Policia do MPLA deitam no chão o Deputado da Assembleia Nacional, José Pedro
Katchiungo (foto em Ana Margoso – Facebook)
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Human Rights Watch
– 26 fevereiro 2013
Milhares Sem Casa
no Distrito do Cacuaco, em Luanda
Como se não
bastasse despejar pessoas com força bruta, sem qualquer aviso ou tempo para se
prepararem, decidem também detê-las quando já estão sem-abrigo e desamparadas.
O governo deve garantir rapidamente que as vítimas dos despejos em Maiombe têm
acesso a abrigo e são compensadas pelas perdas materiais infligidas pelas ações
do governo. - Leslie Lefkow, diretora-adjunta de África
(Joanesburgo, 26 de
fevereiro de 2013) – A polícia angolana deteve dezenas de pessoas que foram
vítimas de despejo forçado e da demolição das suas casas no início de fevereiro
de 2013, anunciou hoje a Human Rights Watch. Viviam em Maiombe, um bairro na
periferia de Luanda, a capital de Angola.
A 23 de fevereiro, agentes das forças de segurança impediram a delegação de um
dos maiores partidos da oposição, a União Nacional para a Independência Total
de Angola (UNITA), de se reunir com a comunidade e prestar-lhe assistência, e
agrediram alguns dos delegados.
Entre 1 e 3 de
fevereiro, o governo de Angola destacou várias centenas de agentes das forças
de segurança, incluindo agentes da polícia de intervenção rápida e militares,
para despejar à força pelo menos 5000 residentes pobres que viviam num bairro
informal chamado Maiombe, criado nos últimos anos no município do Cacuaco, na
periferia de Luanda. Os residentes não receberam qualquer aviso formal sobre os
despejos, o que causou o pânico. As autoridades não asseguraram acesso a abrigo
alternativo às vítimas dos despejos, nem tempo suficiente para que todos
pudessem evacuar os seus bens pessoais em segurança. Muitas das vítimas dos
despejos são mulheres e crianças.
“Como se não
bastasse despejar pessoas com força bruta, sem qualquer aviso ou tempo para se
prepararem, decidem também detê-las quando já estão sem-abrigo e desamparadas”,
disse Leslie Lefkow, diretora-adjunta de África da Human Rights Watch. “O
governo deve garantir rapidamente que as vítimas dos despejos em Maiombe têm
acesso a abrigo e são compensadas pelas perdas materiais infligidas pelas ações
do governo.”
Quaisquer despejos
futuros devem ser planeados de uma forma legal e ordeira, que respeite as
normas internacionais e evite sofrimento desnecessário aos angolanos mais
pobres, declarou a Human Rights Watch.
Desde dia 1 de
fevereiro, a polícia tem levado a cabo diariamente detenções arbitrárias de
vítimas dos despejos, contaram residentes à Human Rights Watch. Algumas pessoas
foram detidas durante protestos, ao passo que outras foram detidas
aleatoriamente.
Na primeira semana
de fevereiro, pelo menos 40 dos detidos foram acusados de ocupação ilegal de
terras ou desobediência e condenados a penas de prisão ou ao pagamento de
multas elevadas após julgamentos sumários que não cumpriam as normas
internacionais para julgamentos justos. A Human Rights Watch recebeu uma lista
do tribunal com os nomes de 40 pessoas detidas a 2, 4 e 6 de fevereiro. No
entanto, apesar de os residentes terem relatado detenções contínuas à Human
Rights Watch, desconhecem quantas mais pessoas foram detidas desde 8 de
fevereiro e se foram acusadas de algum crime.
As autoridades
municipais do Cacuaco declararam que as pessoas despejadas estavam a ocupar
ilegalmente terras que são propriedade do estado e que estavam destinadas a um
projeto turístico do governo. A Human Rights Watch não foi capaz de determinar
o estatuto jurídico das reivindicações de propriedade dos residentes da área de
Maiombe. As autoridades angolanas têm o direito de despejar pessoas que ocupem
terras ilegalmente. Mas as autoridades são obrigadas a levar a cabo qualquer
despejo em consonância com as normas internacionais de processo justo, e de uma
forma que respeite os direitos dos angolanos – incluindo o direito a habitação
adequada.
