora alcançados pelo Programa.

Segundo a Coordenadora do Programa, a Ministra do Comercio, Rosa Pacavira, que abriu os trabalhos do IV Encontro, o crescimento da despesa afecta ao sector social no Orçamento Geral de Estado (OGE) para 2013 e demonstrativo do compromisso do Executivo. Salientou também o importante papel que a descentralização administrativa desempenha na optimização dos impactos do Programa, constituindo um dos aspectos essenciais da sua execução, incidindo nos serviços municipalizados.

Outro aspecto importante salientado pela coordenadora foi o papel do Comercio Rural, fonte de dinamização dos centros de comercialização dos produtos agrícolas e de feiras rurais. Um aspecto importante foi focado pelo governador do Kwanza Sul, Eusébio de Brito Teixeira ao referir-se á situação actual neste sector, caracterizada pelo desperdício da produção por falta de escoamento.

II - No primeiro dia do IV Encontro os debates concentraram-se em torno dos temas ligados aos mecanismos de execução do Programa e do OGE de 2013 para os municípios. Também as metodologias de aplicação e de execução foram temas de discussão, assim como a importância do Programa para o desenvolvimento rural e a visão estratégica para o desenvolvimento do comércio rural e escoamento da produção.

Foram debatidos temas como o crédito agrícola de campanha e de investimento, o fundo de apoio ao comércio rural, o micro fomento e o apoio às cooperativas e associações. Serão ainda abordados no último dia, temas sobre o combate á pobreza, a melhoria da saúde pública, a merenda escolar, as cozinhas comunitárias, a defesa do consumidor, o Programa Água para Todos e a questão energética no mundo rural.

Estando o painel completo, podemos realçar que dois assuntos foram salientados pela sua importância na Execução do Programa: a descentralização e a reorganização do comércio rural. Mas o que eu gostaria de salientar é uma frase da coordenadora do Programa, Rosa Pacavira, dita no discurso de abertura: O combate á pobreza deve ser enquadrado na política macroeconómica.

III - Essa frase da coordenadora nacional e ministra do comércio é basilar no que respeita a um efectivo combate á pobreza. Não porque seja uma verdade inédita (é uma verdade evidente, mas não inédita), mas pelas contradições que o conceito envolve.

Uma política macroeconómica virada para o desenvolvimento é, aparentemente, uma política macroeconómica que implica o combate á pobreza. Mas só e apenas aparentemente. Porque quando falamos de desenvolvimento, a componente pobreza, não é um elemento necessariamente patente ou potencial. Vamos por partes.

Podemos ter uma política de desenvolvimento (mais ou menos como o que se passou até ao momento presente) que não leva em conta a componente da política social. Não por lacuna ou por ideologia, mas porque pode partir do pressuposto (errado) do desenvolvimento implicar riqueza para todos. Este pressuposto, inerente a grande parte das teorias e práticas desenvolvimentistas, é gerador de riqueza, é certo, mas não da distribuição da riqueza. Ou seja, gera riqueza para um pequeno grupo, núcleo ou nicho da sociedade, mas que não é sentida pela grande maioria dos cidadãos.

Depois temos as teorias e prácticas desenvolvimentistas, que baseiam-se num compromisso distribuidor, são as teorias do desenvolvimento integral, apostadas em medidas distributivas da riqueza. É, aparentemente, a práctica mais correcta e aquela que desenvolve políticas sociais mais justas. Mas só na aparência. Porque na realidade objectiva, longe do mundo das ideias e dos gabinetes, estas politicas mantem um resíduo de pobreza, essencial ao seu prosseguimento. Elas tornam-se integrais não porque impliquem um desenvolvimento a partir da base económica real, da produção, mas porque mantendo as estruturas fundamentais das politicas macroeconómicas assentes em estruturas de relações de mercado (capitalistas), fazem a sua correção através da aplicação das politicas sociais, que neste sentido serão almofadas paliativas, cujo objectivo é apresentar níveis “decentes” de pobreza ou dados estatísticos que comprovem que a nossa pobreza já não é tao pobre como já foi antes, ou é menos pobre do que nos países A, B, ou C.

IV - Combater a pobreza, mantendo as bases de uma economia política geradora de pobreza, que no melhor dos casos necessita de manter um diferencial de pobreza para o seu funcionamento, não é uma política é um paliativo. Por isso eu considerar importantes as palavras de Rosa Pacavira: os problemas respeitantes ao combate á pobreza serem enquadrados na política macroeconómica. Agora a questão é: Que politica(s) macroeconómica(s)?

