Em entrevista à
Carta Maior, concedida na embaixada do Equador no Reino Unido, Julian Assange
fala sobre seu novo livro, que está sendo publicado no Brasil, e analisa o
atual momento da mídia mundial. “O abuso que grandes corporações midiáticas
fazem de seu poder de mercado é um problema. Nos meios de comunicação, a
transparência, a responsabilidade informativa e a diversidade são cruciais. Uma
das maneiras de lidar com isso é abrir o jogo para que haja um incremento
massivo de meios de comunicação no mercado”, defende.
Marcelo Justo –
Direto de Londres, em Carta Maior
O fundador de
Wikileaks, Julian Assange, recebeu a Carta Maior em um escritório especial que
a embaixada do Equador no Reino Unido preparou para que ele converse com a
imprensa no momento da publicação no Brasil de seu novo livro “Cyberpunks. A
Liberdade e o futuro da internet”. Veste uma camiseta da seleção brasileira,
com o número sete e seu nome nas costas: a desenvoltura futebolística combina
com seu bom bom humor. O cabelo branco e a pele quase translúcida lhe dá um ar
de albino insone, mas os mais de seis meses encerrado nos confins da embaixada
e o mais que incerto futuro ante à decisão do governo britânico de não
conceder-lhe o salvo-conduto que permitiria que viajasse ao Equador, não
parecem pesar muito.
É certo que ele em uma aparentemente merecida fama de recluso e que em seu
pequeno quarto na embaixada deve fazer o mesmo que fazia a maior parte do tempo
em sua vida livre: ficar grudado em seu computador e na internet. É difícil
imaginar a vida de Julian Assange sem a tela do monitor e o ciberespaço. Por
isso o livro que começa a ser vendido este mês no Brasil, publicado pela
editorial Boitempo, contem algo tão inesperado como a camiseta brasileira: uma
visão particularmente cética e mesmo negativa sobre o impacto da internet.
Você fala em seu
livro da internet como uma possível ameaça para a civilização. Muitos pensam
que a internet é uma arma para o progresso humano que produziu, entre outras
coisas, Wikileaks. Sua interpretação não é um pouco pessimista?
Assange: Não resta dúvida que a internet deu poder às pessoas que não o
tinham ao possibilitar o acesso a todo tipo de informação em nível global. Mas,
ao mesmo tempo, há um contrapeso a isso, um poder que usa a internet para
acumular informação sobre nós todos e utilizá-la em benefício dos governos e
das grandes corporações. Hoje não se sabe qual destas forças vai se impor.
Nossas sociedades estão tão intimamente fundidas pela internet que ela se
tornou um sistema nervoso de nossa civilização, que atravessa desde as
corporações até os governos, desde os casais até os jornalistas e os ativistas.
De modo que uma enfermidade que ataque esse sistema nervoso afeta a civilização
como um todo.
Neste sistema nervoso há vários aparatos do Estado, principalmente, mas não unicamente,
dos Estados Unidos, que operam para controlar todo esse conhecimento que a
internet fornece à população. Este é um problema que ocorre simultaneamente com
todos nós. E se parece, neste sentido, aos problemas da guerra fria.
Você é muito crítico do Google e do Facebook que muita gente considera como
maravilhosas ferramentas para o conhecimento ou as relações sociais. Para essas
pessoas, em sua experiência cotidiana, não importa a manipulação que possa ser
feita na internet.
Assange: Não importa porque esta manipulação da informação está oculta.
Creio que nos últimos seis meses isso está mudando. Em parte por causa de
Wikileaks e pela repressão que estamos sofrendo, mas também pelo jornalismo e
pela investigação que está sendo feita. O Google é excelente para obter
conhecimento, mas também está fornecendo conhecimento sobre os usuários. Ele
sabe tudo o que você buscou há dois anos. Cada página de internet está
registrada, cada visita ao gmail também. Há quem diga que isso não importa
porque a única coisa que eles querem é vender anúncios. Esse não é o problema.
O problema é que o Google é uma empresa sediada nos Estados Unidos sujeita à
influência de grupos poderosos. Google passa informação ao governo de maneira
rotineira. Informação que é usada para outros propósitos que não o
conhecimento. É algo que nós, no Wikileaks, sofremos em primeira mão e que vem
ocorrendo com muita gente.
Mas no que concerne
o controle do Estado há usos legítimos da internet para a luta contra a
pornografia infantil, o terrorismo, a evasão fiscal...