A Human Rights
Watch falou com residentes da área, familiares dos detidos e ativistas que
documentaram os despejos, e acredita que os despejos violaram as normas
nacionais e internacionais. A Human Rights Watch também falou com um membro da
delegação da UNITA que tentou falar com a comunidade a 23 de fevereiro, bem
como com residentes que foram impedidos de se reunirem com a delegação.
“A prioridade
imediata é que o governo providencie abrigo para esta comunidade, bem como
acesso a água e a outros serviços essenciais”, alertou Lefkow. “Mas as
autoridades também devem parar imediatamente de submeter as vítimas de despejos
forçados a detenções, a julgamentos injustos e à prisão, e de impedi-las de se
reunirem com quem bem entenderem.”
Para mais detalhes,
por favor veja em baixo.
Despejos forçados
Os despejos forçados começaram no dia 1 de fevereiro às 5 horas da manhã, tendo
lançado o pânico entre os residentes. Foram destacadas várias centenas de
forças de segurança, incluindo a polícia de intervenção rápida, militares e
outras brigadas policiais, acompanhadas por vários helicópteros, para ajudarem
a levar a cabo os despejos. Vários residentes compararam o ambiente na
comunidade a uma zona de guerra, quando foram surpreendidos pelo exército e
pelos buldózeres.
Os residentes não
receberam qualquer aviso formal de que as suas casas – muitas das quais com
telhados de chapas de zinco e algumas construídas com blocos de cimento – iam
ser demolidas. Rafael Morais, coordenador da SOS Habitat, uma organização de
direitos humanos dedicada à defesa dos direitos à habitação em Luanda, disse à
Human Rights Watch que alguns residentes tinham ouvido rumores sobre demolições
iminentes três dias antes.
As autoridades
disponibilizaram uma série de veículos para transportar os residentes e os seus
bens pessoais para fora de Maiombe. Mas vários residentes disseram à Human
Rights Watch que não lhes foi dado tempo para recolherem os seus pertences e
tiveram de abandoná-los nas suas casas demolidas.
As autoridades
definiram uma área na proximidade como local de trânsito, para onde os residentes
se deviam mudar e ficar a aguardar o registo de novos lotes de terra numa outra
área próxima. No entanto, tanto a área de trânsito como a área de relocalização
onde se situam os lotes que deverão ser atribuídos (às vítimas dos despejos)
estão cobertas por mato e não possuem infraestruturas básicas, tais como
estradas ou acesso a água potável. O governo começou recentemente a fazer
algumas obras rodoviárias. Além disso, não está claro a quem pertence a terra.
O processo de registo para a distribuição de novos lotes de terra tem sido
moroso e as vítimas dos despejos têm estado a viver em abrigos precários numa
área pequena. Não foram disponibilizadas tendas nem material de construção às
vítimas dos despejos, apesar de as forças de segurança, que estabeleceram
presença permanente nas proximidades para exercer controlo sobre a população,
terem montado tendas para uso próprio.
Acrescendo à
confusão e à incerteza, no dia 15 de fevereiro, a polícia informou as vítimas
dos despejos de que podiam regressar a Maiombe. No entanto, residentes
partilharam com Alexandre Neto, jornalista e ativista, que, no dia seguinte, a
polícia afugentou quem regressou a Maiombe na esperança de voltar a ocupar os
lotes de terra de que haviam sido despejados.
Residentes também
disseram à Human Rights Watch que não tinham conhecimento de que estavam a
ocupar ilegalmente terrenos detidos pelo estado, visto não haver nenhuma placa
que os identificasse como propriedade estatal, tal como em várias outras áreas
do vasto distrito do Cacuaco, em Luanda. Vários residentes disseram à Human
Rights Watch que se mudaram para aquela área há um ou dois anos atrás, porque
não conseguiam pagar as rendas das habitações onde viviam antes.
Um membro da
comissão de residentes de Maiombe disse à Human Rights Watch que, até às
eleições de agosto de 2012, as autoridades locais, no papel de quadros do
partido no poder, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), fizeram
regularmente campanha na área de Maiombe, bem como noutros bairros da periferia
de Luanda, e organizaram o transporte de residentes pobres para comícios do
MPLA.
