Pega de surpresa, a
imprensa europeia tenta entender por que Bento XVI adiantou seu adeus. Uma das
possiblidades aventadas é o levante de movimentos católicos conservadores e
rentáveis como Legionários, Opus Dei e Comunhão e Liberação, que agiram contra um
papa que ameaçava ‘limpar a igreja’, ainda que moderadamente, daqueles que
cometeram delitos financeiros ou eram advogados de pedófilos. A análise é de
Martín Granovsky, do Página 12
Carta Maior
A versão italiana
do ‘The Huffington Post’ informa sobre a bolsa de apostas. A agência Paddy
Power põe a Itália na frente da África, com uma vantagem de 2,75 a 3,00. Em
matéria de nomes, o nigeriano Francis Arinze está cabeça a cabeça com o ganês
Peter Turkson e o canadense Marc Ouellet.
Dos italianos, o melhor ranqueado é o arcebispo de Milão Angelo Scola, seguido
pelo cardeal Tarcisio Bertone, secretário de Estado do Vaticano. Já há também
aposta sobre qual nome será escolhido pelo sucessor de Bento XVI: Pedro, Pio,
João Paulo, Juan e Bento.
No ‘The Guardian’, o correspondente Sam Jones sugere cinco temas que deveriam
entrar na agenda do próximo pontificado. Primeiro, métodos anticoncepcionais e
aids. Diz que, por um lado, Bento XVI conseguiu se diferenciar de seus
antecessores quando, três anos atrás, disse que o uso de preservativos era
aceitável em ‘certos casos’. Como quando uma prostituta o usa para se proteger
da aids.
Por outro lado, evitou tratar da relação entre preservativo e métodos anticoncepcionais
e também como evitar gravidez em caso de relação sexual por puro prazer. Em
2009, durante viagem à África, Bento XVI havia dito que o preservativo era um
ponto chave na luta do continente contra a aids.
O segundo ponto para uma futura agenda são os casos de abuso sexual dentro da
Igreja, um que explodiu publicamente durante o atual pontificado e que ainda
não foi resolvido. Ainda que tenha falado de vergonha e delitos inqualificáveis
cometidos por sacerdotes pedófilos, muitos críticos avaliam que o Vaticano
ainda falta com transparência sobre as investigações em curso, sustenta o
jornalista do ‘The Guardian’.
O terceiro tema da agenda seria composto pela questão da homossexualidade e o
matrimônio entre pessoas do mesmo sexo. Em sua última mensagem de Natal, o papa
disse que as atitudes modernas àquele respeito constituem um ataque contra a
verdadeira estrutura da família, ou seja, pai, mãe e filhos.
O quarto tema é o aborto. O canadense Ouellet, prefeito da Congregação dos
Bispos e que pode ser considerado o terceiro cargo em importância no Vaticano,
após o papa e o secretário de Estado, disse em Quebec que interromper a
gravidez é um delito moral inclusive em caso de estupro.
Sobre o quinto tema, que trata do papel das mulheres na Igreja, o papa disse em
Roma, em 2007, que ‘Jesus elegeu 12 homens e pais da nova Israel’. E, em abril
de 2012, advertiu os católicos partidários de ordenar mulheres ou contrários ao
celibato.
O teólogo Juan José Tamayo escreveu no ‘El País’ que Bento XVI foi ‘um grande
inquisidor’. “O papa não soube dar resposta aos mais de 1,2 bilhão de católicos
que existem no planeta e que buscavam resposta a questões como a liberdade de
expressão e acadêmica, e ainda limitou o pensamento crítico da Igreja”,
apontou.
“O maior problema é a pedofilia. Uma questão que tem sido o maior escândalo na
história do cristianismo e que explodiu em suas mãos. No princípio, impôs o
silêncio quando era presidente da Congregação para a Doutrina da Fé. Depois,
tomou medidas tímidas, tem aplicar o determinado pelo direto canônico e sem
colaborar com tribunais civis”, concluiu Juan José Tamayo.
Também no ‘El País’, Miguel Mora escreveu uma coluna intitulada “Os movimentos
ultracatólicos ganham a partida”. O argumento é que Bento XVI tentou fazer uma
limpeza, mas foi débil ou estava pouco convencido dos problemas. Comentou sobre
Ratzinger: “O ortodoxo cardeal alemão tem sido durante seu mandato um papa
solitário, intelectual, fraco e arrependido pelos pecados e os delitos (...)
rodeado por lobos ávidos por riqueza, poder e imunidade”.
E continuou: “A Cúria formada nos tempos de João Paulo II era uma reunião do
pior de cada diocese, desde responsáveis por evasão fiscal a advogados de
pedófilos, passando por contrarrevolucionários latino-americanos e fundamentalistas
da pior espécie. Essa Cúria, digna de ‘O Poderoso Chefão III’, sempre viu com
maus olhos a tentativa de Ratzinger de fazer uma limpeza a fundo, enquanto os
movimentos mais fortes e rentáveis, como os Legionários, Opus Dei e Comunhão e
Liberação trabalhavam contra qualquer vislumbre de regeneração”. Scola, o
arcebispo de Milão, pertence justamente à Comunhão e Liberação.
Vittorio Zucconi, no seu blogue do diário italiano la Repubblica, perguntou se
Bento XVI fez um gesto de humildade ou o contrário: um gesto de alguém que quer
evitar a agonia de uma exposição pública. E Zucconi resgata um ponto. Sustenta
que com sua renúncia o papa “criou um precedente na história moderna que nenhum
de seus sucessores poderá ignorar, e ficará aberta a todos, e sempre, a
possibilidade de ir embora por motivos pessoais, de saúde ou erros”. Segundo
essa linha, “todos os homens são falíveis”. E, como o papa é um homem, “o papa
é falível”.
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