Aumento da
população e fim das políticas de equilíbrio geraram cenário gravíssimo. Um ano
de más colheitas poderá produzir crise alimentar
Lester R.
Brown - Outras Palavras - Tradução: Bruna Bernacchio
O mundo transita de
uma era de abundância de alimentos a uma de escassez. Na última década, as
reservas mundiais de grãos reduziram-se em um terço. Os preços internacionais
da comida mais que dobraram, desencadeando uma febre pela terra e dando origem
a uma nova geopolítica alimentar.
Os alimentos são o
novo petróleo. A terra é o novo ouro. Essa nova era caracteriza-se pela
carência dos alimentos e propagação da fome.
Do lado da demanda,
o aumento demográfico, uma crescente prosperidade e a conversão de alimentos em
combustíveis para automóveis, combinam-se para elevar o consumo a um grau sem
precedentes.
Do lado da oferta,
a extrema erosão do solo, o aumento da escassez hídrica e temperaturas cada vez
mais altas fazem com que seja mais difícil produzir. A menos que se possa
reverter essas tendências, os preços dos alimentos continuarão em ascensão, e a
fome seguirá propagando-se, abalando o sistema social.
É possível reverter
essas tendências a tempo? Ou por acaso os alimentos são o elo frágil da
civilização do começo do século XXI — em boa medida, como o foi em tantas
civilizações anteriores, cujos vestígios arqueológicos estudam-se agora?
Essa redução do
abastecimento alimentar do mundo contrasta drasticamente com a segunda metade
do século XX, quando os problemas dominantes na agricultura eram a
superprodução, os enormes excedentes de grãos e o acesso aos mercados por parte
dos exportadores desses produtos.
Nessa época, o
mundo tinha duas reservas estratégicas: grandes excedentes de grãos (com uma
quantidade no lixo, ao iniciar-se cada nova colheita); e, no quadro de
programas agrícolas estadounidenses, para evitar a sobreprodução, uma ampla
superfície de terras cultiváveis sem utilização. Quando as colheitas mundiais
eram boas, os Estados Unidos mantinham mais terras ociosas. Em contrapartida,
quando eram inferiores ao esperado, voltavam a utilizá-las.
A capacidade de
produção excessiva foi utilizada para manter a estabilidade dos mercados
mundiais de grãos. As grandes reservas amorteceram a escassez de cultivos no
planeta.
Quando as monções
não sopraram na India em 1965, por exemplo, os Estados Unidos enviaram a quinta
parte de sua colheita de trigo ao país asiático, para evitar uma onda de fome
catastrófica. Graças às abundantes reservas, isso teve pouco impacto sobre o
preço mundial de grãos.
Ao iniciar-se esse
período de abundância alimentar, o mundo tinha 2,5 bilhões de pessoas. Agora,
há 7 bilhões.
Entre 1950 e 2000
houve subidas eventuais no preço dos grãos, ocasionadas por eventos como uma
seca severa na Rússia, ou uma intensa onda de calor no Meio Oeste dos Estados
Unidos. Mas seus efeitos sobre o preço tiveram vida curta.
No prazo de um ano,
as coisas voltaram à normalidade. A combinação de reservas abundantes e terras
de cultivo ociosas converteram esse período em um dos que permitiram maior
segurança alimentícia na história.
Mas isso não
duraria. Em 1986, o constante aumento da demanda mundial de grãos e os custos
orçamentários inaceitávelmente altos fizeram que fosse eliminado o programa
estadounidense de reserva de terras agrícolas.
Atualmente, os
Estados Unidos têm algumas terras ociosas no marco do seu Programa de Reserva
para a Conservação. Mas trata-se de solos muito suscetíveis à erosão.
Acabaram-se os dias em que havia propriedades com potencial produtivo prontos
para começar a produzir rapidamente, se fosse necessário.
Agora, o mundo vive
apenas com o olhar no ano seguinte, sempre esperando produzir o suficiente para
cobrir o aumento da demanda. Os agricultores de todas as partes realizam esforços
imensos para acompanhar esse acelerado crescimento da demanda, mas têm
dificuldades para alcançá-lo.
A escassez de
alimentos conspirou contra civilizações anteriores. A dos sumérios e a dos
maias foram apenas duas das muitas cujo declínio, aparentemente, deu-se quando
enveredaram por um modelo agrícola que era ambientalmente insustentável.
No caso dos
sumérios, o aumento da salinidade do solo, em consequência de um defeito no
sistema de irrigação — muito bem planejado exceto por este aspecto — acabou devastando
seu sistema alimentar e, por consequência, sua civilização. Quanto aos maias, a
erosão do solo foi uma das chaves do seu desmoronamento, como o foi para tantas
outras civilizações anteriores.
Nossa civilização
também está nesse caminho. Mas, diferente dos sumérios, o que acontece na
agricultura moderna é o aumento dos níveis de dióxido de carbono na atmosfera.
E, como os maias, também se está manejando mal a terra e gerando perdas sem
precedentes do solo a partir de erosão.
Mais recentemente,
também enfrentamos tendências novas, como a redução do volume dos aquíferos, o
fim da atividade agrícola dos grãos, nos países mais avançados, e o aumento da
temperatura. Nesse contexto, não surpreende que a ONU informe agora os preços
dos alimentos dobraram, com relação ao período entre 2002 e 2004.
Para a maioria dos
cidadãos dos Estados Unidos, que gastam em média 9% de sua renda em alimento,
isso não é um grande problema. Mas para os consumidores que gastam entre 50 e
70% de seus rendimentos com comida, a duplicação dos preços é um assunto muito
sério.
A propagação da
fome está estritamente ligada à redução das reservas de grãos e ao aumento do
preço dos alimentos.
Nas últimas décadas
do século passado, a quantidade de pessoas famintas no mundo se reduziu, caindo
a 792 milhões em 1997. Em seguida, voltou a aumentar, chegando a 1 bilhão.
Lamentavelmente, se continuarmos agindo como de costume, as filas dos famintos
continuarão crescendo.
O resultado é que
para os agricultores do mundo está se tornando cada vez mais difícil garantir
que a produção acompanhe a crescente demanda de grãos.
Os estoques
mundiais de grãos estão caindo há uma década e não foi possível reconstruí-los.
Se não for possível fazê-lo, é de se esperar que, em consequência de um ano de
colheitas pobres, a fome se intensifique e se propaguem pelo mundo distúrbios
vínculados à má alimentação.
O mundo está
entrando em uma era de escassez alimentar crônica, que conduz a uma intensa
competição pelo controle de terra e de recursos hídricos. Em outras palavras,
uma nova geopolítica dos alimentos está começando.
* Lester Brown é presidente da Earth Policy Institute e autor de “Planeta
Cheio, Pratos Vazios: A Nova Geopolítica da Escassez de Alimentos”. W.W.Norton:
Outubro de 2012)
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