sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Portugal: O ANO PROMETE




Manuel Maria Carrilho – Diário de Notícias, opinião

Viragem ou miragem? O ano começou com os prognósticos mais sombrios, mas de repente tudo parece ter mudado, com as bolsas em papel de destaque a darem sinais de um inesperado otimismo, que num ápice se tornou eufórico.

Primeiro foram os Estados Unidos a fazerem a festa por terem escapado à falésia fiscal que, sem acordo entre democratas e republicanos sobre o teto da dívida, automaticamente imporia drás- ticos aumentos de impostos e cortes de despesa. E na verdade não chegaram a acordo nenhum, apenas adiaram o problema por dois meses...

Depois foi a Europa, com o avanço das medidas preconizadas pelo presidente do BCE, Mario Draghi, a darem finalmente alguma margem de manobra aos países mais aflitos com a ineficácia dos planos de austeridade dos últimos anos. Foi assim que, depois da conveniente moratória de seis meses à Grécia, surgiu o amparo no "regresso aos mercados" da Irlanda e de Portugal, curiosamente no mesmo dia em que o Eurostat nos informava de que a dívida pública portuguesa atingia um novo recorde, com 120,3% do PIB. Um detalhe, que não parece preocupar ninguém...

Obama também deu uma ajuda, ao adotar no começo do segundo mandato, em que não tem maioria, um tom e um programa reformistas que infelizmente não assumiu no primeiro, quando tinha uma expressiva maioria, bem como uma expectativa e um apoio populares imensos. E a finança continua fora dos seus principais alvos...

Nesta viragem para o otimismo - que nem David Cameron e o seu in/out Europa, conseguiu perturbar - conta naturalmente muito o calendário eleitoral da chanceler Angela Merkel, que quer chegar às eleições de setembro com a imagem de grande salvadora da Zona Euro: a Grécia não saiu do euro, Portugal e Irlanda estão no "bom" caminho, o futuro da Zona Euro está na sua germanização...

Mas há mais, nesta viragem que mais parece uma miragem. Há, por um lado, a necessidade de aliviar a saturação das pessoas, que ameaça de um modo difuso (mas perigoso) todos os governos. Mas há também, por outro lado, os cálculos dos traders, que sabem como ninguém acompanhar os riscos de qualquer colapso financeiro com espirais de um otimismo hiperbólico. Basta olhar para o que se passou no começo da década passada, primeiro com a bolha Internet, e depois com a do crédito subprime, para nos lembramos do que é capaz a famosa "exuberância irracional" - Alan Greenspan dixit - dos mercados. E ela aí está, de volta!

Entretanto, as medidas impulsionadas por Mario Draghi consistiram sobretudo numa talentosa forma de ganhar tempo, elas adiam, mais do que resolvem, os problemas da Zona Euro: o desemprego aumentou nos últimos dois anos de 17 para quase 19 milhões de pessoas, já atinge na Zona Euro os 12%, cavando entre o Norte e o Sul da Europa mais uma divergência tremenda, a juntar-se às outras. E tudo indica que a recessão vai prolongar-se num quadro global que - da China ao Brasil - também é preocupante, mas em que a Europa faz, em termos de crescimento, a pior figura.

O que acontece porque a União Europeia continua num profundo impasse, a fingir ora que quer ora que faz, a iludir-se com medidas burocráticas ou tecnocráticas, contornando sempre a natureza eminentemente política dos problemas que enfrenta e que a paralisam.

É este facto que provoca a desorientação e a incapacidade da Europa, cujo destino parece hoje estar inteiramente nas mãos de uma única instituição, o Banco Central Europeu, que vai atuando entre múltiplas pressões contraditórias e várias solicitações de urgência, mas sempre sem verdadeira legitimidade política.

Por isso, por trás da mensagem que "tudo mudou" neste mês de janeiro, pouco parece na verdade ter mudado. Por um lado, os planos de austeridade continuam no seu fanatismo destruidor. O crescimento continua a ser uma conversa tão fiada como adiada. O mito da competitividade absoluta continua a alimentar todos os desvarios. A litania das exportações continua a ignorar, como recentemente mostrou B. R. Mandel (num estudo da Federal Reserve Bank of New York), que elas acabam sempre por acompanhar o PIB.

Por outro lado, a "obnubilação industrial" (a expressão é de Charles Wyplosz) faz estragos e aumenta a desorientação por toda a União Europeia, sobretudo numa classe política medíocre que pouco olha para o mundo, e nada aprende com a história. E a Europa deixa a França sozinha no Mali, confirmando o imprudente abandono de qualquer preocupação com a sua defesa, tornando-se mesmo a única região do mundo onde os orçamentos militares estão a diminuir!

Nada disto é de bom augúrio, mas não vamos ficar por aqui. Nomeadamente porque a viragem otimista colide com um dado péssimo, que é o da persistência da subida do euro, que se valorizou nos últimos seis meses 10% em relação ao dólar e 25% em relação ao iene japonês, o que agrava os problemas da economia europeia.

São assim premiadas as estratégias de desvalorização competitiva dos Estados Unidos e do Japão, sempre apoiadas numa criação monetária torrencial, indiferentes à dívida que, em termos totais, já ultrapassou no Japão os 200% e nos Estados Unidos os 350% dos respetivos PIB. O ano promete!

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