segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Cabo Verde: CARTA ABERTA AO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA




Liberal (cv), opinião

Mui douto e esclarecido Júlio Martins, excelência veneranda:

Permita-me, antes de tudo, um esclarecimento preliminar. Esta não é uma missiva de críticas. É antes uma manifestação de júbilo, pela sábia “linha de rumo” que tem sabido imprimir às coisas!

Sei que vossa excelência, no seu pesado e dourado encargo burocrático, não é um homem qualquer. Não lê cartas, ouvi dizer, não perde tempo com certos jornais, como afirmou recentemente, aliás com brilho, nem tampouco dá ouvidos, era o que faltava!, aos cidadãos preocupados com a miséria da cidadania, essa espécie cuja extinção verdadeiramente tarda…

Vossa excelência, imagino, prefere entreter-se com as sinfonias de Wagner, e a lira dos poetas, em vez de ouvir o clamor da plebe oprimida. Tem razão! É para isso que a República lhe paga, não concorda?!

Mesmo assim, escrevo estas linhas, porque vossa excelência, se doutamente não lê, nem por isso aboliu ainda o direito à leitura. Assim, confio, sempre haverá a possibilidade de alguém, mais afoito, lhe transmitir o conteúdo desta pobre cartinha, que jamais merecerá, também o sei, pelo menos nalguns pontos mais impertinentes, a concordância da vossa privilegiada inteligência.

Adiante!

Tropeçando nuns papéis antigos, li algo sobre Descartes, e a sua “dúvida metódica”. E não é que me deu, hoje, para duvidar e perguntar?! Perdoe-me o atrevimento!

É verdade, excelência, que ainda vivemos numa República democrática, onde “Todos os cidadãos são iguais perante a lei”?

Ou haverá, como na fábula de George Orwell, uns espertinhos e nababos que são “mais iguais que os outros”?

E o que tem feito vossa excelência para fazer cumprir a regra de ouro? Pouco? Muito? Nada?

Nas minhas inquietudes e dúvidas, nunca perdi, é bom que se diga, a fé nas suas sublimes qualidades!

Fazer ou não fazer, eis a questão! O cabo-verdiano, contudo, é maldoso. By nature…

Ora, se vossa excelência impedir os contratos mafiosos, as manigâncias do Alto Clero no poder, as alegres negociatas e traficâncias, enfim, essa escória que os nossos ilustres cientistas chamam, avisadamente, de “boa governação”, a malta iria logo dizer que V. Exa é “antipatriota”, negativo, do contra, reaccionário, o diabo!

Bem anda, pois, em deixar correr o marfim…

A inacção, o não fazer, e o fingir, docemente, que se faz, é também uma forma digna de fazer e agir, e nisso vossa excelência é mestre e catedrático. Magna Cum Laude!

O Procurador, tenham ciência disso os néscios, não é nomeado para atrasar os “negócios” da República, ora essa!, nem para incomodar o Governo, que, na sua justa governança, sempre deixa espaços para a comilança, de uns e de outros…

E vossa eminência não é parvo! De que vale barafustar se “o mundo sempre foi assim”?!
De que vale clamar, quixotescamente, pela “Constituição” se ela não passa, afinal, de um inútil rolo de papel?

Vossa excelência esteja descansado, a sua Prokuratura tem sido exemplar! Magnífica.
Qual norma qual carapuça!

O dr. Júlio Martins há muito compreendeu que, neste mundo, “tudo muda, tudo se transforma”.

A moral deles pode não ser a nossa moral e Maquiavel, esse gigante divinal, patrono de todos os déspotas, é que estava certo, ao qualificar a lei como uma mera questão de estratégia.

Sun-Tzu em vez de São Tomás d’ Aquino. O Príncipe em vez da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Punir o Nuno Marques (que, num artigo de opinião, lamenta uma década de silêncios e cumplicidades, e clama pela liberdade de crítica, que chato!) e deixar em paz José Maria Neves, que fez mil vezes pior, cometendo até alguns crimes, mas é, para todos os efeitos, o nosso querido Primeiro-Ministro.

Excelência: já vou longo. Auguro-lhe as maiores felicidades neste novo ano de Cristo.

Continue a agir como faz, que faz bem, defendendo, habilmente, o nosso Governo dos ataques desses maldosos e incapazes, que só sabem apontar falhas quando deviam reconhecer méritos, cerrando, como faz aliás V. Exa, fileiras à volta do impoluto Órgão de Soberania.

Tenha mão de ferro, dr. Júlio, com os inimigos da pátria, e todos aqueles que invocam o nome da lei em vão, descrendo da capacidade e dedicação dos humildes governantes!

Deste seu orgulhoso admirador,

CASIMIRO DE PINA

P.S.: Dizem, por aí, que V. Exa é fraco com os fortes e forte com os fracos. É falso! Vossa eminência tem perseguido, sim, o crime e a indisciplina, defendendo a honra das instituições e dos lídimos representantes deste país. Sou testemunha dos seus feitos. Criticar, é certo, mas com respeitinho, como nos bons velhos tempos do também douto Salazar. Essa gente pensa que os jornais servem para expor os governantes. Não sabem o mal que fazem ao turismo e ao investimento directo estrangeiro!

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