“Tínhamos esperança
de que o nosso bairro fosse reconhecido oficialmente”, disse.
Os despejos
forçados são estritamente proibidos ao abrigo do direito internacional e, entre
outras normas, violam o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos,
Sociais e Culturais (PIDESC), do qual Angola é parte. O artigo 11.º do pacto
garante o direito a habitação adequada, no qual está incluída proteção contra
despejos forçados.
Quando levam a cabo
despejos legais, os governos têm de certificar-se de que as vítimas dos
despejos gozam de proteção legal dos seus interesses, incluindo acesso a abrigo
alternativo e direito a compensação por qualquer perda de bens pessoais. No
mínimo, nenhuma pessoa pode ser condenada à miséria em resultado de um despejo.
“As autoridades
devem indemnizar as pessoas pela perda das suas casas e bens pessoais”,
defendeu Lefkow.
Detenções
Arbitrárias e Julgamentos Injustos
Continuam a ser enviadas forças de segurança para a área de Maiombe e a Human
Rights Watch foi informada por residentes de que as forças de segurança têm
detido diariamente vítimas de despejos de forma aleatória. Na primeira semana
de fevereiro, a polícia deteve dezenas de residentes – alguns dos quais
aleatoriamente – e outros no que aparenta ser uma repressão de qualquer sinal
de queixa ou protesto contra os despejos forçados.
Várias testemunhas
descreveram uma repressão policial de várias centenas de manifestantes na área
de Maiombe a 4 de fevereiro. "Estávamos muito desesperados e, quando a
polícia chegou, alguns gritaram «Queremos as nossas casas!»", contou um
dos manifestantes à Human Rights Watch. Testemunhas disseram que a polícia
começou por pedir às pessoas que se acalmassem. Mas, de seguida, a polícia de
intervenção rápida e as forças militares começaram a agredir os manifestantes e
a fazer detenções aleatórias.
“Bateram-nos com
porretes e deram-nos pontapés com as botas. Nem pouparam as mulheres, nem
sequer as grávidas”, disse outra testemunha.
Na primeira semana
de fevereiro, pelo menos 40 dos detidos foram levados ao tribunal municipal do
Cacuaco sob a acusação de desobediência e ocupação ilegal de terras. Todos os
acusados foram declarados culpados no seguimento de julgamentos sumários e condenados
a penas de três a oito meses de prisão e ao pagamento de coimas até US$800.
Depois de terem
sido declarados culpados, os detidos foram transferidos para a prisão de Viana
em Luanda e para a prisão de Caxito na província do Bengo, a 60 km de Luanda.
Devido à distância, os familiares têm dificuldade em visitá-los, apesar de,
geralmente, os detidos dependerem das visitas da família para lhes trazerem
comida.
Os julgamentos
sumários não respeitaram as normas internacionais em matéria de processo justo,
denunciou a Human Rights Watch. Apesar de ter sido atribuído aos detidos um
advogado de defesa nomeado pelo tribunal, posteriormente, os arguidos disseram
aos seus familiares que não estavam autorizados a contradizer as acusações
tomando a palavra no tribunal ou convocando testemunhas.
Familiares que
tentaram estar presentes numa sessão de tribunal no dia 6 de fevereiro disseram
à Human Rights Watch que foram impedidos de entrar no edifício e que havia um
dispositivo da polícia de intervenção rápida à porta do mesmo. Membros da
família que conseguiram falar com os seus parentes detidos após as condenações
disseram à Human Rights Watch que a única questão colocada pelo juiz na sessão
do tribunal foi se os acusados eram do bairro de Maiombe.
“Os acusados não
tiveram oportunidade de dizer nada além de “sim” ou “não”, e foram todos
condenados imediatamente a seguir”, contou um familiar à Human Rights Watch. Os
arguidos também foram sujeitos ao pagamento de multas até US$800, um valor
muito elevado para famílias pobres de Luanda.
Agostinho, um
residente de Maiombe detido a 4 de fevereiro, foi condenado dois dias depois a
três meses de prisão e ao pagamento de uma multa no valor de US$290. O seu
irmão contou à Human Rights Watch que o juiz se recusou a ouvir o testemunho de
Agostinho quando este se apresentou perante o tribunal. O irmão também envidou
esforços para recorrer a várias autoridades com provas relativas ao processo de
Agostinho.
