José Manuel Pureza –
Diário de Notícias, opinião
Hoje, declaremos
que na nação mais rica da Terra ninguém que trabalhe a tempo inteiro deve viver
na pobreza." A proclamação assim feita por Barack Obama no discurso sobre
o estado da União proferido esta semana podia ficar como simples fina flor de
retórica. Não ficou: o Presidente da "nação mais rica da Terra" quer
fazer das palavras atos e apelou ao Congresso para que legisle rapidamente no
sentido de aumentar o salário mínimo em escala federal para nove dólares por
hora até 2015. O que Obama coloca no debate público é, pois, um aumento de 24%
- sim, é isso mesmo, vinte e quatro por cento - para o limite mínimo de
remuneração. E isso dá que pensar em Portugal. Pelas piores razões.
Pelos vistos, nos
Estados Unidos, não vale o argumentário costumeiro usado em Portugal para
manter o salário mínimo nacional como o mais baixo de toda a Zona Euro, desde a
desculpa esfarrapada de que "o Parlamento não é o lugar certo" para
decidir sobre o assunto, até à invocação da "evolução económica e o
imperativo da competitividade" ou dos "momentos muito difíceis do
País", quando não mesmo da "extrema fragilidade do atual mercado
laboral" e do risco medonho de assim se contribuir para um insuportável "aumento
de custos para as empresas num contexto de crise económica". A miopia
económica deste discurso justificativo é confrangedora. Não é preciso mais do
que bom senso para perceber que um pequeno aumento no rendimento disponível das
famílias mais pobres vai seguramente ser aplicado na compra de bens e serviços
básicos cuja oferta gera emprego e cujo consumo anima a produção e cria por
isso riqueza. Quer dizer, aumentar o salário mínimo nacional é uma medida
inteligente para a dinamização do mercado interno e, através dele, da economia
como um todo. Para lá do empolgamento retórico, é provavelmente mais isso do
que outra coisa qualquer que justifica a proposta de Obama: na competição
global, a economia americana não prescinde de nenhum elemento que puxe pelo
crescimento e o consumo interno é, desses elementos, um dos mais eficazes.
Por cá, quem manda
pensa ao contrário. E veta, reprovando ou abstendo-se violentamente, essa
expressão de sensatez económica elementar. Para a reanimação da economia, quem
manda prefere amnistias fiscais de milhões aos de cima do que aumento de
unidades nos rendimentos dos de baixo. Dizem que não têm subjetivamente nada
contra os ricos. Mas a verdade é que mostram ser objetivamente contra os
pobres.
Num tempo em que
honrar os nossos compromissos para com os credores se tornou em dogma da
governação, é porventura impertinente lembrar que a fixação do salário mínimo
em 500 euros até 2011 foi um compromisso assumido por patrões, trabalhadores e
Governo em 2006. Todos os compromissos para com todos os credores são para
honrar, mas alguns honram-se mais do que outros, é isso? E, já agora, o Estado
português, quando subscreveu a Carta Social Europeia, comprometeu-se com o
princípio de que o salário mínimo líquido deve ser 60% do salário médio.
Honrássemos esse compromisso e o salário mínimo ultrapassaria já os 600 euros.
Sendo um imperativo
de bom senso económico, o aumento do salário mínimo é mais do que tudo uma
escolha política. Porque nele reside um instrumento crucial de combate à
pobreza e em favor da coesão social. E assumir esses desígnios como prioridade
ou não é uma escolha. O certo é que, estando o limiar de pobreza fixado
atualmente em 434 euros, o salário mínimo líquido em Portugal é inferior a
isso. Estamos, pois, a multiplicar pobres.
A irracionalidade e
a injustiça vão, pois, de mão dada na política atual. E uma política que
naturaliza as falcatruas máximas e desdenha da dignidade mínima é uma política
que precisa de ser refundada. De alto a baixo.
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