Como todos nós sabemos, evoluímos naquilo que poderá ser considerado um modelo hibrido, ou seja, optámos em Angola, por um modelo de desenvolvimento capitalista, assente num discurso socialista (o socialismo democrático, um produto hibrido da Teoria Politica burguesa) e corrigido por paliativos, necessários a um mínimo de coesão social e factor essencial para a aparente estabilidade politica. Esta opção macroeconómica, aparentemente realista e a priori efectuada em nome da soberania nacional (e legitimada pela soberania popular), mantem no curto e médio prazo uma pax romana entre os diversos componentes das elites económicas nacionais e das suas aspirações políticas, ao mesmo tempo que garante o bom relacionamento com os interesses do capitalismo ocidental, parceiro necessário às elites nacionais.

No curto e medio prazo garantimos, assim, uma via de desenvolvimento aparente, que tal como os icebergues, torna possível a verificação do cume, mas não da base submersa, que é a sua maior componente. Vamos todos ver, no curto e medio prazo a realização daquilo que já vimos e daquilo que vai ser efectuado na mesma base e no mesmo princípio e vamos todos ignorar o fundo da questão., que por estar submerso, vai ser transformado em função das correntes subterrâneas inerentes às dinâmicas capitalistas.

V - É um objectivo patriótico, que deve ser assumido por todos nós, cidadãos conscientes dos seus deveres e dos seus direitos, as metas do Programa de Combate á Pobreza: redução da taxa de pobreza extrema em 50% até 2015, um pressuposto, também, dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Todos nós, angolanos, estamos empenhados na concretização desse objectivo.

A realização destes encontros nacionais constitui, também, um acto de fundamental importância, no sentido do acompanhamento e do balanceamento das actividades em curso e da análise objectiva da situação do Programa. Repare-se na objectiva referencia efectuada pelo Governador do Kwanza Sul, Eusébio de Brito Teixeira, respeitante aos problemas do escoamento dos produtos agrícolas ou às diversas e riquíssimas contribuições explanadas nos painéis do comércio rural.

Portanto, são duas coisas distintas. Uma a execução do Programa, que é um objectivo programático e outra a base macroeconómica sobre a qual o programa assenta e essa tem a ver com as opções de desenvolvimento assumidas, mas potencialmente destruidoras da concepção de justiça social que está inerente aos objectivos do Executivo.

VI - Se no curto e medio prazo as opções desenvolvimentistas e a política macroeconómica de modelo hibrido, garantem um nível elevado de baixa conflitualidade social e atenuam o risco de confrontação directa com os núcleos duros do Capital, principalmente no relacionamento externo com os USA e a OTAN, para alem de estarmos bem inseridos debaixo do chapéu-de-chuva dos BRICS, no longo prazo sofreremos as pressões inerentes às dinâmicas criadas pela nossa opção.

O leque da crise no continente africano avança de norte para sul, numa direcção e sentidos únicos, sendo multidireccional e com vários sentidos no vector Atlântico / Indico. Hoje os pontos de conflitualidade instrumental (conflitualidade programada a partir do exterior, aproveitando a conflitualidade interna potencial) no Continente são: o Norte de Africa, que alterna entre diversos níveis de conflitualidade; a região da CEDAO, com especial incidência no Mali (conflito aberto e ingerência estrangeira) e na Nigéria, no vector Atlântico, caracterizada por um nível medio de instabilidade instrumental; a África Oriental, (vector Indico) sendo o Quénia o actual país a desestabilizar. Temos depois a RDC, com um elevado nível de instabilidade, directamente problemático porque nas nossas fronteiras, mas sofrendo de uma crise sistémica e estrutural desde a sua independência, misturando-se actualmente factores dinâmicos históricos e factores dinâmicos da geoeconomia actual.

Se analisarmos a evolução do leque da crise nas dinâmicas interior / litoral, poderemos verificar que a instabilidade instrumental actua a partir do litoral (mantendo em aberto as rotas internacionais de escoamento e ganhando posição nos recursos marítimos), sendo o interior o objectivo principal (a zona de produção e de extração, a área de exploração de recursos naturais e das reservas aquíferas).

Todos os países actualmente afectados (Mali, Nigéria, Quénia) optaram por políticas de desenvolvimento capitalistas. Isso não os livrou, de forma alguma, das pressões externas e da pressões criadas pelas dinâmicas internas, quando chegou a altura de serem essas regiões a serem perturbadas pelo redesenhar dos mapas do Capital.

VII - O combate á pobreza só será resolvido quando optarmos por políticas de socialização do aparelho produtivo, ou seja quando optarmos por políticas integradas macroeconómicas não geradoras de pobreza. Essa será a nossa real integração na globalização. Até lá seremos sempre a periferia periférica, independentemente da deslocação dos centros financeiros, mais para Oriente, mais para Sul ou para o Pacifico.

Não quero terminar sem antes saudar os participantes IV Encontro Nacional de Balanço dos Programas Municipais Integrados de Desenvolvimento Rural e Combate á Pobreza e relevar a importância do Programa.

Estamos juntos!

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