“Mas a polícia e a
administração não mostraram qualquer interesse e não me deixaram estar presente
em tribunal”, disse.
José, também detido
a 4 de fevereiro, foi condenado a três meses de prisão e ao pagamento de uma
coima no valor de 750 USD sob a acusação de ocupação ilegal de terras. Três
familiares contaram à Human Rights Watch que José nunca residiu em Maiombe e
que, por acaso, tinha chegado ao bairro no dia anterior à detenção para visitar
a família.
Os eventos de
fevereiro não são os primeiros casos de detenções arbitrárias e de condenações
por alegada ocupação de terras no Cacuaco. Em setembro, funcionários do
tribunal do Cacuaco contaram à Human Rights Watch que nos dois meses
anteriores, o tribunal tinha condenado 141 pessoas por desobediência,
alegadamente pela ocupação ilegal de terras. Foram condenados à prisão com pena
suspensa e ao pagamento de multas.
Restrições à
Liberdade de Expressão e Recusa de Assistência
Na manhã de 23 de fevereiro, agentes da polícia de intervenção rápida,
assistidos por vários helicópteros policiais a voar a baixa altitude,
impediram, à força, uma delegação de 50 membros do principal partido da
oposição, a UNITA, encabeçada pelo presidente do partido, Isaías Samakuva, de
se reunir com a comunidade de Maiombe e de lhe disponibilizar assistência,
incluindo água e comida.
Segundo o
noticiário da noite do canal de televisão do estado, a Televisão Pública de
Angola (TPA), um comandante da polícia disse que a delegação estava "a
tentar entrar numa zona de segurança" e foi impedida de o fazer por razões
de segurança. Outros comentadores televisivos disseram que a UNITA pretendia
perturbar o trabalho da administração e “incitar à violência e à
desobediência.”
Um membro da
delegação, Adriano Sapiñala, disse à Human Rights Watch que as forças de
segurança formaram dois cordões para impedir a delegação da UNITA de ter acesso
aos residentes de Maiombe. Sapiñala disse que a polícia utilizou porretes e que
o agrediram a si, a um membro do Parlamento, José Pedro Katchiungo, e à líder
da Liga da Mulher Angolana (LIMA), a ala feminina da UNITA, quando avançavam
à frente da delegação, em direção aos residentes. Também disse que agentes da
polícia começaram a apreender telefones e Ipads, no que aparenta ter sido uma
tentativa de impedir as pessoas de porem imagens e vídeos dos acontecimentos a
circular.
Membros da comunidade
de Maiombe disseram à Human Rights Watch que tinham tentado reunir-se com a
delegação porque estavam desesperados por comida e água.
“O governo não tem
o direito de recusar aos seus cidadãos a assistência de que tanto necessitam,
quer esta venha do governo, de um partido da oposição ou de outras
proveniências”, alertou Lefkow.
Uma História de
Despejos Forçados
Desde o final da guerra civil em 2002, o governo de Angola tem um historial de
levar a cabo despejos forçados abusivos e em massa.
Em 2010, estima-se
que 25 000 pessoas foram vítimas de despejos forçados no Lubango, a capital
provincial da província da Huila, sem qualquer aviso ou disponibilização de
habitação alternativa e de serviços, provocando uma crise humanitária. Planos oficiais para despejar à força
mais 3500 pessoasno Lubango em 2011 foram abandonados na sequência da
pressão popular.
Em 2009, as
autoridades destruíram 3000 casas nos bairros Iraque e Bagdad em Luanda,
deixando cerca de 15 000 pessoas sem-abrigo, sem que tivessem providenciado
qualquer habitação alternativa.
Em 2007, a Human
Rights Watch e a SOS Habitat publicaram um relatório conjunto intitulado “Eles Partiram
as Casas: Despejos Forçados e Insegurança da Posse da Terra para os Pobres da
Cidade de Luanda”, que documenta 18 despejos em massa em Luanda, levados a
cabo entre 2002 e 2006, que também afetaram cerca de 20 000 pessoas, na
totalidade.
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