Assange: Indiscutivelmente há usos legítimos e a maior parte do tempo a
polícia faz isso adequadamente. Mas nas vezes em que não faz, esses usos podem
ser terríveis, aterrorizadores, como está ocorrendo atualmente nos Estados
Unidos. É preciso levar em conta que o que chamamos de quatro cavaleiros do
apocalipse – a pornografia infantil, o terrorismo, as drogas e a lavagem de
dinheiro – são usados para justificar um sistema de vigilância massivo da mesma
maneira que usaram armas de destruição em massa para justificar a invasão do
Iraque. Não se trata de uma vigilância seletiva de pessoas que estão cometendo
um delito. Há uma gravação permanente de todo mundo. Isso é uma ameaça
diferente de tudo o que já vivemos antes, algo que nem Goerge Orwell foi capaz
de imaginar em “1984”.
No Ocidente, falou-se muito da revolução do Twitter para explicar a primavera
árabe. Esse não é um exemplo perfeito do potencial revolucionário da internet?
Assange: A primavera árabe se deveu à ação das pessoas e dos ativistas,
desde a Irmandade Muçulmana até outros grupos organizados. A internet ajudou o
pan-arabismo da rebelião com pessoas de diferentes países aprendendo umas com
as outras. Também ajudou a que Wikileaks difundisse os documentos que deram
mais ímpeto ao movimento. Mas se você olha para os manuais dos grupos que
coordenavam os protestos, na primeira e última página, recomendavam que não se
usasse Twitter e Facebook. Para as forças de segurança as mensagens no Twitter
e no Facebook são um documento probatório de fácil acesso para prender pessoas.
O que pode se fazer então?
Assange: A primeira coisa é ter consciência do problema. Uma vez que
tenhamos consciência disso, não nos comunicaremos da mesma maneira por
intermédio desses meios. Há uma questão de soberania que os governos da América
Latina deveriam levar em conta. As comunicações que vão da América latina para
a Europa ou a Ásia passam pelos Estados Unidos. De maneira que os governos
deveriam insistir que os governos deveriam insistir para que essas comunicações
sejam fortemente criptografadas. Os indivíduos deveriam fazer a mesma coisa. E
isso não é fácil.
De que maneira um
governo democrático ou um congresso pode contribuir para preservar o segredo
das comunicações pela internet?
Assange: Para começar, garantindo a neutralidade do serviço. Do mesmo modo
que ocorre com a eletricidade, não se pode negar o fornecimento com base em
razões políticas. Com a internet não deveria existir essa possibilidade de
controlar o serviço. O conhecimento é essencial em uma sociedade. Não há
sociedade, não há constituição, não há regulação sem conhecimento. Em segundo
lugar, é preciso negar às grandes potências e superpoderes o acesso à
informação de outros países. Na Argentina ou no Brasil a penetração do Google e
do Facebook é total. Se os parlamentos na América latina conseguirem introduzir
uma lei que consagre a criptografia da informação, isso será fundamental.
Temos falado da
revolução do Twitter, mas em termos de meios mais tradicionais, como a imprensa
escrita ou a televisão, vemos que há um crescente debate mundial sobre seu
lugar em nossa sociedade. O questionamento ao poder de grandes corporações
midiáticas como o grupo Murdoch ou Berlusconi na Itália e as leis e projetos na
Argentina ou Equador para conseguir uma maior diversidade midiática mostram um
debate muito intenso a respeito. O que você pensa sobre essas iniciativas?
Assange: Nós vimos em nossa própria luta como o grupo Murdoch ou o grupo
Bonnier na Suécia distorceram deliberadamente a informação que forneceram sobre
nossas atividades porque suas organizações têm um interesse particular no caso.
Então temos, por um lado, a censura em nível do Estado e, por outro, o abuso de
poder de grupos midiáticos. É um fato que os meios de comunicação usam sua
presença para alavancar seus interesses econômicos e políticos. Por exemplo,
“The Australian”, que é o principal periódico de Murdoch na Austrália, vem sofrendo
perdas há mais de 25 anos. Como isso é possível? Por que ele segue mantendo
esse veículo. Porque ele é utilizado como uma arma para atingir o governo para
que este ceda em determinadas políticas importantes para o grupo Murdoch.
O presidente Rafael Correa faz uma distinção entre a “liberdade de extorsão” e
a “liberdade de expressão”. Eu não colocaria exatamente assim, mas temos visto
que o abuso que grandes corporações midiáticas fazem de seu poder de mercado é
um problema. Nos meios de comunicação, a transparência, a responsabilidade
informativa e a diversidade são cruciais. Uma das maneiras de lidar com isso é
abrir o jogo para que haja um incremento massivo de meios de comunicação no
mercado.
Tradução: Katarina Peixoto
Ver entrevista de
Marcelo Justo em vídeo (4 partes)
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